TEMPOS DA IGNORÂNCIA[1]
“... Muito se pedirá àquele a quem se tiver muito
dado, e se fará prestar maiores contas àqueles a quem se tiver confiado mais
coisas.
“... Somos nós, pois, também cegos? Jesus lhes
respondeu: Se fôsseis cegos, não teríeis pecado; mas agora dizeis que vedes e é
por isso que vosso pecado permanece em vós.”
Evangelho Segundo o
Espiritismo – Cap. 18, itens 10 A 11
Lucas
relata em Atos dos Apóstolos a seguinte orientação de Paulo de Tarso: “Deus não leva em conta os
tempos da ignorância”[2].
Em outras oportunidades, confirmou
também que “muito se pedirá
àquele que muito recebeu”[3],
quer dizer, o
agravamento das faltas é proporcional ao conhecimento que se possui.
Compreendemos,
dessa forma, que somos todos nós protegidos pela nossa “ignorância”,
pois somente seremos avaliados
pela Divina Providência, de conformidade com as possibilidades do “saber” e “sentir”,
isto é, segundo a nossa maneira de ver a nós próprios e o mundo que nos rodeia.
As
leis espirituais que dirigem a vida são sábias e justas e adaptam-se particularmente
a cada criatura, levando em conta suas individualidades.
O
eminente psicólogo e pedagogo suíço Jean Piaget, responsável pela teoria de que
o desenvolvimento das crianças propicia seu aprendizado, dizia que elas são
diferentes entre si, que cada uma tem seu jeito de crescer e de se realizar
como indivíduo, e que todos, poderíamos ajudá-las nesse crescimento, porém
nunca impondo formas generalizadas e semelhantes.
Piaget
ensinava que cada criança pensa e interpreta o mundo com seu peculiar
pensamento e com suas possibilidades orgânicas e mentais, quase sempre
heterogêneas.
Encontramos no mundo atual; modernos métodos
pedagógicos que seguem esse raciocínio, levando em conta que cada indivíduo,
para assimilar sua realidade de vida, é portador de um processo psicológico de
aprendizagem próprio. Cada um percebe de forma dissemelhante os estímulos da
Vida, decodifica-os e em seguida os reelabora, formando assim sua própria individualidade.
Por outro lado, encontramos também
na reencarnação a guarida desses métodos de ensino, pois ela se baseia na
multiplicidade de experiências ocorridas nos diversos avatares por onde a alma
percorre seus caminhos vivenciais, como um ser individual.
As diversidades do nosso tempo de criação, nossas heranças
reencarnatórias, experiências emocionais e mentais, ambientes sociais onde
ocorrem essas mesmas experiências, estruturas sexuais, masculinas ou femininas,
e motivações várias desenvolvidas na atualidade particularizam os seres humanos
com vocações, tendências, interesses, grau de raciocínio e discernimento “sui
generis”.
Relativos
e não generalizados devem ser os modos de ver as coisas e as pessoas. O próprio
direito penal classifica e pune os crimes dentro dos padrões do “intencional” ou “doloso”, “passional” ou “ocasional”.
Por que o poder inteligente que nos rege iria julgar-nos sem
levar em conta nosso “tempo da ignorância” e nossa relatividade?
Como educar ou avaliar genericamente, usando o mesmo critério, crianças
que receberam uma educação cheia de energia e vida, ensinadas a questionar e
criar; a ter curiosidade e admiração pela natureza; e outras que só vivenciaram
discussões, agressões e comportamentos medíocres por entre odores de bebidas
alcoólicas e nicotina, sem uma visão saudável de Deus; ao contrário, temerosa,
distorcida, adquirida através da crença de um ser ameaçador e temperamental?
O Amor de Deus programou-nos
simples inicialmente para permitir que nos desenvolvêssemos, de forma
gradativa, até atingir maiores plenitudes e totalidades.
Temos,
pois, que seguir essa programação da Natureza, ou seja, caminhar dentro desse
projeto estabelecido pelas leis universais para atingirmos a nossa integração
como seres espirituais.
Esse processo evolucional nos mostra que
podemos estar um pouco atrás, ou adiante, das criaturas, embora cada uma delas
tenha suas características próprias e certas de acordo com sua idade astral.
Nesse decurso
evolutivo, todos nós passamos por fases de egoísmo e orgulho até atingirmos
mais tarde as grandes virtudes da alma. Consideremos, portanto, que não seremos
censurados por estar nessas fases “primitivas”, porque o que chamamos de “defeito”
ou “inferioridade” seja, talvez, a passagem por esses ciclos iniciantes onde
estagiamos.
Lembremos
que essas “fases” ou “ciclos” não foram criados por nós, mas pelos desígnios de
Deus, que regem a Natureza como um todo.
Coisas
inadequadas que vemos em outras pessoas podem ser naturais nelas, ou mesmo do “tempo
da sua ignorância”, e representam características próprias de sua etapa
evolucional na estrada por onde todos transitaram, alguns mais avançados e
outros na retaguarda.
A vida
moderna nos deu raciocínio e reflexão, maturação intelectual e um desenrolar de
novas descobertas, ensinando-nos formulações racionais surpreendentes para que
melhor pudéssemos compreender os métodos de evolução e progresso em nós mesmos
e no Universo.
Não
somos responsáveis por aquilo que não sabemos, não sofreremos um castigo por atos
ou atitudes que ignoramos.
Talvez
essas idéias de punição, alienatórias, sejam os frutos da incapacidade de nossa
reflexão sobre a Bondade Divina, O que chamamos de “sofrimento” é simplesmente “resultado”
de nossa falta de habilidade para desenvolver as coisas corretamente, pois na vida não existem “prêmios” nem “castigos”, somente as conseqüências
dos nossos atos.
Vale,
porém, considerar que, à medida que nossa consciência se expande e maior
lucidez se faz em nossa mente, maiores serão nossos compromissos
perante a existência.
“Se
fôsseis cegos, não teríeis pecado; mas agora dizeis que vedes e é por isso que
vosso pecado permanece em vós”.[4]
Podemos
pretextar ignorância, mas se tivermos consciência de nossos feitos isso sempre
será levado em conta.
Avaliemos atentamente: os tesouros da alma
que já integramos nos obrigarão a prestar maiores ou menores contas perante a
Vida Maior.
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