sexta-feira, 3 de abril de 2020

Estudando Missionário da Luz - Socorro espiritual


SOCORRO ESPIRITUAL[1]
- Precisa voltar mais cedo aos serviços? - Indagou Alexandre, assim que tomávamos à via pública.
- Posso dispor de mais tempo - respondi. Meu interesse era enorme na continuidade das instruções. Alexandre possuía vastíssimas experiências médicas. Minhas aquisições nesse terreno, em comparação com as dele, representavam conhecimentos pálidos.
- Tenho ainda hoje uma assembléia de esclarecimentos a irmãos encarnados - continuou o orientador - e se você puder comparecer, teremos satisfação.
- Como não? Estou aprendendo e não devo perder a oportunidade.
Saímos.
As entidades perturbadas mantinham-se à porta, dando a ideia de alguém à espera de brecha para entrar.
Porque Alexandre prosseguia na palestra edificante, seguíamos, quase passo a passo, como quando na Crosta.
Estávamos nos primeiros minutos da madrugada. Os transeuntes desencarnados eram numerosíssimos. A maioria, de natureza inferior, trajava roupa escura, mas, de espaço a espaço, éramos defrontados por grupos luminosos que passavam céleres, em serviços cuja importância se adivinhava.
- Há sempre quefazeres urgentes, no auxílio oportuno aos nossos irmãos da Crosta - comentou o instrutor, com afabilidade e doçura - e, na maior parte das vezes, é mais eficiente o nosso concurso à noite, quando os raios solares diretos não desintegram certos recursos de nossa cooperação...
Não havia terminado, quando se acercou de nós, inesperadamente, uma velhinha simpática.
- Justina, minha irmã, que o Senhor a abençoe! - saudou-a o orientador, gentil.
A entidade amiga, que demonstrava muita inquietude no olhar, respondeu com afetuoso respeito e explicou-se:
- Alexandre; tenho necessidade de seu auxílio urgente e vim ao seu encontro. Desculpe-me.
E, antes que o instrutor pudesse sondar-lhe verbalmente a aflição, a interlocutora prosseguiu:
- Meu filho Antônio encontra-se em estado gravíssimo...
Agora era Alexandre que a interrompia:
- Adivinho o que se passa. Quando o visitei, no mês findo, notei-lhe as perturbações circulatórias.
- Sim, sim - continuou a mãe aflita. - Antônio vive no círculo de pensamentos muito desregrados, apesar do bom coração. E hoje trouxe para o leito de repouso tantas preocupações descabidas, tanta angústia desnecessária, que as suas criações mentais se transformaram em verdadeiras torturas. Embalde, auxiliei-o com os meus humildes recursos; infelizmente, é tão grande o seu desequilíbrio interior, que toda a minha colaboração resultou inútil, permanecendo-lhe o cérebro sob a ameaça dum derramamento mortífero.
E sentindo a gravidade do minuto, acrescentou triste:
- Ó Alexandre, bem sei que devemos subordinar nossos desejos aos desígnios de Deus. Entretanto, meu filho necessita de mais alguns dias na Terra. Creio que, em dois meses, conseguirei dele, indiretamente, a solução de todos os problemas que lhe afetam a paz da família. Sua autoridade pode auxiliar-nos! Seu coração edificado em Cristo permanece em condições de fazer-nos semelhante bem!...
Reconhecendo a urgência do assunto, exclamou o orientador:
- A caminho! Não temos um segundo a perder!
Daí a poucos instantes, penetramos na residência confortável.
A velhinha, aflita, conduziu-nos a uma alcova espaçosa, onde o filho, chefe da casa, repousava metido em alvos lençóis, dando-me a impressão característica dum moribundo.
Antônio parecia próximo dos setenta anos e exibia todos os sinais do arterioesclerótico[2] adiantado.
O quadro era agora profundamente educativo para mim, que entrara num círculo valioso de observações novas.
Identificava perfeitamente o estado pré-agônico, em todas as suas expressões físico-espirituais. A alma confusa, inconsciente, movimentava-se com dificuldade, quase que totalmente exteriorizada, junto do corpo imóvel, a respirar dificilmente.
Enquanto Alexandre se inclinava paternalmente sobre ele, observei que estávamos diante de uma trombose perigosíssima, por localizar-se numa das artérias que irrigam o córtex motor do cérebro. A apoplexia[3] não se fizera esperar. Mais alguns instantes; e a vítima estaria desencarnada.
Alexandre, que centralizara todas as atenções no enfermo, tocou-lhe o cérebro perispiritual e falou com autoridade serena:
- Antônio, mantenha-se vigilante! Nosso auxílio pede a sua cooperação!
O moribundo, desligado parcialmente do corpo, abriu os olhos fora do invólucro de carne, dando a entender vagas noções de consciência, e o instrutor prosseguiu:
- Você foi acidentado pelos próprios pensamentos em conflito injustificável. Suas preocupações excessivas criaram-lhe elementos de desorganização cerebral.
Intensifique o desejo de retomar as células físicas, enquanto nos preparamos a fim de ajudá-lo.
Este momento é decisivo para as suas necessidades.
O interpelado não respondeu, mas observei que Antônio compreendera a advertência, no imo das forças da consciência, colocando-se em boa posição para colaborar em favor de si mesmo.
Em seguida, o orientador iniciou complicadas operações magnéticas, no corpo inanimado, ministrando energias novas à espinha dorsal. Decorridos alguns instantes, colocou a destra ao longo do fígado e, mais tarde, demorando-a no cérebro físico, bem à altura da zona motora, chamou-me e disse:
- André mantenha-se em prece, cooperando conosco. Convocarei alguns irmãos em serviço, nesta noite, para auxiliar-nos.
E acentuou, após meditar por alguns segundos: - o grupo do Irmão Francisco não pode estar longe.
Dito isto, Alexandre assumiu atitude de profunda concentração de pensamento.
Não passou mais dum minuto e pequena expedição de oito entidades, quatro companheiros e quatro irmãs, penetrou o recinto doméstico, em religioso silêncio.
Saudamo-nos todos, ligeiramente, e o instrutor dirigiu-se, atencioso, à entidade que guardava atribuições de chefia.
- Francisco; precisamos aqui das emanações de algum dos nossos amigos encarnados, cujo veículo material esteja agora em repouso equilibrado. E ao passo que o novo irmão observava cuidadoso, o agonizante, Alexandre acrescentava:
- Conforme observa; estamos diante dum caso gravíssimo. É preciso muito critério na escolha do doador de fluidos.
O dirigente dos socorristas pensou um momento e obtemperou:
- Temos um companheiro que nos atenderá razoavelmente. Trata-se de Afonso. Enquanto vou buscá-lo, nosso grupo auxiliará sua ação curativa, emitindo forças de colaboração magnética, através da prece.
Francisco ausentou-se imediatamente.
Nesse instante, a velhinha aproximou-se do instrutor e falou respeitosa:
- Se há necessidade de fluidos de irmãos encarnados, quem sabe poderíamos empregar o concurso de minhas netas que repousam nos aposentos próximos?
- Não - respondeu Alexandre, delicadamente -, não atenderiam as exigências em curso. Precisamos de alguém suficientemente equilibrado no campo mental.
A mãe inquieta afastou-se, enxugando os olhos. Atendendo a sinal afetuoso do orientador, aproximei-me, observando o doente de mais perto, mantendo-me embora na íntima atitude de oração.
- Antônio é viúvo faz vinte anos - explicou Alexandre - e está nas vésperas de vir ter conosco, no plano espiritual. Nosso amigo, porém, necessita de mais alguns dias na esfera da Crosta para deixar alguns problemas sérios devidamente solucionados. O Senhor nos concederá a satisfação de colaborar no reerguimento provisório de suas forças. E fosse porque me detinha a observar o grupo de entidades que oravam silenciosas, ou em razão de pretender beneficiar-me com novos ensinamentos, o instrutor esclareceu:
- Temos aqui o grupo do Irmão Francisco. Trata-se de uma das inumeráveis turmas de serviço que nos prestam cooperação.
Muitos companheiros consagram-se aos trabalhos dessa natureza, mormente à noite, quando as nossas atividades de auxílio podem ser mais intensas.
Verdadeiro mundo de interrogações assomava-me ao cérebro, a fim de solucionar as questões do momento; contudo, compreendendo a gravidade dos minutos, em face da tarefa para a qual fôramos chamados, resolvi silenciar.
Não decorreu muito tempo e Francisco voltava seguido de alguém.
Tratava-se do companheiro encarnado a que Alexandre se referira.
Não houve oportunidade para saudações. O orientador, tomando-lhe a destra, conduziu-o imediatamente à cabeceira do moribundo, dizendo-lhe com autoridade afetuosa:
- Afonso; não temos um segundo a perder. Coloque ambas as mãos na fronte do enfermo e conserve-se em oração.
O interpelado não pestanejou. Dando-me a impressão dum veterano em semelhantes serviços de assistência, parecia sumamente despreocupado de todos nós, fixando-se tão somente na obrigação a cumprir.
Foi então que vi Alexandre funcionar como verdadeiro magnetizador.
Recordando meus antigos trabalhos médicos nos casos extremos de transfusão de sangue, via-lhe perfeitamente o esforço de transferir vigorosos fluidos de Afonso para o organismo de Antônio, já moribundo.
Na qualidade de discípulo, acentuando minhas faculdades de análise, junto de preciosa lição, observei que o semblante do enfermo transformava-se gradualmente. À medida que o instrutor movimentava as mãos sobre o cérebro de Antônio, este revelava sinais crescentes de melhoras. Verificava, sob forte assombro, que a sua forma perispiritual reunia-se devagarzinho à forma física, integrando-se, harmoniosamente, uma com a outra, como se estivessem, de novo, em processo de reajustamento, célula por célula.
Depois de um quarto de hora, segundo meu cálculo de tempo, estava finda a laboriosa intervenção magnética e Alexandre, chamando a velhinha, acentuou:
- Justina, o coágulo acaba de ser reabsorvido e conseguimos socorrer a artéria com os nossos recursos, mas Antônio terá, no máximo, cinco meses a mais, de permanência na Terra. Se você pleiteou o auxílio de agora para ajudá-lo a resolver negócios urgentes, não perca as oportunidades, porque os reparos deste instante não perdurarão por mais de cento e cinqüenta dias. E não se esqueça de preveni-lo, pelos processos intuitivos ao nosso alcance, quanto ao cuidado que deverá manter consigo mesmo no terreno das preocupações excessivas, mormente à noite, quando ocorrem os fenômenos desastrosos mais sérios de circulação, em vista da invigilância de muitas pessoas que se valem das horas sagradas do repouso físico para a criação de fantasmas cruéis, no campo vivo do pensamento. Se o nosso amigo despreocupar-se da auto corrigenda, talvez desencarne antes dos cinco meses. Toda a cautela é indispensável.
A genitora agradeceu, comovida, em lágrimas de contentamento.
Alexandre recomendou ao “socorrista” encarnado que retirasse as mãos de sobre a fronte do enfermo e vi, então, o inesperado.
O doente grave, reintegrado nas funções orgânicas, com a harmonia possível, abriu os olhos físicos, como se estivesse profundamente embriagado, e começou a gritar estentoricamente:
- Socorro! Socorro!... Acudam-me por amor de Deus! Eu morro, eu morro!...
Algumas jovens acorreram, espantadas e trêmulas, em roupas brancas, percebendo-se que as filhas carinhosas e sensíveis vinham atender ao pai ansioso.
- Papai! Papai! - exclamavam lacrimosas-que foi isto?
- Estou morrendo! - clamava o enfermo, em voz pungente - chamem o médico... Depressa!
- Mas que sente papai? - perguntou uma delas, em pranto convulso.
- Sinto-me morrer, tenho a cabeça tonta, incapaz de raciocinar...
Grande era a azáfama dos encarnados que passavam por nós em bulha indescritível, atropelando-se uns aos outros, sem o mais leve traço de consciência a respeito da nossa presença ali.
Alexandre solicitou ao Irmão Francisco fornecesse instruções a Afonso para que este regressasse ao lar e, depois da providência, dispôs-se a retirar e disse-me sorrindo, diante da estranheza que a atitude alarmante das moças me causava:
- Geralmente, quando os nossos amigos encarnados gritam, chorosos, por socorro, nosso serviço de assistência já se encontra completo. Partamos
O doente, semilúcido, prosseguia inquieto, enquanto o telefone tilintava, cooperando para a imediata visita do médico.
A velhinha despediu-se de nós, comovedoramente, permanecendo junto do enfermo, velando, devotada e humilde.
Na via pública, pedi ao instrutor me pusesse em contacto mais íntimo com o Irmão Francisco, que nos acompanhava, solícito.
Alexandre, afável como sempre, atendeu-me aos desejos.
- Nossa pequena expedição - esclareceu o chefe do agrupamento, depois de trocar comigo palavras muito cordiais - é uma das inumeráveis turmas de socorro que colaboram nos círculos da Crosta. Somos milhares de servidores, nessas condições, ligados a diversas regiões espirituais mais elevadas.
- Seu núcleo - perguntei - procede de nossa colônia?
- Sim. E temos nossas atividades entrelaçadas com as tarefas de vários instrutores de Nosso Lar.
- E há tarefas especializadas para cada grupo dessa natureza?
- Perfeitamente. O nosso, por exemplo - acentuou Francisco, gentil -, destina-se ao reconforto de doentes graves e agonizantes.
De modo geral, as condições de luta para os enfermos são mais difíceis à noite. Os raios solares, nas horas diurnas, destroem grande parte das criações mentais inferiores dos doentes em estado melindroso, não acontecendo o mesmo à noite; quando o magnetismo lunar favorece as criações de qual quer espécie, boas ou más.
Em vista disso, o nosso esforço há de ser vigilante. Quase ninguém no círculo de nossos irmãos encarnados conhece a extensão de nossas tarefas de socorro. Permanecem eles num campo de vibrações muito diferentes das nossas e não podem apreender ou discriminar nosso auxílio. Isto, porém, não importa. Outros benfeitores, muito mais elevados que aqueles dos quais podemos guardar conhecimento direto, velam por nós e inspiram-nos, devotadamente, no campo das obrigações comuns, sem que vejamos a sua forma de expressão nos trabalhos referentes aos divinos desígnios. E talvez porque eu sorrisse, admirando-lhe o: ideal de renúncia serena e santificante, o interlocutor também sorriu e acrescentou:
- Sim, meu amigo, reclamar compreensão e resultado de criaturas e situações, ainda incapacitadas para no-los dar, constitui exigência mais cruel que a solicitação de recompensas imediatas.
Era bem a verdade convincente. Mantinha-se o Irmão Francisco dentro da lógica mais elevada.
Os que auxiliam alguém, interessados no reconhecimento ou na compensação, quase sempre permanecem de olhos cerrados para o concurso divino e invisível que de Mais Alto recebem.
Exigem que outros lhes identifiquem a posição de benfeitores, mas nunca se recordam de que amigos sábios e desvelados lhes oferecem a melhor cooperação de planos superiores, sem deles reclamarem a mínima nota de gratidão pessoal.
- São muitos os irmãos afins - continuou o meu interlocutor, interrompendo-me as reflexões íntimas - que se reúnem, depois da morte do corpo, em tarefas de amparo fraternal, quando já alcançaram os primeiros degraus da escada de purificação. Do que me é possível ajuizar, semelhantes trabalhos são dos mais eficientes e dignos em favor dos homens. Raramente os companheiros encarnados, quando em excelentes condições de saúde física, podem compreender as aflições dos enfermos em posição desesperadora ou dos moribundos prestes a partir. Nós outros, porém, no quadro de realidades mais fortes, sabemos que, muitas vezes, é possível efetuar realizações deveras sublimes, de natureza espiritual, em poucos dias, nessas circunstâncias, depois de largos anos de atividades inúteis.
No leito da morte, as criaturas são mais humanas e mais dóceis. Dir-se-ia que a moléstia intransigente enfraquece os instintos mais baixos, atenua; as labaredas mais vivas das paixões inferiores, desanimaliza a alma, abrindo-lhe, em torno, interstícios abençoados por onde penetra infinita luz. E a dor vai derrubando as pesadas muralhas da indiferença, do egoísmo cristalizado e do amor-próprio excessivo. Então, é possível o grande entendimento.
Lições admiráveis felicitam a criatura que, palidamente embora, percebe a grandeza da herança divina. Acentua-se-lhe o heroísmo e gravam-se-lhe no coração, para sempre, mensagens vivas de amor e sabedoria. Na noite espessa da agonia começa a brilhar a aurora da vida eterna. E aos seus clarões indistintos, nossos princípios são facilmente aceitos, a sensibilidade demonstra características sublimes e a luz imortal lança fontes de infinito poder nos recessos do espírito.
O interlocutor fez longa pausa e rematou:
- Desse modo, conseguimos efetuar um serviço de assistência eficaz, carreando novos valores no campo da fraternidade e do bem legítimo. Nunca observou a paciência inesperada de doentes graves, a calma de certos enfermos incuráveis e a suprema conformação da maioria dos moribundos?
Muitas vezes, semelhantes edificações, incompreensíveis para os encarnados que os cercam, constituem o fruto do esforço de nossos grupos itinerantes de socorro.
Francisco enunciara sublimes verdades. De fato, a serenidade dos enfermos em condição desesperadora e a resignação inexplicável dos agonizantes, absolutamente distanciados da fé religiosa, não poderiam guardar outra origem.
A bondade divina é infinita e, em todos os lugares, há sempre generosas manifestações da Providência Paternal de Deus, confortando os tristes, acalmando os desesperados, socorrendo os ignorantes e abençoando os infelizes.



[1] Fonte: Missionário da Luz, Ditado pelo Espírito André Luiz, psicografia de Francisco Cândido Xavier, Editora FEB, Capitulo 7
[2] Arteriosclerose é um processo de endurecimento, perda de elasticidade e espessamento progressivo das paredes das artérias (endotélio), induzido pela hipertensão arterial e que acompanha o processo natural de envelhecimento. [1] Este processo é o responsável pelo aumento progressivo da pressão arterial sistólica sem aumento da pressão arterial diastólica.  https://pt.wikipedia.org/wiki/Arteriosclerose
[3] apoplexia pituitária é um enfarte ou uma hemorragia súbita da glândula pituitária, na presença dum adenoma pituitário. https://pt.wikipedia.org/wiki/Apoplexia_pituitária

sábado, 28 de março de 2020

A NOVA ERA - Erasto, Discípulo de São Paulo


A NOVA ERA[1]
Erasto, Discípulo de São Paulo
Paris, 1863
Santo Agostinho é um dos maiores divulgadores do Espiritismo. Ele se manifesta por quase toda parte, e a razão disso a encontramos na vida desse grande filósofo cristão.
Pertence a essa vigorosa falange dos Pais da Igreja, a que a Cristandade deve as suas mais sólidas bases. Como muitos, ele foi arrancado ao paganismo, ou melhor, diremos, a mais profunda impiedade, pelo clarão da verdade.
Quando, em meio de seus desregramentos, ele sentiu na própria alma a estranha vibração que o chamava para si mesmo e lhe fez compreender que a felicidade não estava nos prazeres enervantes e fugidios; quando, enfim, na sua Estrada de Damasco, ele também ouviu a santa voz que lhe clamava: "Saulo, Saulo, por que me persegues?"
Exclamou: "Meu Deus! Meu Deus perdoa-me, eu creio, sou cristão!"
E desde então se tornou um dos mais firmes pilares do Evangelho.
Podemos ler, nas notáveis confissões desse eminente Espírito, as palavras características e proféticas, ao mesmo tempo, que ele pronunciou ao ter perdido Santa Mônica: "Estou certo de que minha mãe virá visitar-me e dar-me os seus conselhos, revelando-me o que nos espera na vida futura".
Que lição nestas palavras, e que brilhante previsão da futura doutrina!
É por isso que hoje, vendo chegada a hora de divulgação da verdade, que ele já havia pressentido, faz-se o seu ardente propagador, e se multiplica, por assim dizer para atender a todos os que o chamam.














NOTA - Santo Agostinho vem, por acaso, modificar aquilo que ensinou? Não, seguramente, mas como tantos outros, ele vê com os olhos do espírito o que não podia ver como homem. Sua alma liberta percebe claridades novas, e compreende-o que antes não compreendia. Novas idéias lhe revelaram o verdadeiro sentido de certas palavras. Quando na terra, julgava as coisas segundo os conhecimentos que possuía; mas, quando uma nova luz se fez para ele, pode julgá-las com maior clareza. É assim que ele deve revisar sua crença referente aos espíritos íncubos súcubos, bem como o anátema que havia lançado contra a teoria dos antípodas. Agora, que o Cristianismo lhe aparece em toda a sua pureza, ele pode, sobre certos pontos, pensar de maneira diversa de quando vivia, sem deixar de ser o apóstolo: cristão. Pode, sem renegar a sua fé, fazer-se o propagador do Espiritismo, porque nele vê o cumprimento das predições. Ao proclamá-lo, hoje, nada mais faz do que conduzir-nos a uma interpretação mais sã e mais lógica dos textos. Assim também acontece com outros Espíritos, que se encontram numa posição semelhante.


[1] Fonte: Livro – Evangelho Segundo o Espiritismo, Allan Kardec, Tradução de J. Herculano Pires, LAKE - Livraria Allan Kardec Editora, Cap. 1 item 11

A NOVA ERA - Fenelon


A NOVA ERA[1]
Fénelon
Poitiers, 1861
Um dia, Deus em sua inesgotável caridade, permitiu ao homem ver a verdade através das trevas.
Esse dia foi o do advento de Cristo. Depois do vivo clarão, porém, as trevas se fecharam de novo.
O mundo, após alternativas de verdade e obscuridade, novamente se perdia. Então, semelhantes aos profetas do Antigo Testamento, os Espíritos começaram a falar e a vos advertir. O mundo foi abalado nas suas bases: o trovão ribombará; sede firmes!
O Espiritismo é de ordem divina, pois repousa sobre as próprias leis da natureza. E crede que tudo o que é de ordem divina tem um objetivo elevado e útil.
Vosso mundo se perdia. A ciência, desenvolvida com o sacrifício dos interesses morais, vos conduzia unicamente ao bem-estar material, revertendo-se em proveito do espírito das trevas. Vós o sabeis cristão: o coração e o amor devem marchar unidos à ciência. O Reino do Cristo, ai de nós!
Após dezoito séculos, e apesar do sangue de tantos mártires, ainda não chegou. Cristãos, voltai para o Mestre que vos quer salvar. Tudo é fácil para aquele que crê e que ama: o amor o enche de gozo inefável. Sim, meus filhos, o mundo está abalado.
Os bons Espíritos vo-lo dizem sempre. Curvai-vos sob o sopro precursor da tempestade, para não serdes derrubados. Quero dizer: preparai-vos e não vos assemelheis às virgens loucas, que foram apanhadas desprevenidas à chegada do esposo.
A revolução que se prepara é mais moral do que material.
Os grandes Espíritos, mensageiros divinos, insuflam a fé, para que todos vós, obreiros esclarecidos e ardentes, façais ouvir vossa humilde voz. Porque vós sois o grão de areia, mas sem os grãos de areia não haveria montanhas.
Assim, portanto, que estas palavras: "Nós somos pequenos", não tenha sentido para vós. A cada um a sua missão, a cada um o seu trabalho.
A formiga não constrói o seu formigueiro, e animaizinhos insignificantes não formam continentes?
A nova cruzada começou: apóstolos da paz universal, e não da guerra, modernos São Bernardo, olhai para frente e marchai!
A lei dos mundos é a lei do progresso.


[1] Fonte: Livro – Evangelho Segundo o Espiritismo, Allan Kardec, Tradução de J. Herculano Pires, LAKE - Livraria Allan Kardec Editora, Cap. 1 item 10

A NOVA ERA - Um Espírito Israelita


A NOVA ERA[1]
Um Espírito Israelita
Mulhouse, 1861
Deus é único, e Moisés o Espírito que Deus enviou com a missão de fazê-lo conhecer, não somente pelos hebreus, mas também pelos povos pagãos. O povo hebreu foi o instrumento de que Deus se serviu para fazer sua revelação, através de Moisés e dos Profetas, e as vicissitudes da vida desse povo foram feitas para chocar os homens e arrancar-lhes dos olhos o véu que lhes ocultava a divindade.
Os mandamentos de Deus, dados por Moisés, trazem o germe da mais ampla moral cristã. Os comentários da Bíblia reduziam-lhes: o sentido, porque, postos em ação em toda a sua pureza, não seriam então compreendidos. Mas os Dez Mandamentos de Deus nem por isso deixaram de ser o brilhante frontispício da obra, como um farol que devia iluminar para a humanidade o caminho a percorrer.
A moral ensinada por Moisés era apropriada ao estado de adiantamento em que se encontram os povos chamados à regeneração. E esses povos, semi-selvagens quanto ao aperfeiçoamento espiritual, não teriam compreendido a adoração de Deus sem os holocaustos ou sacrifícios, nem que se pudesse perdoar a um inimigo.
Sua inteligência, notável no tocante às coisas materiais, e mesmo em relação às artes e às ciências, estava muito atrasada em moralidade, e eles não se submeteriam ao domínio de uma religião inteiramente espiritual. Necessitavam de uma representação semi-material, como a que então lhes oferecia a religião hebraica. Os sacrifícios, pois, lhes falavam aos sentidos, enquanto a ideia de Deus lhes falava ao espírito.
O Cristo foi o iniciador da mais pura moral, a mais sublime: a moral evangélica, cristã, que deve renovar o mundo, aproximar os homens e torná-los fraternos; que deve fazer jorrar de todos os corações humanos a caridade e o amor do próximo, e criar entre todos os homens uma solidariedade comum. Uma moral, enfim, que deve transformar a terra, fazê-la morada de Espíritos superiores aos que hoje a habitam. É a lei do progresso, a que a natureza está sujeita que se cumpre, e o Espiritismo é a alavanca de que Deus se serve para elevar a humanidade.
São chegados os tempos em que suas idéias morais devem desenvolver-se, para que se realizem os progressos que estão nos desígnios de Deus. Elas devem seguir o mesmo roteiro que as idéias de liberdade seguiram como suas precursoras. Mas não se pense que esse desenvolvimento se fará sem lutas. Não, porque elas necessitam, para chegar ao amadurecimento, de agitações e discussões, a fim de atraírem a atenção das massas.
Uma vez despertada a atenção, a beleza e a santidade da moral tocarão os Espíritos, e eles se dedicarão a uma ciência que lhes traz a chave da vida futura e lhe abre a porta da felicidade eterna.
Foi Moisés quem abriu o caminho; Jesus continuou a obra; o Espiritismo a concluirá.



[1] Fonte: Livro – Evangelho Segundo o Espiritismo, Allan Kardec, Tradução de J. Herculano Pires, LAKE - Livraria Allan Kardec Editora, Cap. 1 item 9,

Estudando Missionário da Luz - A oração


A  ORAÇÃO[1]
Após separar-se da genitora e da irmã, dispôs-se o rapaz a tomar o caminho da residência que lhe era própria.
Seguimo-lo de perto. Doía-me identificar-lhe a posição de vítima, cercado pelas duas formas escuras.
As observações referentes à microbiologia psíquica impressionavam-me fortemente.
Conhecia, de perto, as alterações circulatórias, determinando a embolia, o infarto, à gangrena. Tratara, noutro tempo, inúmeros casos de infecção, através de artrites e miosites, úlceras gástricas e abscessos miliares. Examinara, atenciosamente, no campo médico, as manifestações do câncer, dos tumores malignos, em complicados processos patológicos. Vira múltiplas expressões microbianas, no tratamento da lepra, da sífilis, da tuberculose. Muitas vezes, na qualidade de defensor da vida, permaneceram longos dias em duelo com a morte, sentindo a inutilidade de minha técnica profissional no ataque aos vírus estranhos que apressavam a destruição orgânica, zombando-me dos esforços. Na qualidade de médico, entretanto, na maioria dos casos, quando podia contar ainda com a prodigiosa intervenção da Natureza, mantinha a presunção de conhecer variadas normas de combate, em diversas direções. No diagnóstico da difteria, não vacilava na aplicação do soro de Roux e conhecia o valor da operação de traqueotomia no crupe declarado.
Nas congestões, não me esqueceria de intensificar a circulação.
Nos eczemas, lembraria, sem dúvida, os banhos de amido, as pomadas à base de bismuto e a medicação arsenical e sulfurosa.
Positivando o edema, recordaria a veratrina, o calomelano, a cafeína e a teobromina, depois de analisar, detalhadamente, os sintomas. No câncer, praticaria a intervenção cirúrgica, se os raios X não demonstrassem a eficiência precisa. Para todos os sintomas, saberia utilizar regimes e dietas, aplicações diversas, isolamentos e intervenções, mas... E ali?
À nossa frente, caminhava um enfermo diverso. Sua diagnose era diferente. Escapava ao meu conhecimento dos sintomas e aos meus antigos métodos de curar. No entanto, era paciente em condições muito graves. Viam-se-lhe os parasitos escuros. Observava-se-lhe a desesperação intima, em face do assédio incessante.
Não haveria remédio para ele? Estaria abandonado e era mais infeliz que os doentes do mundo? Que fazer para aliviar-lhe as dores terríveis, a se manifestarem à maneira de angustiosas e permanentes inquietações? Já havia atendido a entidades perturbadas e sofredoras, balsamizando-lhes padecimentos atrozes. Não ignorava os esforços constantes de nossa colônia espiritual, a fim de atenuar sofrimentos dos desencarnados de ordem inferior, mas, ali, em virtude da contribuição magnética de Alexandre, o grande e generoso instrutor que me seguia, observava um companheiro encarnado, presa de singulares viciações.
Por que fatores ministrar o socorro indispensável?
E, naturalmente, novas reflexões ocorriam-me céleres.
Semelhantes expressões microbianas acompanhariam os desencarnados?
Atacariam a alma, fora da carne? Quando me debatia em amarguras inexprimíveis, nas zonas inferiores, certo havia sido vítima das mesmas influenciações cruéis.
Todavia, onde o remédio salutar?
Onde o alívio para tamanhas angústias?
Revelando paternal interesse, Alexandre veio em meu socorro, esclarecendo:
- Estas interrogações íntimas, André, são portadoras de grande bem para o seu coração. Começa a observar as manifestações do vampirismo, as quais não se circunscrevem ao ambiente dos encarnados. Quase que a totalidade de sofrimentos nas zonas inferiores, deve a ela sua dolorosa origem. Criaturas desviadas da verdade e do bem, nos longos caminhos evolutivos, reúnem-se umas às outras, para a continuidade das permutas magnéticas de baixa classe. Os criminosos de vários matizes, os fracos da vontade, os aleijados do caráter, os doentes voluntários, os teimosos e recalcitrantes de todas as situações e de todos os tempos integram comunidades de sofredores e penitentes do mesmo padrão, arrastando-se, pesadamente, nas regiões invisíveis ao olhar humano.
Todos eles segregam forças detestáveis e criam formas horripilantes, porque toda matéria mental está revestida de força plasmadora e exteriorizante.
- Mas - objetei - sinto que o campo médico é muito maior, depois da morte do corpo.
- Sem dúvida - redargüiu meu interlocutor, sereno -, quando compreendermos a extensão dos ascendentes morais em todos os acontecimentos da vida.
- Entretanto - considerei - horrorizam-me as novas descobertas na região microbiana. Que fazer contra o vampirismo?
Como lutar com as forças mentais degradantes?
No mundo, temos a clínica especializada, a técnica cirúrgica, os antídotos de vários sistemas curativos. Mas aqui?
Alexandre sorriu pensativo, e falou, depois de pausa mais longa:
- Conforme verificamos, André, o tratamento remoto nos templos, a ascendência da fé nos processos de Medicina, nos séculos passados, e a concepção de que as entidades diabólicas provocam as mais estranhas enfermidades no homem, não são integralmente destituídas de razão. Indubitavelmente, entre os Espíritos encarnados, as expressões mentais dependem do equilíbrio do corpo, assim como a boa e perfeita música depende do instrumento fiel. Mas a ciência médica atingirá culminâncias sublimes quando verificar no corpo transitório a sombra da alma eterna. Cada célula física é instrumento de determinada vibração mental. Todos somos herdeiros do Pai que cria, conserva, aperfeiçoa, transforma ou destrói e, diariamente, como nosso potencial gerador de energias latentes, estamos criando, renovando, aprimorando ou destruindo alguma coisa. Justifico a surpresa de seus raciocínios ante a paisagem nova que se desdobra à sua vista. A luta do aperfeiçoamento é vastíssima. Quanto ao combate sistemático ao vampirismo, nas múltiplas moléstias da alma, aqui também, no plano de nossas atividades, não faltam processos saneadores e curativos de natureza exterior; no entanto, examinando o assunto na essência, somos compelidos a reconhecer que cada filho de Deus deve ser o médico de si mesmo e, até à plena aceitação desta verdade com as aplicações de seus princípios, a criatura estará sujeita a incessantes desequilíbrios.
Entendendo-me a estranheza, Alexandre indicou o rapaz que se dispunha a penetrar o reduto doméstico, depois de pequeno percurso a pé, e falou:
- Há diversos processos de medicação espiritual contra o vampirismo, os quais poderemos desenvolver em direções diversas; mas, para fornecer a você uma demonstração prática, visitemos o lar de nosso amigo. Conhecerá o mais poderoso antídoto.
Curioso, observei que as entidades infelizes mostravam-se, agora, terrivelmente contrafeitas. Alguma coisa impedia-lhes acompanhar a vítima ao interior.
- Naturalmente - acentuou meu generoso companheiro – você já sabe que a prece traça fronteiras vibratórias.
Sim, já observara experiências dessa ordem.
- Aqui - prosseguiu ele - reside uma irmã que tem a felicidade de cultivar a oração fervorosa e reta.
Entramos. E, enquanto o amigo encarnado se preparava a recolher, Alexandre explicava-me o motivo da sublime paz reinante entre as paredes humildes.
- O lar - disse - não é somente a moradia' dos corpos, mas, acima de tudo, a residência das almas. O santuário doméstico que encontre criaturas amantes da oração e dos sentimentos elevados converte-se em campo sublime das mais belas florações e colheitas espirituais. Nosso amigo não se equilibrou ainda nas bases legítimas da vida, depois de extremas vacilações e levianas experiências da primeira mocidade; no entanto, sua companheira, mulher jovem e cristã, garante-Lhe a casa tranqüila, com a sua presença, pela abundante e permanente emissão de forças purificadoras e luminosas, de que o seu Espírito se nutre.
Achava-me eminentemente surpreendido. De fato, a tranqüilidade interior era grande e confortadora. Em cada ângulo das paredes e em cada objeto isolado havia vibrações de paz inalterável.
O rapaz, agora, penetrava o aposento modesto, naturalmente disposto ao descanso noturno.
Alexandre tomou-me a destra, paternalmente, encaminhou-se até a porta, que se fechara sem estrépito, e bateu, de leve, como se estivéssemos ante um santuário que não devíamos penetrar sem religioso respeito.
Uma senhora muito jovem, em quem percebi imediatamente a esposa de nosso companheiro, desligada do corpo físico, em momentos de sono, veio atender e saudou o instrutor afetuosamente.
Após cumprimentar-me, graças à apresentação de Alexandre, exclamou jovial:
- Agradeço a Deus a possibilidade de orarmos juntos. Entrem.
Desejo transformar nossa casa no templo vivo de Nosso Senhor.
Ingressamos no aposento íntimo e, de minha parte, mal continha a surpresa da situação. Nesse mesmo instante, punha-se o rapaz entre os lençóis, com evidente cuidado para não despertar a esposa adormecida. Contemplei o quadro formoso e santificante.
Rodeava-se o leito de intensa luminosidade. Observei os fios tenuíssimos de energia magnética, ligando a alma de nossa nobre amiga à sua forma física, placidamente recostada.
- Desculpem-me - disse bondosa, fixando o olhar no instrutor -, preciso atender agora aos meus deveres imediatos.
- Esteja à vontade, Cecília! - falou o orientador com a ternura dum pai que abençoa - passamos aqui tão-só para visitá-la.
Cecília beijou-lhe as mãos e rogou:
- Não se esqueça de deixar-nos os seus benefícios.
Alexandre sorriu em silêncio e, por alguns minutos, manteve-se em meditação mais profunda.
E enquanto ele se mantinha insulado em si mesmo, eu observava a delicada cena: A esposa, desligada do corpo, sentou-se à cabeceira e, no mesmo instante, o rapaz como se estivesse ajeitando os travesseiros descansou a cabeça em seu regaço espiritual.
Cecília, acariciando-lhe a cabeleira com as mãos, elevava os olhos ao Alto, revelando-se em fervorosa prece. Luzes sublimes cercavam-na toda; e eu podia sintonizar com as suas expressões mais íntimas, ouvindo-lhe a rogativa pela iluminação do companheiro a quem parecia amar infinitamente. Comovido com a beleza de suas súplicas, reparei com assombro que o coração se lhe transformava num foco ardente de luz, do qual saíam inúmeras partículas resplandecentes, projetando-se sobre o corpo e sobre a alma do esposo com a celeridade de minúsculos raios. Os corpúsculos radiosos penetravam-Lhe o organismo em todas as direções e, muito particularmente, na zona do sexo, onde identificara tão grandes anomalias psíquicas, concentravam-se em massa, destruindo as pequenas formas escuras e horripilantes do vampirismo devorador.
Os elementos mortíferos, no entanto, não permaneciam inativos.
Lutavam desesperados, com os agentes da luz. O rapaz, como se houvera atingido um oásis, perdera a expressão de angustioso cansaço. Demonstrava-se calmo e, gradativamente, cada vez mais forte e feliz, no momento em curso. Restaurado em suas energias essenciais, enlaçou devagarzinho a esposa amorosa que se conservava maternalmente ao seu lado e adormeceu jubiloso.
A cena íntima era maravilhosamente bela aos meus olhos.
Dispunha-me a pedir explicações, quando o instrutor me chamou delicadamente, encaminhando-me ao exterior. Fora do quarto, falou-me paternalmente:
- Já observou quanto devia. Agora, poderá extrair as próprias ilações.
- Sim - retruquei -; estou assombrado com o que vi; no entanto, estimaria ouvi-lo em considerações esclarecedoras.
- Não tenha dúvida - prosseguiu o orientador -, a oração é o mais eficiente antídoto do vampirismo. A prece não é movimento mecânico de lábios, nem disco de fácil repetição no aparelho da mente. É vibração, energia, poder. A criatura que ora, mobilizando as próprias forças, realiza trabalhos de inexprimível significação.
Semelhante estado psíquico descortina forças ignoradas, revela a nossa origem divina e coloca-nos em contacto com as fontes superiores. Dentro dessa realização, o Espírito, em qual quer forma, pode emitir raios de espantoso poder.
Após breve intervalo, Alexandre considerou, imprimindo mais força ao ensinamento:
- E você não pode ignorar que as próprias formas inferiores da Terra se alimentam quase que integralmente de raios.
Descem sobre a fronte humana, em cada minuto, bilhões de raios cósmicos, oriundos de estrelas e planetas amplamente distanciados da Terra, sem nos referirmos aos raios solares, caloríficos e luminosos, que a ciência terrestre mal começa a conhecer.
Os raios gama, provenientes do elemento rádio que se desintegra incessantemente no solo, e os de várias expressões emitidos pela água e pelos metais, alcançam os habitantes da Terra pelos pés, determinando consideráveis influenciações.
E, em sentido horizontal, experimenta o homem a atuação dos raios magnéticos exteriorizados pelos vegetais, pelos irracionais e pelos próprios semelhantes.
A admiração impusera-me silêncio, mas o orientador prosseguiu, após ligeiro intervalo:
- E as emanações de natureza psíquica que envolve a Humanidade, provenientes das colônias de seres desencarnados que rodeiam a Terra?
Em cada segundo, André, cada um de nós recebe trilhões de raios de vária ordem e emitimos forças que nos são peculiares e que vão atuar no plano da vida, por vezes em regiões muitíssimo afastadas de nós. Nesse círculo de permuta incessante, os raios divinos, expedidos pela oração santificadora, convertem-se em fatores adiantados de cooperação eficiente e definitiva na cura do corpo, na renovação da alma e iluminação da consciência.
Toda prece elevada é manancial de magnetismo criador e vivificante e toda criatura que cultiva a oração, como devido equilíbrio do sentimento, transforma-se, gradativamente, em foco irradiante de energias da Divindade.
As elucidações do instrutor calaram-me profundamente no ser. Desejando, contudo, certificar-me quanto a outro pormenor da sublime experiência, interroguei:
- Bastará, porém, o recurso da esposa para que o nosso doente restaure o equilíbrio psíquico?
Alexandre sorriu e respondeu:
- O socorro de Cecília é valioso para o companheiro, mas o potencial de emissão divina pertence a ela, como fruto incorruptível dos seus esforços individuais. Significa para ele o “acréscimo de misericórdia” que deverá anexar, em definitivo, ao patrimônio de sua personalidade, através do trabalho próprio.
Receber o auxílio do bem não quer dizer que o beneficiado seja bom.
Nosso amigo precisa devotar-se, com fervor, ao aproveitamento das bênçãos que recebe, porque, inegavelmente, toda cooperação exterior pode ser interrompida e cada filho de Deus é herdeiro de possibilidades sublimes e deve funcionar como médico vigilante de si mesmo.




[1] Fonte: Missionário da Luz, Ditado pelo Espírito André Luiz, psicografia de Francisco Cândido Xavier, Editora FEB, Capitulo 6

sábado, 21 de março de 2020

AMOR E CONCILIAÇÃO


AMOR E CONCILIAÇÃO[1]
(Re)conciliação é momento de amor no desenvolvimento dos elevados valores da vida.
 A existência física de todos os indivíduos é assinalada por sofrimentos e lutas que não cessam. Sai-se de um estágio difícil e inicia-se outro, defrontando-se novas formas de experiências, nas quais o desalento e a dificuldade parecem unir-se para obstaculizar a marcha do viandante.
Aqui é alguém que deserta da companhia, ali é a trama da ignorância travestida de perversidade, conspirando contra a paz, mais adiante é a infâmia urdindo dissabores sem conto. E o viajante do carreiro carnal, também desestruturado emocionalmente e sem os requisitos espirituais para compreender as ocorrências necessárias, acumula amarguras e decepções, que se transformam em ressentimentos e ódios perturbadores.
Ignorando a legitimidade do amor, por não o haver ainda vivenciado, acredita que qualquer tentativa de insculpi-lo no íntimo redundará inútil, senão perniciosa, em razão de, aparentemente, não haver campo para a sua vigência.
Acumulando fel e desar, quem assim se comporta recua ante as possibilidades de expressar afeto, desconfiando das manifestações dessa natureza que lhe são direcionadas.
Sem dar-se conta torna-se pessimista, em relação às demais pessoas, à sociedade, à vida, tornando-se amargo e desinteressado de relacionamentos mais profundos, receando experimentar sofrimentos mais graves.
O amor, no entanto, é poderoso elixir de longa vida, que restitui as energias gastas e as esperanças fanadas.
Os acontecimentos nefastos que são relacionados, de forma alguma defluem da sua natureza, sendo antes fruto do primarismo do sentimento humano que se apresenta em forma inicial de crescimento, direcionando-se no rumo da afetividade.
Porque ainda asselvajado, não possui uma ética de comportamento que estabeleça o código de como proceder em relação ao outro, àquele a quem se dirige, permanecendo instável, interesseiro, amorfo, não definido. A me-dida que conquista as paisagens do sentimento, altera a constituição e passa a expressar-se de maneira diferente, propiciadora de confiança, estabelecendo elos de legitimidade com que se aformoseia e se encanta.
O amor jamais causa dissabor, nunca decepciona nem se desaponta.
Isso porque nada espera em resposta, evitando impor-se como manifestação egoísta ou tornando-se cediço em nome da afeição, quando a sua deva ser a atitude de coerência com a realidade.
Eis por que, no amor, uma das maneiras mais graves de manifestar-se será quando convidado a negar algo que não corresponde à legitimidade dos acontecimentos ou simplesmente não deva ser concedido. Pode chocar; jamais iludir, não temendo a reação daquele a quem se dirige e que, talvez, não lhe compreenda a atitude veraz, dignificadora.
O amor, também, mesmo nos momentos mais ásperos, jamais interrompe a sua ação, permanecendo integral, embora não manifesto de maneira objetiva, sensorial.
Nessa atitude silenciosa e quase desconhecida emite energias de alta potência que vitalizam o ser amado, que lhe ignora a procedência.
O amor é conciliador, no entanto não se acumplicia com aquilo que é incorreto.
Possui o dom de perdoar, olvidando todo o mal apenas para recordar-se de todo o bem que pode vislumbrar em qualquer ação ou pessoa.
Reconcilia-se com o adversário, aquele que se fez inimigo e se comprazia em manter uma atitude hostil, responsável por situações desagradáveis e prejudiciais. Não cobra estipêndios morais, a fim de estabelecer a paz.
Expressa a verdadeira conciliação, auxiliando o incompreendido ou malsinado a conviver em harmonia com aquele que o infelicitou ou lhe gerou problemas, não os recordando, tampouco solicitando esclarecimentos e justificações, aliás, muito do agrado do egoísmo doentio.
A conciliação, que é filha direta do perdão e da compaixão, faculta inusual júbilo do sentimento, que tudo apaga e esquece, compreendendo que aqueles comportamentos anteriores eram resultado da ignorância e das experiências iniciais do processo evolutivo.
Reconciliado no mundo interior, aquele que ama esparge jovialidade, modificando a aparência física que retrata o estado emocional interno, assim catalisando simpatia e saúde espiritual.
Essa conquista de reconciliação não espera, necessariamente, o ressarcimento, e porque nada aguarda nunca se decepciona quando ainda permanece incompreendida ou não é aceita pelo outro, o seu opositor.
Não é importante que aquele a quem seja dirigida agasalhe-a, considerando-a oportunidade adequada para o estabelecimento da paz. O seu valor consiste no que significa para quem a desenvolve, pouco lhe importando os resultados que disso advenham.
O amor é rico de conciliação, porque sabe que essa é a atitude melhor, que somente pode produzir frutos sazonados, e que um dia esplenderá em um hino de solidariedade e de paz entre todos os seres.
Por extensão, confia no poder dessa força intangível, mas que movimenta o Universo, sabendo inconscientemente que, cedo ou tarde, a sua doação retornará pelos movimentos especiais de fraternidade, entendimento e amizade.
Não seja estranhável se a pessoa que deseja realmente amar envolve-se em problemas e conflitos. Por não saber ainda os mecanismos sutis do amor, procura expressá-lo nas ocasiões inadequadas às pessoas imaturas e despreparadas, recebendo de volta complicações e dúvidas ultrajantes.
É compreensível que tal aconteça se for considerado que o amor exterioriza-se no emaranhado dos relacionamentos, interligando pessoas de temperamentos diversos, de diferentes culturas e condutas, não as julgando ou as condenando, não concordando ou deixando de anuir com a sua forma de ser.
Aprende-se a amar. O sentimento surge espontâneo, porém desenvolve-se pela experiência, mediante a sabedoria e convivência com os demais seres humanos.
Os relacionamentos não são muito fáceis, porque cada um tem a sua própria historiografia escrita na sua maneira de ser.
Dificilmente dois indivíduos respondem da mesma forma aos apelos do amor, seguindo, não poucas vezes, veredas diferentes.
O amor os entende e avança ao seu lado até onde é possível, prosseguindo não conforme agradaria, porém consoante lhe convém.
Esse é um dos momentos mágicos do amor e da conciliação: saber onde parar, quando prosseguir e como fazê-lo
O Mestre do amor referiu-se com imensa propriedade: Reconcilia-te com o teu adversário, enquanto estás no caminho com ele.
Para que haja essa (re)conciliação é necessário que o amor impere no país dos sentimentos, oferecendo paz e perdão ao ofensor, sem o que o gesto de busca e encontro perderia o seu significado, por manter apenas uma posição exterior.

(Re)conciliação é momento de amor em pleno estágio de desenvolvimento dos elevados valores da vida.


[1] Fonte: Livro – Garimpo de Amor – ditado do Espírito Joana de Ângelis, psicografia de Divaldo Pereira Franco, Ed LEAL,