PORQUE JESUS FALAVA POR PARÁBOLAS
Nem os
que acendem uma luzerna a metem debaixo do alqueire, mas põem-na sobre o
candeeiro, a fim de que ela dê luz a todos os que estão na casa. (MATEUS, V:
15).
Ninguém,
pois, acende uma luzerna e a cobre com alguma vasilha, ou a põe debaixo da
cama; põe-na, sim, sobre um candeeiro, para que vejam a luz os que entram.
Porque não há coisa encoberta, que não haja de ser manifestada; nem escondida,
que não haja de saber-se e fazer-se pública. (LUCAS, VIII: 16-17).
E
chegando-se a eles os discípulos lhe disseram: Por que razão lhes fala tu por
parábolas? Ele, respondendo, lhes disse: Porque a vós outro vos é dado saber os
mistérios do Reino dos Céus, mas a eles não lhes é concedido. Porque ao que
tem, se lhe dará, e terá em abundância; mas ao que não tem até o que tem lhe
será tirado. Por isso é que eu lhes falo em parábolas; porque eles vendo, não
veem, e ouvindo não ouvem, nem entendem. De sorte que neles se cumpre à
profecia de Isaías, que diz: Vós ouvireis com os ouvidos, e não entendereis; e
vereis com olhos, e não vereis. Porque o coração deste povo se fez pesado, e os
seus ouvidos se fizeram tardos, e eles fecharam os seus olhos; para não suceder
que vejam com os olhos, e ouçam com os ouvidos, e entendam no coração, e se
convertam, e eu os sare. (Mateus, XIII: 10-15).
Causa
estranheza ouvir Jesus dizer que não se deve por a luz debaixo do alqueire, ao
mesmo tempo em que esconde a toda hora o sentido das suas palavras sob o véu da
alegoria, que nem todos podem compreender. Ele se explica, entretanto, dizendo
aos apóstolos: Eu lhes falo em parábolas, porque eles não estão em condição de
compreender certas coisas; eles veem, olham, ouvem e não compreendem; assim,
dizer-lhes tudo, ao menos agora seria inútil; mas a vós o digo, porque já vos é
dado compreender esses mistérios. Ele procedia, portanto, para com o povo, como
se faz com as crianças, cujas ideias ainda não se encontram desenvolvidas.
Dessa maneira indica-nos o verdadeiro sentido da máxima: "Não se deve por
a candeia debaixo do alqueire, mas sobre o candeeiro, a fim de que todos os que
entram possam vê-la". Ela não diz que tenhamos de revelar
inconsideravelmente todas as coisas, pois, todo ensinamento da ser proporcional
à inteligência de quem o recebe, e porque há pessoas que uma luz muito viva
pode ofuscar sem esclarecer.
Acontece com
os homens, em geral, o mesmo que com os indivíduos. As gerações passam também
pela infância, pela Juventude e pela madureza. Cada coisa deve vir a seu tempo,
pois a sementeira lançada à terra, fora de tempo, não produz. Mas aquilo que a
prudência manda calar momentaneamente, cedo ou tarde deve ser descoberto,
porque chegando a certo grau de desenvolvimento, os homens procuram por si
mesmos a luz viva; a obscuridade lhes pesa. Como Deus lhes deu a inteligência
para compreenderem e se guiarem, entre as coisas da terra e do céu, eles querem
racionalizar a sua fé. E então que não se deve por a candeia debaixo do
alqueire, pois sem a luz da razão, a fé se enfraquece.
Se a
Providência, portanto, na sua prudente sabedoria, não revela a verdade senão
gradualmente, é que a vai sempre desvelando, à medida que a Humanidade
amadurece para recebê-la. Ela mantém a luz em reserva, e não debaixo do
alqueire. Mas os homens que a possuem, em geral, só a ocultam do vulgo com a
intenção de dominá-lo. São esses os que põem verdadeiramente a luz debaixo do
alqueire. É assim que todas as religiões sempre tiveram os seus mistérios, cujo
exame proíbem. Mas enquanto essas religiões se atrasavam, a ciência e a
inteligência avançaram e romperam o véu misterioso. O povo que se tornou adulto
pode assim penetrar o fundo das coisas, e então rejeitou na sua fé o que se
mostrava contrário à observação.
Não podem
subsistir mistérios absolutos nesse terreno, e Jesus está com a razão quando
afirma que não há nada secreto que não deva ser conhecido. Tudo o que está
oculto será descoberto um dia, e o que o homem ainda não pode compreender sobre
a Terra, lhe será progressivamente revelado nos mundos mais adiantados, na
proporção em que ele se purificar. Aqui na Terra, ainda se perde no nevoeiro.
Pergunta-se
que proveito o povo poderia tirar dessa infinidade de parábolas, cujo sentido
estava oculto para ele. Deve notar-se que Jesus só se exprimiu em parábolas
sobre as questões, de alguma maneira abstraias, da sua doutrina. Mas, tendo
feito da caridade e da humildade a condição expressa da salvação, tudo o que
disse a esse respeito é perfeitamente claro, explícito e sem nenhuma
ambiguidade. Assim, devia ser, porque se tratava de regra de conduta, regra que
todos deviam compreender, para poderem observar. Era isso o essencial para a
multidão ignorante, à qual se limitava a dizer: Eis o que é necessário para se
ganhar o Reino dos Céus. Sobre outras questões, só desenvolvia os seus
pensamentos para os discípulos. Estando eles mais adiantados, moral e
intelectualmente, Jesus podia iniciá-los nos princípios mais abstratos. Foi por
isso que disse: Ao que já tem ainda mais se dará, e terá em abundância.
Não obstante, mesmo com os apóstolos, tratou de modo vago sobre muitos
pontos, cuja inteligência completa estava reservada aos tempos futuros. Foram
esses os pontos que deram lugar a diversas interpretações, até que a Ciência,
de um lado, e o Espiritismo, de outro, vieram revelar as novas leis da
natureza, que tornaram compreensíveis o seu verdadeiro sentido.
O
Espiritismo vem atualmente lançar a sua luz sobre uma porção de pontos
obscuros, mas não o faz inconsideravelmente. Os espíritos procedem, nas suas
instruções- com admirável prudência. É sucessiva e gradualmente que eles têm
abordado as diversas partes conhecidas da doutrina, e é assim que as demais
partes serão veladas no futuro, à medida que chegue o momento de fazê-las sair
da obscuridade. Se a houvessem apresentado completa desde o início, ela não
teria sido acessível senão a um pequeno número e teria mesmo assustado aqueles
que não se achavam preparados, o que iria prejudicial à sua propagação. Se os
Espíritos, portanto, ainda o dizem tudo ostensivamente, não é porque a doutrina
possua mistérios reservados aos privilegiados, nem que eles ponham a candeia
debaixo do alqueire, mas porque cada coisa deve vir no tempo oportuno. Eles dão
a cada ideia o tempo de amadurecer e se propagar, antes de apresentarem outra,
e aos acontecimentos, o tempo lhes preparar a aceitação.
A estes
doze enviou Jesus, dando-lhes estas instruções, dizendo: Não ireis no caminho
de gentios, nem entreis nas cidades dos samaritanos; mas ide antes às ovelhas
que pereceram, da casa de Israel. E pondo-vos a caminho, pregai, dizendo que
está próximo ao Reino dos Céus. (MATEUS, X: 5-7).
Jesus
demonstra, em muitas circunstâncias, que as suas vidas não estão circunscritas
ao povo judeu, mas abrange a toda a Humanidade. Quando disse, portanto, aos
apóstolos, que não se dirigissem aos Pagãos, não foi por desprezar a sua
conversão, o que nada teria de caridoso, mas porque os Judeus, que aceitavam a
unicidade de Deus e esperavam o Messias, estavam preparados, pela lei de Moisés
e pelos Profetas, para receberem a sua palavra. Entre os Pagãos faltava essa base,
tudo ainda estava por fazer, e os apóstolos ainda não se achavam
suficientemente esclarecidos para uma tarefa assim tão pesada. Eis porque lhes
disse: Ide às ovelhas desgarradas de Israel, ou seja, ide semear em terreno já
preparado, pois sabia que a conversão dos gentios viria a seu tempo. Mais
tarde, com efeito, os apóstolos foram plantar a cruz no próprio centro do
paganismo.
Essas mesmas
palavras podem ser aplicadas aos adeptos e aos divulgadores do Espiritismo. Os
incrédulos sistemáticos, os obstinados zombadores, os adversários interessados,
são para eles que eram os Gentios para os apóstolos. A exemplo destes; devem
procurar prosélitos, primeiramente, entre as pessoas de boa vontade, que
desejam a luz, nos quais se encontra um germe fecundo, e cujo número é grande,
sem perderem tempo com os que se recusam a ver e entender, e que mais se
aferram ao seu orgulho, quanto mais se der a impressão de se valorizar a sua
conversão. Mais vale abrir os olhos a cem cegos que desejam ver claramente, do
que a um só que se compraz na obscuridade, porque isso seria aumentar em maior
proporção o número dos que sustentam a causa. Deixar os outros em paz não quer
dizer indiferença, mas apenas boa política. A vez deles chegará, quando se
renderem à opinião geral, de tanto ouvirem a mesma coisa incessantemente
repetida ao seu redor, pois então julgarão que aceitam a ideia voluntariamente,
por si mesma, e não sob a pressão de outra pessoa. Porque as ideias são como as
sementes: não podem germinar antes da estação própria, e a não ser em terreno
preparado. Eis porque é melhor esperar o tempo propício, cultivando primeiro as
que estão em condições, e evitando perder as outras por precipitação.
No tempo de
Jesus, e em consequência das ideias restritas e materiais que o dominavam, tudo
era circunscrito e localizado: a Casa de Israel era um pequeno povo: os Gentios
eram pequenos povos circunvizinhos. Hoje, as ideias se universalizam e
espiritualizam. A nova luz não é privilégio de nenhuma nação; para ela, não existem barreiras; o seu foco se
distribui por toda parte, e todos os homens aos irmãos. Mas os Gentios também
não são mais um povo determinado: são uma opinião que se encontra por toda
parte, e da qual a verdade triunfa pouco a pouco, como o Cristianismo triunfou
do Paganismo. E não é mais com armas de guerra que se pode combatê-los,mas com
o poder da ideia.
Evangelho Segundo o Espiritismo,
Allan Kardec; Editora LAKE -, Cap. 24 itens 01 a 10.