No que
consiste a afeição?
Em nossa
essência, existe instalada a necessidade de afeto?
A troca
de afetos é fator estimulante do progresso?
Por que a
repressão de nossa afetividade gera
desequilíbrios?
Somos
plenamente afetivos, afetuosos?
Por que a
aspiração pelo amor causa medo em inúmeras pessoas?
Defluente da lei natural
da Vida, a afetividade é
sentimento inato ao ser humano em todos os estádios do seu processo evolutivo.
Esse conjunto de fenômenos
psicológicos se expressa de maneira variada como alegria ou dor, bem-estar ou
aflição, expectativa ou paz, ternura ou compaixão, gratidão ou sofrimento...
Embora no bruto se
manifeste com a predominância da posse do instinto, aprimora-se à medida que a
criatura alcança os patamares mais elevados da razão, do discernimento e do
amor.
Mesmo entre os animais
denominados inferiores; vige a afetividade em
formas primárias que se ampliarão através do tempo, traduzindo-se em apego,
fidelidade, entendimento, como automatismos que se fixaram por meio da educação
e da disciplina.
Não obstante os limites
impostos pelos equipamentos cerebrais, em alguns é tão aguçada a percepção, que
o instinto revela pródromos de inteligência, que são também expressões de afeto.
No ser hominal, em face
dos valores da mente, o sentimento desata a emoção, e a afetividade
exterioriza-se com mais facilidade.
Imprescindível à
existência feliz, por intermédio do tropismo do amor, desenvolve-se e
enternece-se, respondendo pelas glórias da sociedade, pelo progresso das
massas, pelo crescimento da consciência e pela amplitude do conhecimento.
Na raiz de todo o
empreendimento libertador ou de todo empenho solidário, encontra-se a afetividade ao
ideal, à pessoa, à Humanidade, estimulando, e, quando os desafios fazem-se mais
graves, ei-la amparando o sentimento nobre que não pode fenecer e a coragem que
não deve enfraquecer-se.
No começo, é perturbadora,
por falta de discernimento do indivíduo a respeito do seu significado especial.
No entanto, quando se vai fixando nos refolhos da alma, torna-se abençoado
refrigério para os momentos difíceis e estímulo para a continuação da luta.
Sem ela a vida perderia o
seu significado, tão eloquente se apresenta na formação da personalidade e da
estrutura psicológica do homem e da mulher.
A afetividade
proporciona forças que se transformam em alavancas para o progresso, alterando
as faces desafiadoras da existência e tornando a jornada menos áspera, porque
se faz dulcificada e esperançosa.
Ninguém consegue fugir-lhe
à presença, porque, ínsita no Espírito, emerge do interior ampliando-lhe na
área externa e necessitando de campo para propagar-se.
A afetividade é o laço
de união que liga os indivíduos por meio do sentimento elevado e os impulsiona
na direção do Divino Amor. [1]
A afeição, segundo
definição, é um “sentimento de carinho, de ternura por algo ou alguém”. [2] Corroborando as palavras de
Joanna de Ângelis, quando diz que “a afetividade é sentimento inato ao ser humano em todos os
estádios do seu processo evolutivo”, em O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO,
temos que o amor é de essência divina e todos nós, indistintamente,
carregamos “no fundo do coração a chama desse fogo sagrado.” E tal
fato pode ser constatado, muitas vezes, naquele indivíduo, que, por mais
abjeto, vil e criminoso que seja
tem por um ser, ou por um objeto qualquer, uma afeição viva e ardente, à prova
de tudo que tendesse a diminuí-la, e atingindo, frequentemente, proporções
sublimes.
(...)
Mas, qualquer coisa que façam, não saberão sufocar o germe vivaz que Deus lhes
depositou nos corações, na sua criação; esse germe se desenvolve e engrandece
com a moralidade e a inteligência, e, ainda que comprimido pelo egoísmo, é a
fonte de santa e doces virtudes que fazem as afeições sinceras e duráveis, e
vos ajudam a transpor a rota escarpada e árida da existência humana. [3]
Em nossa essência existe a
necessidade de afeto, ou seja, das experiências de carinho e de ternura que
possamos ter para com o mundo à nossa volta. Amar, bem como sentir-se amado e
respeitado, representa, desse modo, a convergência de todos os objetivos humanos.
No entanto, muitos são os indivíduos que enganam a si mesmos, acreditando que
estão buscando, em primeiro lugar, a sabedoria, o dinheiro ou o poder.
A troca de afetos é também
fator estimulante de progresso. Sem esse compartilhar “a vida perderia o
seu significado, tão eloquente se apresenta na formação da personalidade e da
estrutura psicológica do homem e da mulher.” [1]
Por isso, proibir,
reprimir ou mesmo restringir as mais variadas manifestações da afetividade somente
tem o poder de desviá-la para alternativas que, na maioria vezes, acabam em
desequilíbrios. Porque é o conjunto de nossos afetos – ou seja, a nossa afetividade – que
caracteriza a conduta de cada um de nós, expressando-se nos sonhos e desejos,
nas expectativas, nas palavras, nos gestos...
Em razão do atual estágio
evolutivo da humanidade, a vida afetiva ainda é caracterizada por dois
sentimentos bastante antagônicos, o amor e o ódio, e estão sempre presentes na
vida psíquica de cada um de nós, de modo mais ou menos integrado. É nesse
sentido que de Ângelis afirma que esse conjunto de fenômenos psicológicos – a afetividade –
manifesta-se através das polaridades positiva e negativa, ou seja, na alegria e
na dor, no bem-estar e na aflição, na ternura e na compaixão, na gratidão e no
sofrimento. Em outro momento de suas considerações, ela ensina:
Quando se pode entender e
se tem olhos de ver, é possível distinguir a afetividade nos mais variados sentimentos humanos, a
saber:
O egoísmo
é a afetividade a si
mesmo;
O
ressentimento é a afetividade egoísta
que não foi comprazida;
A bondade
é a afetividade que se
expande;
O ciúme é
a afetividade insegura
e possessiva;
O
trabalho é a afetividade ao dever;
O ódio é
a afetividade que
enlouqueceu;
O auxílio
fraterno é a afetividade em ação;
A
vingança é a afetividade que
enfermou;
A
preguiça é a afetividade
adormecida;
O amor é
a afetividade que se
sublima;
A
caridade é o momento máximo de afetividade... [1]
Tais palavras nos levam a
refletir sobre a nossa capacidade de sermos afetivos, afetuosos.
Será que já podemos sair
de nós mesmos, dos nossos conflitos e bloqueios, de modo a oferecer à outra
pessoa, seja ela quem for uma atenção, uma consideração, um carinho a mais, sem
que ela nos peça ou mesmo esteja esperando por isso?
Jason de Camargo enfatiza:
Dar
e receber afeto estão entre as necessidades fundamentais do ser humano. O afeto
representa aquele tipo de energia que chega a nós como uma mensagem silenciosa
de carinho. No geral, as pessoas que têm dificuldades em receber ou dar carinho
é porque possuem bloqueios psíquicos na área da afetividade. Muitas vezes as rejeições afetivas, o
desgosto sofrido no passado por pessoas a quem se estimava, as desconfianças
demasiadas e outros problemas psicológicos têm levado as pessoas a sofrerem a
perda desse contato de capital importância na vida de relações. [4]
A realidade é que a
maioria dos indivíduos sofre por questões afetivas, muitas vezes, transformando
sua vida numa sucessão de experiências dolorosas pela falta de habilidade para
viver em harmonia com os demais. Desse modo, a busca pelo autoconhecimento e a
percepção de si mesmo favorecerá a conscientização de que essa inabilidade é a
principal responsável pela sensação de vazio interior. Ademais, a solidão
somente existe para quem se sente só, mesmo estando rodeado de circunstâncias
diversas, capazes, portanto, de propiciarem variadas realizações e satisfações.
O espírito Hammed atesta:
Por não
admitirmos nossa incapacidade de amar verdadeiramente, é que permanecemos
desestimulados e conformados a viver uma existência com fronteiras bem
limitadas na área da afetividade. [5]
Amar não
significa esperar que alguém nos satisfaça todos os anseios e necessidades que
cabe só a nós satisfazer. [6]
A busca pelo amor é
legítimo e saudável, bem como estimula, em cada um de nós, o despertar da
inteligência e dos potenciais inatos, a fim de crescermos tanto nos campos da
religião, do conhecimento, da ciência, como em outros tantos setores do
desenvolvimento humano. A afetividade
responde “pelas glórias da sociedade, pelo progresso das massas, pelo
crescimento da consciência e pela amplitude do conhecimento.” [1]
No entanto, a aspiração
pelo amor causa em inúmeras criaturas uma sensação de inadequação, de medo. E,
por esse motivo, elas reprimem sua afetividade,
voluntária ou inconscientemente, acreditando que o desejo de amar possa
representar motivo de fraqueza, de vergonha ou mesmo de submissão. Tais
criaturas, por apresentarem um íntimo inseguro e imaturo para a doação – isso
porque a afetividade implica
em doação e entrega –, são arredias e apresentam, de maneira geral,
dificuldades para estabelecer contatos afetivos. Não apenas são de difícil
sociabilidade, como também não sabem expressar seus sentimentos, desejos e
necessidades.
Existem aquelas também que
somente se unem a outras por medo de ficarem sozinhas. Dessa forma, a busca do
amor é mascarada pela necessidade de se sentirem amparadas e cuidadas.
Outras, para compensarem
sua insatisfação no campo da afetividade,
trabalham incessante e exaustivamente, aspirando à aprovação alheia de tudo o
que fazem ou acreditam. Querem ser compreendidas, parecerem perfeitas e
importantes, impressionarem as pessoas. Em suma, é o anseio de ser plenamente
aceita pelos demais, custe o que custar.
Em outros casos, a afetividade é
dirigida apenas à determinada pessoa ou grupo de pessoas (filhos, pais, amigos
etc), mas de forma excessiva e compensatória. Com isso, sobrecarrega-se a
relação, exigindo do outro mais do que ele pode oferecer em termos de
manifestações afetivas, carinho, atenção ou – até mesmo! – obediência.
Não rara, então, é a
confusão entre amor e poder. Vários comportamentos são justificados como
manifestações de amor, quando, na verdade, o que os motiva é o desejo de
controle e de poder. É óbvio que todos esperamos ser correspondidos quanto ao
afeto que oferecemos, mas isso nem sempre é possível. Quando as expectativas
não se encontram bem ajustadas, doar em excesso, quase sempre, significa cobrar
em demasia. Dessa forma, as desilusões afetivas, de modo geral, são ocasionadas
pelas ilusórias expectativas que se cria em torno dos relacionamentos.
Em razão de a troca de
afetos aprimorar-se à medida que a criatura alcança “patamares mais
elevados da razão, do discernimento e do amor” [1], a autêntica afetividade também se
encontra associada a um consistente amadurecimento espiritual. Assim, aquela
que a possui caracteriza-se pela amorosidade, caridade, generosidade e
benevolência, porque seus contatos acontecem em todos os níveis, com todas as
pessoas, independente de sexo, idade ou qualquer outra discriminação,
propiciando crescimento, sobretudo, àqueles que com ela convive.
Segurança, alegria e
sucesso na vida estão diretamente relacionados à capacidade de se estabelecer
conexões afetivas caracterizadas pelo comprometimento e desapego. Nessa
direção, as palavras finais de Joana de Ângelis são as seguintes:
Em
qualquer circunstância libera a tua afetividade
desencarcerando-a, a fim de que se expanda e beneficie os demais.
A afetividade é
portadora de especial conteúdo: quanto mais se doa, mais possui para oferecer.
É rica,
infinitamente possuidora de recursos para expender.
Jamais te
arrependas por haveres sido afetuoso.
Não te
facultes, porém, uma afetividade
exigente, que cobra resposta, que se impõe, que aguarda retribuição.
Atinge o
elevado patamar emocional da afetividade que se
esquece de si mesma para favorecer a outrem, conforme Jesus a viveu, sem apego
nem decepção, por não haver recebido compensação.
A afetividade se
completa no próprio ato de expandir-se. [1]
Amor Sempre
“Amarás o teu próximo como a ti mesmo.”
Mt 22:39
O amor é a emoção máxima
que o ser humano consegue sentir no atual estágio de evolução em que se
encontra. Ao reafirmar a regra áurea bíblica, o Cristo nos trouxe a certeza de
que, por enquanto, nenhum outro sentimento se sobrepõe ao amor.
O próximo mais próximo de
nós é a personalidade interna e oculta em nosso íntimo, que nos exige atenção e
equilíbrio. Isso não se constitui em justificativa para nos isolarmos das
pessoas com as quais estejamos em relação direta. O próximo com quem nos relacionamos
externamente terá sempre primazia em relação ao “próximo” interno.
O como a ti mesmo
significa a necessidade de nos amarmos como somos a fim de podermos entender o
amor ao próximo. Só verdadeiramente ama o próximo quem se conhece o suficiente
para não realizar projeções enganosas.
(...) Podemos tomar a
afirmação acima num sentido psicológico estabelecendo que o amor a si mesmo predisponha
a mente a permanecer num estado de consciência que permite a compreensão da
totalidade à sua volta. Amar a si mesmo é entrar em contato com sua essência
íntima, assumindo-se como ser no universo, responsável total e de forma
consciente pelos próprios atos, sem transferir sua responsabilidade para
terceiros. É a consciência de ser deus e ter Deus em si mesmo.
Psicologicamente, é mais
sensato entregar-se à busca do amor universal do que do amor particular.
Enquanto este traz predisposições momentâneas e se presta facilmente às
projeções, aquele capacita à vida eterna e elimina projeções inconscientes.
(...) O amor ao próximo
não se resume ao sentimento de afeição e ternura que temos para com um
companheiro ou companheira, para com um parente ou alguém especial em nossa
vida. Ele extrapola os limites da consanguinidade e da sexualidade. O amor ao
próximo é o amor indiferenciado, sem face nem rótulo, sem restrições, sem
bandeira e sem países. É o amor à Vida em toda sua plenitude. É aquele que se
tem ao ser humano na sua humanidade e que possibilita a percepção da obra de
Deus através dele mesmo.
(...) Esse sentimento de amor
para consigo mesmo serve, ao mesmo tempo, para permitir à mente um estado de
paz e felicidade, como também para uma espécie de autoterapia preventiva dos
estados psíquicos que impedem o bom desenvolvimento da personalidade. Amar
alguém como a si mesmo garante, do ponto de vista psíquico, clareza nas
percepções dos próprios processos conscientes e, principalmente, inconscientes.
Quando realizamos
projeções, isto é, quando notamos, de forma inconsciente, nos outros,
características de personalidade que são nossas, não nos damos conta de que a
simpatia ou antipatia que nutrimos por aquela pessoa se refere a nós mesmos.
Por este ângulo, quem ama ou detesta alguém, o faz a si mesmo. Amar o próximo
como a si mesmo pressupõe que as duas atitudes estão intrinsecamente
relacionadas. Quanto mais amo o próximo, indistintamente, mais a mim mesmo amo.
Quanto mais amo a mim mesmo, sem exagero narcisista, mais sou capaz de amar meu
semelhante.
Do ponto de vista
psicológico, amar o próximo como a si mesmo é predispor-se ao equilíbrio
psíquico e à possibilidade de trabalhar seus conteúdos emocionais, desta ou de
outras encarnações, com a certeza de que será bem sucedido no intento.
(...) Amar o próximo como
a si mesmo é permitir a manifestação de Deus em nós. [7]
Silvia
Helena Visnadi Pessenda
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
[1] ÂNGELIS, Joanna de (espírito); FRANCO, Divaldo Pereira
(psicografado por). Diretrizes
para o êxito. 2. ed. Salvador, BA: Livr. Espírita Alvorada, 2004. Cap.
26.
[3] KARDEC, Allan. O evangelho
segundo o espiritismo. Tradução de Salvador Gentile, revisão de Elias
Barbosa. 195. ed. Araras, SP: IDE, 1996. Cap. 11. Item 9. p. 147.
[4] CAMARGO,
Jason de. Educação dos sentimentos.
5. ed. Porto Alegre: Letras de Luz, 2003. Cap. 4. p. 78.
[5] HAMMED
(espírito); SANTO NETO, Francisco do Espírito (psicografado por). Espelho d’água. 1. ed. Catanduva, SP:
Boa Nova Editora, 2001. p. 88.
[6]
______. Os prazeres da alma.
1. ed. Catanduva, SP: Boa Nova Editora, 2003. Cap. “Afetividade”. p. 51.
[7] NOVAES,
Adenáuer. Psicologia do evangelho.
2. ed. Salvador, BA: Fundação Lar Harmonia, 2001. Cap. 11.
NOVAES, Adenáuer. Evangelho e
família. 1. ed. Salvador: Fundação Lar Harmonia, 2002.