SOCIEDADES PROPRIAMENTE DITAS
Tudo o que
dissemos sobre as reuniões em geral aplica-se naturalmente às sociedades
regularmente constituídas. Estas, entretanto têm de lutar contra algumas
dificuldades especiais decorrentes dos próprios liames entre os seus membros.
Dos numerosos pedidos que tenham recebido de informações sobre a sua
constituição, resumimos a seguir algumas de nossas explicações.
O
Espiritismo, que apenas acaba de nascer, é apreciado de maneiras diversas e
muito pouco compreendido na sua essência por grande número de adeptos, para
oferecer condições suficientes de união geral entre os seus membros para se
formar uma associação.
Não poderão existir estas condições a não ser entre os que compreendam
o seu objetivo moral e procuram integrar-se nele.
Entre os que
só o veem através dos fatos mais ou menos curiosos nenhum elemento sério de
ligação poderia existir. Colocando os fatos acima dos princípios, uma simples
divergência na maneira de considerá-los provocaria a divisão. Já não se daria o
mesmo no tocante aos primeiros, porque sobre a questão moral não podem
existir duas maneiras de ver. Também é fato que, por onde quer que se
encontrem uma confiança mútua sempre os liga. A benevolência recíproca,
reinando entre eles, afasta todo constrangimento e retraimento originados da
suscetibilidade, do orgulho que se irrita com a menor contradição, do egoísmo
que só se interessa por si. Uma sociedade em que esses sentimentos dominassem,
onde os seus membros se reunissem com o fim de se instruírem e não com a
esperança de ver apenas novidades, ou para fazer prevalecer a sua opinião,
seria não somente viável, mas também indissolúvel. A dificuldade de reunir ainda numerosos elementos
dessa maneira homogêneos leva-nos a dizer que, no interesse dos estudos e para
o bem da própria causa, as reuniões espíritas devem multiplicar-se mais pela
constituição de pequenos grupos do que de grandes associações. Esses
grupos, correspondendo-se entre si,
visitando-se, permutando suas observações, podem desde logo formar um
núcleo da grande família espírita que um dia reunirá todas as opiniões, unindo
os homens no mesmo sentimento de fraternidade caracterizado pela caridade
cristã.
Já vimos
como é importante a uniformidade de sentimentos para obtenção de bons
resultados. Essa uniformidade é naturalmente mais difícil de obter quando o
número de pessoas é maior. Nas pequenas reuniões, onde todos se
conhecem melhor, tem-se mais segurança na introdução de elementos novos. O silêncio e a concentração tornam-se mais fáceis e
tudo se passa como em família. As grandes assembleias não permitem a intimidade
pela variedade de elementos de que se compõem. Exigem locais especiais,
recursos pecuniários e um aparelhamento administrativo que os pequenos grupos
dispensam. A divergência de caracteres, de ideias, de opiniões revela melhor,
oferecendo aos Espíritos perturbadores mais facilitados para semear a
discórdia. Quanto mais
numerosa a reunião, mais difícil de contentar a todos. Cada um
quereria que os trabalhos fossem dirigidos a seu gosto, que fossem tratados de
preferência os assuntos que mais lhe interessam, e alguns julgariam que o
título de sócio lhe daria o direito de impor os seus pontos de vista. Daí surgiria protestos, causas de
mal-estar que levam cedo ou tarde à desunião e depois à dissolução,
sorte de todas as sociedades de qualquer finalidade. Os pequenos grupos não
estão sujeitos a essas dificuldades. A queda de uma grande sociedade pareceria
um insucesso para a causa espírita e seus inimigos não deixariam de explorá-la.
A dissolução de um pequeno grupo passa despercebido, e se um se dispersa, vinte
outros se formam a seguir. Ora, vinte grupos de quinze a vinte pessoas obterão
mais e farão mais para a divulgação do que uma assembleia de trezentas a
quatrocentas pessoas.
Dir-se-á por
certo que os membros de uma sociedade, agindo como dissemos, não seriam
verdadeiros espíritas, desde que o primeiro
dever que a doutrina impõe é o da caridade e da benevolência. Isso é perfeitamente justo. E por isso os que assim
pensam são espíritas mais de nome que de fato. Não pertencem à terceira
categoria (Ver n° 28 - Livro dos Médiuns). Mas quem diria que podem mesmo ser chamados de
espíritas? Aqui se apresenta uma consideração de certa gravidade.
Não nos
esqueçamos de que o Espiritismo tem inimigos interessados em impedir-lhe o
desenvolvimento e que veem com despeito os seus sucessos. Os mais perigosos
não são os que o atacam abertamente, mas os que agem na sombra, os que o acariciam com uma das mãos e o
apunhalam com a outra. Esses seres
malfazejos se infiltram por toda a parte onde possam fazer mal. Sabendo que a união é uma força tratam de
destruí-la, semeando a discórdia. Quem poderá então dizer que os que
provocam perturbação nas reuniões não sejam agentes provocadores, interessados
na desordem? Seguramente não são verdadeiros nem bons espíritas, pois não podem
fazer o bem e sim muito mal. Compreende-se que tenham muito mais facilidade de
se infiltrar nas reuniões numerosas do que nos pequenos grupos em que todos se
conhecem. Graças a manobras escusas, que passam despercebidas, semeiam a
dúvida, a desconfiança e a inimizade.
Sob
a aparência de interesse pela causa criticam tudo, formam grupinhos que logo
rompem a harmonia do conjunto. É o que eles querem. Tratando com
essas pessoas é inútil apelar aos sentimentos de caridade e fraternidade, seria
como falar a surdos voluntários, porque o seu objetivo é precisamente o de
destruir esses sentimentos que são o maior obstáculo às suas manobras. Essa
situação, prejudicial a todas as sociedades, o é ainda mais às sociedades
espíritas, pois se não levar a uma ruptura provocará preocupações incompatíveis
com o recolhimento exigido pelos trabalhos.
Se a reunião
encaminhar-se mal — poderão perguntar — os homens sensatos e bem intencionados
não terão o direito de crítica e deverão deixar que o mal se efetuasse sem nada
dizer, aprovando-o pelo silêncio? Não há dúvida que esse direito lhes assiste,
constitui-se mesmo num dever, mas se a intenção for realmente boa eles farão a
sua advertência de maneira conveniente e benévola, abertamente e não com
subterfúgios. Se não forem ouvidos, se retirarão. Porque não se conceberia que
quem não estivesse de segunda intenção se obstinasse a permanecer numa
sociedade de cuja orientação discordasse.
Pode-se,
pois estabelecer em princípio que todo aquele que numa reunião espírita provoca
desordem ou desunião, ostensivamente ou por meios escusos, é um agente
provocador ou pelo menos um mal espírita de que se deve desembaraçar o quanto
antes. Entretanto os próprios compromissos que ligam os membros de uma
sociedade criam obstáculos para isso. Eis porque é conveniente evitar as formas
de compromissos indissolúveis: os homens de bem sempre se ligam de maneira
conveniente; o mal intencionado sempre o faz de maneira excessiva.
Além
das pessoas notoriamente malévolas que se infiltram nas reuniões há as que, por
temperamento, levam a perturbação onde comparecem. Dessa maneira nunca será demasiado o cuidado na admissão de novos
elementos. Os mais prejudiciais, nesse caso, não são os ignorantes da
matéria, nem mesmo os descrentes. A convicção só se adquire através da
experiência, e há pessoas de boa fé que querem se esclarecer. Aqueles contra os
quais particularmente se devem acautelar são as pessoas dotadas de ideias
preconcebidas, os incrédulos sistemáticos que duvidam de tudo, mesmo da
evidência, os orgulhosos que pretendem ter o privilégio da verdade e procuram
impor sempre a sua opinião olhando com desdém os que não pensam como eles. Não
vos enganeis com o seu pretenso desejo de esclarecimento. Encontrareis vários que se sentiriam aborrecidos se fossem obrigados
a concordar que estavam errados. Guardai-vos, sobretudo desses oradores
insípidos que sempre querem falar por último e dos que só se comprazem na
contradição. Uns e outros fazem perder tempo sem proveito, nem mesmo para eles.
Os Espíritos não gostam de palavreados inúteis.
Diante da
necessidade de evitar toda a causa de perturbação e distração, uma sociedade
espírita que se organiza deve pôr toda sua atenção nas medidas destinadas a
evitar os fatores de desordem e os motivos de prejuízos, facilitando os meios
de afastá-los. As pequenas reuniões necessitam de um regulamento disciplinar
bem simples para ordem das sessões. As sociedades regularmente constituídas
exigem uma organização mais completa. A melhor será a de sistema menos
complicado. Umas e outras poderão tirar o que lhes for aplicado, que creiam
lhes ser útil; do regulamento da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas que
damos logo adiante.
As
sociedades, pequenas ou grandes e todas as reuniões, seja qual for a sua
importância, têm ainda de lutar contra outra dificuldade. Os fatores de
perturbação não se encontram somente entre os seus membros, mas também no mundo
invisível. Assim como há Espíritos
protetores para as instituições, as cidades e os povos, os Espíritos
malfeitores também se ligam aos grupos e aos indivíduos. Ligam-se
primeiro aos mais fracos, aos mais acessíveis, procurando transformá-los em
seus instrumentos, e pouco a pouco vão envolvendo a todos, porque sua alegria
maligna é tanto maior quanto maior o número dos que tenham subjugado.
Todas às vezes, pois, que num
grupo uma pessoa tenha caído na armadilha é necessário dizer que se tem um
inimigo no campo, um lobo no redil e que se deve ter cautela porque o mais
provável é que aumente as suas tentativas. Se não se desencorajar esse elemento
por uma resistência enérgica, a obsessão se torna um mal contagioso que se
manifestará entre os médiuns pela perturbação da mediunidade e entre os demais
pela hostilidade recíproca, a perversão do senso moral e a destruição da
harmonia.
Como o mais poderoso antídoto desse veneno é a caridade, é ela que eles procuram abafar. Não se deve, pois
esperar que o mal se torne incurável para lhe aplicar o remédio. Nem mesmo se
devem esperar os primeiros sintomas, pois é necessário, sobretudo preveni-lo.
Para isso há dois meios eficazes, quando bem aplicados: a prece feita de coração e o estudo atento dos
menores sintomas que revelem a presença de Espíritos mistificadores.
A primeira atrai os Espíritos bons que só assistem zelosamente aos que
sabem secundá-los pela confiança em Deus; o outro prova aos maus que se puseram
em relação com pessoas esclarecidas e bastante sensatas para não se deixarem
enganar. Se um dos membros do grupo cair sob a influência da obsessão, todos os
esforços devem tender, desde os primeiros sinais, a lhe abrir os olhos, antes
que o mal se agrave, a fim de levá-lo à compreensão de que foi enganado e ao
desejo de ajudar os que o procuram livrar.
A influência
do meio decorre da natureza dos Espíritos e da maneira por que agem sobre os
seres vivos. Dessa influência cada qual pode deduzir por si mesmo as condições
mais favoráveis para uma sociedade que aspire a atrair a simpatia dos Espíritos
bons, obtendo boas comunicações e afastando as más. Essas condições
dependem inteiramente das disposições morais dos assistentes. Podemos
resumi-las nos seguintes pontos:
• Perfeita
comunhão de ideias e sentimentos;
• Benevolência recíproca entre todos os
membros;
• Renúncia de todo sentimento contrário à
verdadeira caridade cristã;
• Desejo uníssono de se instruir e de
melhorar pelo ensinamento dos Espíritos bons e aproveitamento de seus
conselhos. Quem estiver convencido de que os Espíritos superiores se manifestam
com o fim de nos fazer progredir e não para nos agradar, compreenderá que eles
devem se afastar dos que se limita a admirar o seu estilo sem tirar nenhum
fruto das suas palavras só são atraídos às sessões pelo maior ou menor
interesse que elas oferecem, de acordo com seus gostos particulares;
• Exclusão de tudo o que nas comunicações
solicitadas aos Espíritos só tenha por objetivo a curiosidade;
• Concentração e silêncio respeitoso
durante as conversações com os Espíritos;
• Associação de todos os assistentes pelo
pensamento no apelo aos Espíritos evocados;
• Concurso de todos os médiuns, com
renúncia de qualquer sentimento de orgulho, de amor-próprio e de supremacia,
com desejo único de se tornarem úteis.
Essas condições serão tão difíceis de preencher que não se encontrem
quem possa satisfazê-las? Não pensamos assim. Esperamos pelo contrário, que as
reuniões verdadeiramente sérias, como as existentes em diferentes lugares, se
multiplicarão e não hesitamos em dizer que a elas o Espiritismo deverá a sua
mais ampla divulgação.
Unindo os
homens honestos e conscienciosos elas imporão silêncio à crítica, e quanto mais
pura forem as suas intenções mais serão respeitadas, até mesmo pelos seus
adversários. Quando
a zombaria ataca o bem deixa de provocar o riso e torna-se desprezível.
Entre as reuniões dessa espécie é que se estabelecerão laços de real
simpatia, uma solidariedade mútua, pela própria força das circunstâncias,
contribuindo para o progresso geral.
Seria um
erro supor que as reuniões especialmente dedicadas às manifestações físicas
estejam excluídas desse concerto fraterno da exigência de qualquer seriedade.
Se elas não requerem condições tão rigorosas, nem por isso poderiam ser
realizadas e assistidas impunemente com leviandade. Seria engano pensar que o
concurso de assistentes seja nulo nessas sessões. A prova do contrário está no
fato de que frequentemente as manifestações desse gênero, mesmo quando
produzidas por médiuns em dotados, não se realizam em determinados ambientes.
As influências contrárias agem também sobre elas é claro que decorrem das
divergências ou hostilidade dos sentimentos dos assistentes, que neutralizam os
esforços dos Espíritos.
As
manifestações físicas têm grande utilidade. Abrem um vasto campo ao observador,
pois é uma ordem inteiramente nova de fenômenos estranhos que se desenrola aos
seus olhos e cujas consequências são incalculáveis.
Uma reunião pode, portanto
ocupar-se dessas manifestações com finalidades bastante sérias, mas não poderia
atingir seu objetivo, seja como estudo ou como prova para formar convicção se
não se colocasse em condições favoráveis.
A primeira
delas é, não na crença dos assistentes, mas o seu desejo de esclarecer-se, sem
segundas intenções, sem a ideia preconcebida de rejeitar a própria evidência. A segunda é a redução do número
de assistentes para evitar a heterogeneidade.
Se as
manifestações físicas são em geral produzidas por Espíritos pouco adiantados,
nem por isso a sua finalidade é menos providencial. Os Espíritos bons às favorecem, todas as vezes que elas possam atingir
resultados proveitosos.
Livro dos
Médiuns, Allan Kardec. Editora LAKE -
Cap. 29 itens 334 até 342