quarta-feira, 22 de abril de 2020

Estudando Missionário da Luz - No plano dos sonhos


NO PLANO DOS SONHOS[1]
Após alguns minutos de conversação encantadora, o Irmão Francisco acercou-se do orientador, indagando sobre os objetivos da reunião da noite.
- Sim - esclareceu Alexandre, afável -, teremos algum trabalho de esclarecimento geral a amigos nossos, relativamente a problemas de mediunidade e psiquismo, sem minúcias particulares.
- Se nos permite - tornou o interlocutor -, estimaria trazer alguns companheiros que colaboram freqüentemente conosco. Seria para nós grande satisfação vê-los aproveitando os minutos de sono físico.
- Sem dúvida. Destina-se o serviço de hoje... Preparação de cooperadores nossos, ainda encarnados na Crosta. Estaremos a sua disposição e receberemos seus auxiliares com alegria.
Francisco agradeceu sensibilizado e perguntou:
- Poderemos providenciar?
- Imediatamente - explicou o instrutor, sem hesitação – conduza os amigos ao sítio de seu conhecimento.
Afastou-se o grupo de socorristas, deixando-me verdadeiro mundo de pensamentos novos. Segundo informações anteriores, Alexandre dirigiria, naquela noite, pequena assembléia de estudiosos e, assim que nos vimos a sós, explicou-me, solícito:
- Nosso núcleo de estudantes terrestres já possui certa expressão numérica; no entanto, faltam-lhe determinadas qualidades essenciais para funcionar com pleno proveito. Em vista disso, imprescindível dotar os companheiros de conhecimentos mais construtivos.
E, como julgasse útil fornecer-me informações pessoais destinadas a minha própria elucidação acrescentou, gentilmente:
- E os irmãos que comparecem - Indaguei curioso – conservam a recordação integral dos serviços partilhados, de estudos levados a efeito e observações ouvidas?
Alexandre pensou um momento e considerou:
- Mais tarde, a experiência mostrará você como é reduzida à capacidade sensorial. O homem eterno guarda a lembrança completa, e conserva consigo; todos os ensinamentos, intensificando-os e valorizando-os, de acordo com o estado evolutivo que lhe é próprio. O homem físico, entretanto, escravo de limitações necessárias, não pode ir tão longe. O cérebro de carne, pelas injunções da luta a que o Espírito foi chamado a viver, é aparelho de potencial reduzido, dependendo muito da iluminação de seu detentor, no que se refere à fixação de determinadas bênçãos divinas. Desse modo, André, o arquivo de semelhantes reminiscências, no livro temporário das células cerebrais, é muito diferente nos discípulos entre si, variando de alma para alma. Entretanto, cabe-me acrescentar que, na memória de todos os irmãos de boa vontade, permanecerá, de qualquer modo, o benefício, ainda mesmo que eles, no período de vigília, não consigam positivar a origem. As aulas, no teor daquela a que você assistirá nesta noite, são mensageiras de inexprimíveis utilidades práticas. Em despertando, na Crosta, depois delas, os aprendizes experimentam alívio, repouso e esperança, a par da aquisição de novos valores educativos. É certo que não podem reviver os pormenores, mas guardarão a essência, sentindo-se revigorados, de inexplicável maneira para eles, não só a retomar a luta diária no corpo físico, mas também a beneficiar o próximo e combater, com êxito, as próprias imperfeições. Seus pensamentos tornam-se mais claros, os sentimentos mais elevados e as preces mais respeitosas e produtivas, enriquecendo-se-lhes as observações e trabalhos de cada dia.
- É lastimável - disse eu, valendo-me de pausa mais longa - que todos os membros do grupo não possam frequentar, em massa, as instruções dessa natureza. Seria de extraordinária significação o ato de se congregarem mais de trezentas pessoas para os mesmos fins santificantes, recebendo, em conjunto, sublimes bênçãos de iluminação.
- Sem dúvida - redarguiu o orientador, no otimismo de sempre.
- No entanto, não podemos violentar ninguém. Toda elevação representa uma subida e toda subida pede esforço de ascensão. Se os nossos amigos não se aproveitam da força que lhes é peculiar, se menosprezam os seus próprios direitos divinos, por olvidarem e por vezes detestarem os sagrados deveres que o Pai lhes confiou, como operar por eles, se constitui lei primordial da vida a realização divina e eterna para cada um de nós?
A observação era profunda e indiscutível.
Há esse tempo, defrontáramos vasto edifício que impressionava pelas linhas modestas, embora transbordantes de luz.
- Vamos agora ao trabalho! - convocou Alexandre, resoluto.
- Mas - objetei por minha vez - não se efetuarão as aulas, na sede do agrupamento onde se processam os serviços a seu cargo?
- Se o trabalho - respondeu ele, atencioso - fosse puramente consagrado às entidades libertas do corpo material, poderíamos desenvolver os nossos esforços, ali mesmo, com o maior êxito, mas, no presente caso, devemos atender a irmãos ainda encarnados, que vêm até nós em condições especialíssimas, e precisamos aproveitar os recursos magnéticos dos amigos que ainda se encontram igualmente em luta na Terra.
E chegados diante da porta de entrada, onde se movimentava grande número de companheiros de nosso plano, o instrutor explicou:
- Temos aqui uma nobre instituição espiritista, a serviço dos necessitados, dos tristes, dos sofredores. O sagrado espírito de família evangélica permanece vivo nesta casa de amor cristão que o Espiritismo ergueu, por intermédio de uma venerável missionária do Cristo. Nossos trabalhos se desdobrarão aqui com mais eficiência, relativamente aos fins a que se destinam.
- Como é interessante - acentuei - o fato de necessitarmos dos ambientes domésticos para instruções aos companheiros encarnados!
- Sim - comentou Alexandre, com elevada sabedoria -, você não pode esquecer que grandes ensinamentos do próprio Mestre foram ministrados no seio da família. A primeira instituição visível do Cristianismo foi o lar pobre de Simão Pedro, em Cafarnaum.
Uma das primeiras manifestações de Nosso Senhor, diante do povo, foi à multiplicação das alegrias familiares, numa festa de núpcias em pleno aconchego do lar. Muitas vezes visitou Jesus as casas residenciais de pecadores confessos, acendendo novas luzes nos corações. A última reunião com os discípulos verificou-se no cenáculo doméstico. O primeiro núcleo de serviço cristão em Jerusalém foi ainda à moradia simples de Pedro, então transformado em baluarte inexpugnável da nova fé. Inegavelmente, todo templo de pedra, dignamente superintendido, funciona qual farol no seio das sombras, indicando os caminhos retos aos navegantes do mundo, mas não podemos esquecer que o movimento vital das idéias e realizações baseia-se na igreja viva do espírito, no coração do povo de Deus. Sem adesão do sentimento popular, na esfera da crença vivida no âmago de cada um qualquer manifestação religiosa reduz-se a mero culto externo. Por isso mesmo.
André, no futuro da Humanidade, os templos materiais do Cristianismo estarão transformados em igrejas-escolas, igrejas-orfanatos, igrejas-hospitais, onde não somente o sacerdote da fé veicule a palavra de interpretação, mas onde a criança encontre arrimo e esclarecimento, o jovem a preparação necessária para as realizações dignas do caráter e do sentimento, o doente o remédio salutar, o ignorante a luz, o velho o amparo e a esperança. O Espiritismo evangélico é também o grande restaurador das antigas igrejas apostólicas, amorosas e trabalhadoras. Seus intérpretes fiéis serão auxiliares preciosos na transformação dos parlamentos teológicos em academias de espiritualidade, das catedrais de pedra em lares acolhedores de Jesus.
Daria tudo o que estivesse ao meu alcance para continuar ouvindo as encantadoras elucidações do orientador, mas, nesse instante, transpúnhamos o limiar.
Verifiquei que faltavam apenas cinco minutos para duas horas da madrugada.
Pelo grande número de entidades que vieram céleres, ao nosso encontro, percebi que havia enorme interesse em torno da palestra instrutiva da noite. Não se achavam presentes apenas os aprendizes ligados ao esforço de Alexandre, em sentido direto, mas também outros amigos, trazidos até ali por afeiçoados do plano espiritual.
Acercou-se de nós, com mais intimidade, pequeno grupo de companheiros, destacando-se um deles que conversou com Alexandre, de maneira mais significativa.
- Ainda não chegaram todos? - indagou O instrutor, com interesse afetivo, após trocarem as primeiras impressões.
Percebi claramente que se referia aos irmãos encarnados que deveriam comparecer na cota de freqüência do grupo de que era ele um dos diretores espirituais.
- Faltam-nos apenas dois companheiros - elucidou o interpelado.
- Até o momento, Vieira e Marcondes ainda não chegaram.
- Urge iniciar os trabalhos - exclamou Alexandre, sem afetação - devemos terminar a tarefa às quatro horas no máximo.
E, mostrando singular interesse de amigo, acrescentou:
- Quem sabe se foram vítimas de algum acidente? Convém positivar no espírito de calma decisão que lhe é característico, recomendou ao auxiliar que lhe prestava informações:
- Sertório, enquanto vou ultimar algumas providências para as instruções da noite, observe o que se passa.
Respeitoso, o subordinado interrogou:
- Caso estejam os nossos irmãos sob a influência de entidades criminosas, como devo proceder?
- Deixá-los-á, então, onde estiverem - replicou o instrutor, resoluto -; o momento não comporta grandes conversações com os que se prendem, deliberadamente, ao plano inferior. Findo o trabalho, você mesmo providenciará os recursos que se façam necessários.
Dispunha-se o mensageiro a partir, quando o orientador, percebendo-me o ardente interesse em acompanhá-lo, acrescentou:
- Se deseja, André, poderá seguir, colaborando com o emissário em serviço, Sertório terá prazer em sua companhia.
Agradeci extremamente satisfeito e abracei o auxiliar de Alexandre, que me sorriu acolhedoramente.
Saímos.
Era indispensável atender o mandado com presteza; todavia, satisfazendo-me a curiosidade, Sertório explicou generoso:
- Quando encarnados, na Crosta, não temos bastante consciência dos serviços realizados durante o sono físico; contudo, esses trabalhos são inexprimíveis e imensos. Se todos os homens prezassem seriamente o valor da preparação espiritual, diante de semelhante gênero de tarefa, certo efetuariam as conquistas mais brilhantes, nos domínios psíquicos, ainda mesmo quando ligados aos envoltórios inferiores. Infelizmente, porém, a maioria se vale, inconscientemente, do repouso noturno para sair à caça de emoções frívolas ou menos dignas. Relaxam-se as defesas próprias, e certos impulsos, longamente sopitados durante a vigília, extravasam em todas as direções, por falta de educação espiritual, verdadeiramente sentida e vivida.
Interessado em esclarecimentos completos. Indaguei:
- Entretanto, isto ocorre com aprendizes de cursos avançados do Espiritualismo? Poderiam ser vítimas desses enganos alunos de um instrutor da ordem de Alexandre?
- Como não? - tornou Sertório, fraternalmente. - Com referência a essa probabilidade, não tenha qualquer dúvida.
Quantos pregam a Verdade, sem aderirem intimamente a ela?
Quantos repetem fórmulas de esperança e paz, desesperando e perseguindo, no fundo do coração?
Há sempre muitos "chamados" em todos os setores de construção e aprimoramento do mundo! Os "escolhidos",
Contudo, são sempre poucos.
Completando o pensamento, como a escoimá-lo de qualquer falsa noção de particularismos na obra divina, Sertório acrescentou:
- E precisamos reajustar nossas definições sobre os "escolhidos".
Os companheiros assim classificados não são especialmente favorecidos pela graça divina, que é sempre a mesma fonte de bênçãos para todos. Sabemos que a "escolha", em qualquer trabalho construtivo, não exclui a "qualidade", e se o homem não oferece qualidade superior para o serviço divino, em hipótese alguma deve esperar a distinção da escolha. Infere-se, pois, que Deus chama todos os filhos à cooperação em sua obra augusta, mas somente os devotados, persistentes, operosos e fiéis constroem qualidades eternas que os tornam dignos de grandes tarefas. E, reconhecendo-se que as qualidades são frutos de construções nossas, nunca poderemos esquecer que a escolha divina começará pelo esforço de cada um.
A tese do companheiro era assaz interessante e educativa, mas havíamos atingido pequeno edifício, em frente do qual Sertório se deteve e falou:
- É a residência de Vieira. Vejamos o que se passa.
Acompanhei-o em silêncio.
Em poucos instantes, encontrávamos-nos dentro de quarto confortável, onde dormia um homem idoso, fazendo ruído singular.
Via-se-lhe, perfeitamente, o corpo perispirítico unido à forma física, embora parcialmente desligados entre si. Ao seu lado, permanecia uma entidade singular, trajando vestes absolutamente negras. Notei que o companheiro adormecido permanecia sob impressões de doloroso pavor. Gritos agudos escapavam-lhe da garganta. Sufocava-se, angustiadamente, enquanto a entidade escura fazia gestos que eu não conseguia compreender.
Sertório acercou-se de mim e observou:
- Vieira está sofrendo um pesadelo cruel.
E indicando a entidade estranha:
- Creio que ele terá atraído até aqui o visitante que o espanta.
Com efeito, muito delicadamente, o meu interlocutor começou a dialogar com a entidade de luto:
- O amigo é parente do companheiro que dorme?
- Não, não. Somos conhecidos velhos.
E. muito impaciente, acentuou:
- Hoje, à noite, Vieira me chamou com as suas reiteradas lembranças e acusou-me de faltas que não cometi, conversando levianamente com a família. Isso, como é natural, desgostou-me.
Não bastará o que tenho sofrido, depois da morte?
Ainda precisarei ouvir falsos testemunhos de amigos maledicentes?
Não poderia esperar dele semelhante procedimento, em virtude das relações afetivas que nos uniam as famílias, desde alguns anos. Vieira foi sempre pessoa de minha confiança. Em razão da surpresa, deliberei esperá-lo nos momentos de sono, a fim de prestar-lhe os necessários esclarecimentos.
O estranho visitante. Todavia, fez uma pausa, sorriu irônico, e continuou:
- Entretanto, desde o momento em que me pus a explicar-lhe a situação do passado, informando-o quanto aos verdadeiros móveis de minhas iniciativas e resoluções na vida carnal, para que não prossiga caluniando-me o nome, embora sem intenção, Vieira fez este rosto de pavor que estão vendo e parece não desejar ouvir as minhas verdades.
Interessado nas lições novas, aproximei-me do amigo, cujo corpo descansava em posição horizontal, e senti-lhe o suor frio ensopando os lençóis.
Não revelava compreender convenientemente o auxílio que lhe era trazido, fixando-nos com estranheza e ansiedade, intensificando, ainda mais, os gemidos gritantes que lhe escapavam da boca.
Sentindo a silenciosa reprovação de Sertório, o habitante das zonas inferiores dirigiu-lhe a palavra de modo especial:
- O senhor admite que devamos ouvir impassíveis os remoques da leviandade?
Não será passível de censura e punição o amigo infiel que se vale das imposições da morte para caluniar e deprimir?
Se Vieira sentiu-se no direito de acusar-me, desconhecendo certas particularidades dos problemas de minha vida privada, não é justo que me tolere os esclarecimentos até ao fim?
Não sabe ele, acaso que os mortos continuam vivos? Ignorará, porventura, que a memória de cada companheiro deve ser sagrada?
Ora esta! Eu mesmo já lhe ouvi, em minha nova condição de desencarnado, longas dissertações referentes ao respeito que devemos uns aos outros... Não considera, pois, que tenho motivos justos para exigir um legítimo entendimento?
O interpelado esboçou um gesto de complacência e observou:
- Talvez esteja com a razão, meu caro. Entretanto, creio deva desculpar seu amigo!
Como exigir dos outros conduta rigorosamente correta, se ainda não somos criaturas irrepreensíveis?
Tenha calma, sejamos caridosos uns para com os outros!...
E, enquanto a entidade se punha a meditar nas palavras ouvidas.
Sertório falou-me em tom discreto:
- Vieira não poderá comparecer esta noite aos trabalhos.
Não pude reprimir a má impressão que a cena me causava e, talvez porque eu fizesse um olhar suplicante, advogando a causa do pobre irmão, quase a desencarnar-se de medo, o auxiliar de Alexandre prosseguiu:
- Retirar violentamente a visita, cuja presença ele próprio propiciou, não é tarefa compatível com as minhas possibilidades do momento. Mas podemos socorrê-lo, acordando-o.
E, sem pestanejar, sacudiu o adormecido, energicamente, gritando-lhe o nome com força.
Vieira despertou confuso, estremunhando, sob enorme fadiga, e ouvi-o exclamar, palidíssimo:
- Graças a Deus, acordei! Que pesadelo terrível!...
Será crível que eu tenha lutado com o fantasma do velho Barbosa? Não! Não posso acreditar!...
Não nos viu, nem identificou a presença da entidade enlutada, que ali permaneceu até não sei quando. E, ao retirarmo-nos, ainda lhe notei as interrogações íntimas, indagando de si mesmo sobre o que teria ingerido ao jantar, tentando justificar o susto cruel com pretextos de origem fisiológica. Longe de auscultar a própria consciência, com respeito à maledicência e à leviandade, procurava materializar a lição no próprio estômago, buscando furtar-se à realidade.
Sertório, porém, não me proporcionou ensejo a maiores reflexões.
Convocando-me ao dever imediato, acrescentou:
- Visitemos o Marcondes. Não temos tempo a perder.
Daí a dois minutos, penetrávamos outro apartamento privado; todavia, o quadro agora era muito mais triste e constrangedor.
Marcondes estava, de fato, ali mesmo, parcialmente desligado do corpo físico, que descansava com bonita aparência, sob as colchas rendadas. Não se encontrava ele sob impressões de pavor, como acontecia ao primeiro visitado; entretanto, revelava a posição de relaxamento, característica dos viciados do ópio. Ao seu lado, três entidades femininas de galhofeira expressão permaneciam em atitude menos edificante.
Vendo-nos, de súbito, o dono do apartamento surpreendeu-se, de maneira indisfarçável, mormente cm fixando Sertório, que era de seu mais antigo conhecimento. Levantou-se, envergonhado, e ensaiou algumas explicações com dificuldade:
- Meu amigo - começou a dizer, dirigindo-se ao auxiliar de Alexandre -, já sei que vem procurar-me... Não sei como esclarecer o que ocorre...
Não pôde, contudo, prosseguir e mergulhou a cabeça nas mãos, como se desejasse esconder-se de si mesmo.
A essa altura da cena constrangedora, verifiquei, então, sem vislumbres de dúvida, que as entidades visitantes eram da pior espécie, de quantas conhecia eu nas regiões das sombras.
Irritadas talvez com o recuo do companheiro, que se revelava triste e humilhado, prorromperam em grande algazarra, acercando-se mais intensamente de nós, sem o mínimo respeito.
- Impossível que nos arrebatem Marcondes! - disse uma delas, enfaticamente, - Afinal de contas, vim de muito longe para perder meu tempo assim, sem mais nem menos!
- Ele mesmo nos chamou para a noite de hoje - exclamou a segunda, atrevidamente - e não se afastará de modo algum.
Sertório ouvia com serenidade, evidenciando íntima compaixão.
A terceira entidade, que parecia reter instintos inferiores mais completos, aproximou-se de nós com terrível expressão de sarcasmo e falou, dando-me a entender que aquela não era a primeira vez que Sertório procurava o sitio para os mesmos fins e nas mesmas circunstâncias:
- Os senhores não passam de intrusos. Marcondes é fraco, deixando-se impressionar pela presença de ambos. Nós, todavia, faremos a reação. Não conseguirão arrancar-nos o predileto.
E gargalhando, irônica, acentuava:
- Também temos um curso de prazer. Marcondes não se afastará.
Contrariamente aos meus impulsos, Sertório não demonstrava a mínima atenção. As palavras e expressões daquela criatura, porém, irritavam-me.
Ao meu lado, o auxiliar de Alexandre mantinha-se extremamente bondoso. A própria vítima permanecia humilde e triste.
Porque semelhantes insultos?
Ia responder alguma coisa, no sentido de esclarecer o caso em termos precisos, quando Sertório me deteve:
- André, contenha-se! Um minuto de conversação atenciosa com as tentações provocadoras do plano inferior pode induzir-nos a perder um século.
Em seguida, com invejável tranqüilidade, dirigiu-se ao interessado, perguntando, sem espírito de censura:
- Marcondes, que contas darei hoje de você, meu amigo?
O interpelado respondeu, lacrimoso e humilhado:
- Oh, Sertório, como é difícil manter o coração nos caminhos retos! Perdoe-me... Não sei como isto aconteceu... Não posso explicar-me!
Mas Sertório parecia pouco disposto a cultivar lamentações e mostrando-se muito interessado em aproveitar o tempo, interrompeu-o:
- Sim. Marcondes. Cada qual escolhe as companhias que prefere.
Futuramente você compreenderá que somos seus amigos leais e que lhe desejamos todo o bem.
Despejaram nas mulheres nova série de frases ridicularizadoras.
Marcondes começou, de novo, a lastimar-se, mas o mensageiro de Alexandre, sem hesitar, tomou-me a destra e regressamos à via pública.
- Voltemos imediatamente - disse ele, decidido.
- E em que ficamos? - indaguei - não vai acordá-lo?
- Não. Não podemos agir aqui do mesmo modo. Marcondes deve demorar-se em tal situação, para que amanhã a lembrança desagradável seja mais duradoura, fortificando-lhe a repugnância pelo mal.
- Que fazer, então? - perguntei, espantado.
- Diremos ao nosso orientador o que ocorre - redarguiu Sertório, calmamente - é o que nos cabe levar a efeito.
E, sintetizando longas considerações que poderia expender relativamente ao assunto, frisou:
- Por agora, André, chama-nos o dever mais alto, no campo de nossa jornada para Deus. Entretanto, quando terminarem as instruções da noite, voltarei a ver o que é possível efetuar em favor de nossos pobres amigos. No momento, não devemos perder os minutos. As preleções de Alexandre não se destinam somente ao preparo dos nossos irmãos que ainda se ligam aos envoltórios de carne, na superfície da Crosta; são igualmente valiosas para nós outros, que necessitamos enriquecer possibilidades para socorrer, com êxito, os companheiros encarnados.
- Sim, concordo - respondi. - No entanto, a situação de Vieira e Marcondes sensibiliza-me fundamente.
Sertório, porém, cortou-me a palavra, rematando, seguro de si mesmo:
- Conserve seu sentimento, que é sagrado; não se arrisque, porém, a sentimentalismo doentio. Esteja tranqüilo quanto à assistência, que não lhes faltará no momento oportuno; não se esqueça, porém, de que, se eles mesmos algemaram o coração em semelhantes cárceres, é natural que adquiram alguma experiência proveitosa à custa do próprio desapontamento.



[1] Fonte: Missionário da Luz, Ditado pelo Espírito André Luiz, psicografia de Francisco Cândido Xavier, Editora FEB, Capitulo 8

domingo, 19 de abril de 2020

Parábola do Semeador


PARÁBOLA DO SEMEADOR[1]

Afluindo uma grande multidão e vindo ter com Ele gente de todas as cidades, disse Jesus em parábola:
“Saiu o Semeador para semear a sua semente. E quando semeava, uma parte da semente caiu à beira do caminho; foi pisada, e as aves do Céu a comeram. Outra caiu sobre a pedra; e tendo crescido, secou, porque não havia umidade. Outra caiu no meio dos espinhos; e com ela cresceram os espinhos, e sufocaram-na. E a outra caiu na boa terra, e, tendo crescido, deu fruto a cento por um. Dizendo isto clamou: Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.
Os seus discípulos perguntaram-lhe o que significava esta parábola.
Respondeu-lhes Jesus: A vós vos é dado conhecer os mistérios do Reino de Deus, mas aos outros se lhes fala em parábolas, para que vendo não vejam; e ouvindo não entendam:
O sentido da parábola é este:
“A semente é a Palavra de Deus. Os que estão à beira do caminho são os que têm ouvido; então vem o Diabo e tira a Palavra dos seus corações, para que não suceda que, crendo, sejam salvos. Os que estão sobre a pedra são os que, depois de ouvirem, recebem a Palavra com gozo; estes não têm raiz e creem por algum tempo, mas na hora da provação voltam atrás. A parte que caiu entre os espinhos, estes são os que ouviram, e, indo seu caminho, são sufocados pelos cuidados, riquezas e deleites da vida e o seu fruto não amadurece. E a que caiu na boa terra, estes são os que, tendo ouvido a palavra com coração reto e bom, a retêm e dão frutos com perseverança.”
(Mateus, XIII, 1-9 - Marcos, IV, 1-9 - Lucas, VIII, 4-15.)
A Parábola do Semeador é a parábola das parábolas: sintetiza os caracteres predominantes em todas as almas, ao mesmo tempo em que nos ensina a distingui-las pela boa ou má vontade com que recebem as novas espirituais.
Pelo enredo do discurso vemos aqueles que, em face de Palavra de Deus, são “beiras de caminho” onde passam todas as idéias grandiosas como gentes nas estradas, sem gravarem nenhuma delas; são “pedras” impenetráveis às novas idéias, aos conhecimentos liberais; são “espinhos” que sufocam o crescimento de todas as verdades, como essas plantas espinhosas que estiolam e matam os vegetais que tentam crescer, nas suas proximidades.
Mas se assim acontece para o comum dos homens, como para a grande parte de terra improdutiva, que faz arte do nosso mundo, também se distingue, dentre todos, uma plêiade de espíritos de boa vontade, que ouvem a Palavra de Deus, põem-na por obra, e, dessa semente bendita resulta tão grande produção que se pode contar a cento por uma”.
De maneira que a “semente” é a palavra de Deus, Lei do Amor que abrange a Religião e a Ciência, a Filosofia e a Moral, inclusive os “Profetas” e se resume no ditame cristão: “Adora a Deus e faze o bem até aos teus próprios inimigos.”
A Palavra de Deus, a “semente”, é uma só, quer dizer, é sempre a mesma que tem sido apregoada em toda arte, desde que o homem se achou em condições de recebê-la. E se ela não atua com a mesma eficácia em todos, deriva esse fato da variedade e da desigualdade de espíritos que existem na Terra; uns mais adiantados outros mais atrasados; uns propensos ao bem, à caridade, à liberalidade, à fraternidade; outros propensos ao mal, ao egoísmo, ao orgulho, apegados aos bens terrenos, às diversões passageiras.
A terra que recebe as sementes representa o estado intelectual e moral de cada um: “beira do caminho, pedregal, espinhal e terra boa”.
Acresce ainda que nem todos os pregoeiros da Palavra a apregoam tal como ela é, em sua simplicidade e despida de formas enganosas. Uns revestem-na de tantos mistérios, de tantos dogmas, de tanta retórica; ornam-na com tantas flores que, embora a “palavra permaneça”, fica obscurecida, enclausurada na forma, sem que se lhe possa ver o fundo, o âmago, a essência!
Muitos a pregam por interesse, como o “mercenário que semeia”; outros por vangloria, e, grande parte, por egoísmo.
Nestes casos não dissipam as trevas, mas aumentam-nas; não abrandam corações, mas endurece-os; não anunciam a Palavra, mas dela fazem um instrumento para receber ouro ou glórias.
Para pregar e ouvir a Palavra, é preciso que não a rebaixemos, mas a coloquemos acima de nós mesmos; porque aquele que despreza a Palavra, anunciando-a ou ouvindo-a, despreza o seu Instituidor, e, como disse Ele:
“Quem me despreza e não recebe as minhas palavras, tem quem o julgue; a Palavra que falei, esta o julgará no último dia: Sermo, quem locutus sum, ille judicabit eum in novíssimo dia.” (João, XII, 48.)
Que belíssimo quadro apresenta-se às nossas vistas; quando, animados pelo sentimento do bem e da nossa própria instrução espiritual, lemos, com atenção, a Parábola do Semeador! A nossa frente desdobra-se vasto campo, onde aparece a extraordinária Figura do Excelso Semeador, o maior exemplificador do amor de todas as idades, e aquele monumental Sermão ressoa aos nossos ouvidos, convidando-nos à prática das virtudes ativas, para o gozo das bem-aventuranças eternas!
O Espiritismo, filosofia, ciência, religião, independente de todo e qualquer sectarismo, é a doutrina que melhor nos põe a par de todos esses ditames, porque, ao lado dos salutares ensinos, faz realçar a sobrevivência humana, base inamovível da crença real que aperfeiçoa, corrige e felicita!
Que os seus adeptos, compenetrados dos deveres que assumiram semelhantes ao Semeador, levem, a todos os lares, e plantem em todos os corações, a Semente da fé que salva, erguendo bem alto essa Luz do Evangelho, escondida sob o alqueire dos dogmas e dos falsos ensinos que tanto têm prejudicado a Humanidade!



[1] Fonte: Livro Parábolas e Ensinos de Jesus – Cairbar Schutel, Gráfica da Casa Editora o Clarim, 1ª Edição - 1928
  (Livro em pdf capturado no www.autoresespiritasclassicos.com

Garimpo de Amor - Amor e Jesus


AMOR E JESUS[1]

Amor e Jesus são termos da mesma realidade.
Em pleno tresvariar da ética, dominada pelo poder da força, no auge dos preconceitos e da hegemonia dos ambiciosos conquistadores terrenos, Jesus, o Pacificador, revolucionou o pensamento vigente e propôs com estoicismo invulgar: — “Amai-vos uns aos outros como eu vos tenho amado.”
Ninguém antes d’Ele se atrevera a um desafio de tal natureza, porque todos sempre se colocaram sob as asas do desamor que comandava as mentes e os corações.
Ele, porém, não. Pairando, sobranceiro, acima das disputas e chacinas guerreiras, dos interesses mesquinhos e enlouquecedores, das situações de brilho fugaz, dedicou-se a amar todas as criaturas, indistintamente, vivendo com simplicidade e harmonia, a fim de demonstrar que somente o amor pode conduzi-las com segurança ao porto da felicidade.
Nunca relatou qualquer problema, nem apresentou acusação de natureza alguma, considerando que os seres humanos ainda se encontravam – e se encontram de certo modo – em estado de infância espiritual, cujo amadure-cimento depende exclusivamente do amor, a fim de crescerem com segurança, distantes dos perigos de degeneração ou de recuo ao primarismo de onde procedem.
Estabeleceram, nesse amor, os princípios básicos para a sua vigência e prosseguimento: a simplicidade, o respeito pelo próximo, a bondade para com ele, o desinteresse pessoal ante a necessidade do outro, a compaixão, a perseverança nos propósitos delineados...
À semelhança do Sol generoso que dá vida aos bons e aos maus, aos nobres e aos plebeus, aos ricos e aos pobres, aos simples e aos fátuos, sem qualquer distinção, o Seu é o amor que não seleciona, espraiando-se como claridade diamantina para que dilua toda sombra em predomínio.
Jamais alguém se propusera a essa empresa incomum. Certamente que, antes d’Ele, diversos missionários viveram em consonância com o amor, mergulhando na meditação para vivenciá-lo, conduzindo as massas pela montanha da sublimação acima. A Sua invitação ao amor revestiu-se do Seu próprio exemplo, mesmo antes de poder demonstrá-lo mediante o testemunho in-comum a que se permitiu pela via dolorosa até a cruz, a fim de que todos tivessem a demonstração da grandeza do seu conteúdo.
A revolução do amor com Ele começou em novas bases e nunca cessará, porque em cada época da humanidade e em cada estágio da evolução humana, ele se apresentará mais transcendente e profundo, arrastando as vidas que se lhe entregarão confiantes e em regime de totalidade.
Por enquanto, não obstante as formidandas conquistas da inteligência e da tecnologia, da ciência e da razão, o amor não conseguiu atingir o estágio que seria ideal, influenciando o comportamento geral para melhor, assim impulsionando a sociedade para alcançar mais elevado patamar de plenitude.
De alguma forma, no entanto, vem erguendo a ética dos direitos humanos a uma posição de destaque entre os códigos estabelecidos, engrandecendo o sentido de respeito pelas minorias de todos os segmentos sociais, ampliando a visão em torno do significado existencial, embora ainda defrontando um longo trecho que deverá percorrer até o momento de dominar as criaturas, qual Ele o fez.
Amor e Jesus são termos da mesma realidade.
Amando sempre, jamais escolheu a quem direcionar o Seu sentimento.
Nicodemos era príncipe, e buscou-O. Ele o atendeu sem qualquer deferência, inundado de ternura.
Simão, o leproso, era detestado, mas convidando-O a ir à sua casa, Ele aceitou a gentileza, e ali ofereceu extraordinária lição de amor, referindo-se à mulher que embora fosse portadora de conduta irregular, lavou-Lhe os pés com perfume...
Lázaro e suas irmãs receberam-nO no lar, e Ele enriqueceu a família com incomuns demonstrações de amor.
Um sacerdote vão e simulador, tentando perturbá-lO, interrogou-O a respeito de quem seria o seu próximo, e Ele, compadecido quão amoroso, narrou a mais notável parábola do Evangelho, a do bom samaritano.
Diante de uma mulher surpreendida em adultério; que era conduzida à lapidação por homens perversos e pervertidos também, consultado quanto a pena a ser-lhe aplicada, se a proposta por Moisés ou a que Ele ensinava, foi peremptório em relação ao amor, esclarecendo: Quem estiver isento de pecados, atire-lhe a primeira pedra. E todos se afastaram cabisbaixos...
Um jovem que O chamara de Bom Mestre, aparentemente desejando segui-Lo, recebeu a orientação a respeito de que Bom somente é o Pai, embora Ele fosse Mestre, e, dominado pelo amor, elucidou como deveria ser feito, a fim de acompanhá-Lo...
Conhecendo a fragilidade de Pedro, anunciou-lhe a defecção sem o censurar, porque o amava.
Sabendo dos propósitos de Judas, que era perturbado por Forças Impiedosas do Mais Além, tomado de infinita compaixão de amor, estimulou-o a que fizesse o que deveria fazer, e, após o seu suicídio infeliz, foi buscá-lo nas Regiões Inferiores...
Atordoada mulher samaritana, detestada pela raça a que pertencia e pela conduta a que se entregara, d’Ele recebeu incomum lição de vida, porque muito a amou.
Compadecido da multidão que estava esfaimada, e mesmo assim seguia-O, multiplicou os pães e os peixes, a todos alimentando, em nome do amor.
Por amor, repreendeu os hipócritas que O tentavam, os vendilhões que enxovalhavam o Templo, que deveria ser dedicado a outros misteres, os sacerdotes venais, os herodianos vulgares, os fariseus pusilânimes...
Ante Caifás, Anás, Herodes e Pilatos; manteve-se em silêncio hercúleo por amá-los e identificar o estágio espiritual inferior em que se encontravam; incapazes de O entender. Apenas uma vez respondeu a um deles, certamente não havendo sido penetrado no conteúdo do que informara.
Mesmo depois de morto, José de Arimatéia, que pertencia ao Sinédrio, ofereceu-Lhe o seu túmulo novo, que foi aceito, embora Ele não pudesse ou devesse falar naquele momento.
... E mesmo quando estava considerado morto e vencido, por amor retornou ao convívio dos amigos temerosos, da mãe ansiosa, de viandantes preocupados, da multidão que se reuniu na Betânia, a fim de escutar João falar sobre Ele, para, somente então, ascender aos paramos imortais...
Ninguém jamais amou, conforme Jesus o fez.
Dividiu a História da Humanidade, mais pelo amor do que pelas palavras e pelos feitos.
Ele é o símbolo do amor, porquanto, não amado, continuou amando, e prosseguirá até o fim dos evos...
Nunca será esquecido!
Na aridez do solo da humanidade, a charrua que o pode sulcar, a fim de que se renove e se arrebente em verdor, em florescência, em frutos incomparáveis, é o amor.
O amor, que procede de Deus, a Deus retorna, construindo a felicidade onde se apresente jamais vencido, sempre triunfador.
Nunca te esqueças, em qualquer situação, a mais penosa que se te apresente, que o amor possui a solução para todas as dificuldades.
Ama, pois, sempre!




Final do livro


[1] Fonte: Livro – Garimpo de Amor – ditado do Espírito Joana de Ângelis, psicografia de Divaldo Pereira Franco, Ed LEAL,

Garimpo de Amor - Amor e felicidade


AMOR E FELICIDADE[1]

O amor é um privilégio que deve ser conseguido com esforço e dedicação.
Para onde se dirija o olhar percuciente e a atenção se fixe, perceberão a presença do amor, mesmo que sem denominação convencional.
O amor esplende em a Natureza, convidando à reflexão e ao trabalho como recursos preciosos de elevação e de felicidade.
Os percalços existenciais, os desafios e sofrimentos são conseqüências do não-amor, que geraram, no passado da criatura em processo de evolução, esses efeitos perturbadores, por meio dos quais se podem recuperar, volvendo ao equilíbrio e dando prosseguimento aos compromissos dignificadores.
Quem ama estua de felicidade, porque se encontra pleno de ternura e de compaixão, de fraternidade e de perdão.
Não espera fruir de imediato quaisquer resultados, apenas se coloca em posição de oferecer e de ajudar os outros no seu desempenho moral.
Enquanto se espera receber, trabalhando o programa evolutivo na base do auxílio que deve proceder de outrem, permanece-se em infância psicológica, em dependência lamentável.
Um coração rico de alegria de viver e uma estação mental que irradia beleza e paz, são as mais elevadas expressões do amor embutido no ser que se auto conquistou e expande-se na direção das demais criaturas.
O amor é um privilégio que deve ser conseguido com esforço e dedicação, porquanto a sua é uma resposta de incomparável bem-estar e de satisfação íntima incomum.
Somente pode entender-lhe todo o poder e sentir-lhe toda a grandeza aquele que se permitiu impregnar pela sua essência.
As pessoas lutam pela aquisição de coisas, pelas projeções sociais, pelo poder temporal, pela beleza física, pelas situações invejáveis, pensando que encontrarão a felicidade nesse ufanismo hedonista, para logo despertarem vazias de sentimentos, tediosas e amarguradas, solitárias e sofridas.
Os valores realmente positivos são aqueles que não pesam nem ocupam espaços materiais, mas que se restringem às dimensões emocionais livres de posse e de paixão.
São eles que trabalham em favor da felicidade real do indivíduo, porque nunca se perdem, jamais são roubados ou sofrem envelhecimento. Sempre atuais, são grandiosos, porque iluminam a vida.
Indague-se às pessoas que usam os favores existenciais, os que desfrutam dos bens terrenos, da alucinação do sexo, que têm atendidos os desejos de todo tipo, se estão felizes, e responderão que se encontram cansadas, entediadas, ansiosas por novas formas de prazeres.
O jogo dos interesses imediatistas que trabalham em favor do egoísmo e da vaidade, somente oferece desencanto, porque conduz a novas formulações de ansiedade e de desespero.
Quem nada tem atormenta-se pela falta, encarcerando-se na ambição da posse.
Quem muito tem inquieta-se pela abundância, aprisionando-se no medo da perda dos haveres. Outrossim; aflige-se para atingir o topo entre aqueles que lhe compartem as posições da fortuna, destacados nas revistas especializadas e invejados pela sociedade sofredora.
São os felizes na aparência e infelizes na realidade.
Se alguns tivessem coragem trocariam a situação de quase-miséria pela conquista da paz, amando. No entanto, preferem a amargura da situação desditosa, ambicionando o que talvez nunca venham a possuir.
Os outros, aqueles que possuem muito, se tivessem valor moral e força espiritual, permutariam, conforme às vezes pensam a abundância vazia pela lealdade do amor de alguém, da confiança irrestrita em outrem, do apoio emocional em algum coração desinteressado dos seus tesouros.
Só o amor consegue milagres desta natureza: enriquecer o pobre de dinheiro com alegria de viver e empobrecer o rico de moedas, tornando-o feliz com a paz de ser livre da prisão tormentosa.
Certamente essa é uma tarefa muito difícil de ser realizada, especialmente tendo-se em vista a cultura do poder terreno, da apresentação bem-cuidada de fora, das possibilidades de mando e de destaque que tanto deslumbram e desequilibram. Mas não é impossível, porque não são; poucos também aqueles que renunciaram a tudo ter, a fim de cada qual tornar-se uma pessoa integral.
Quando Francisco de Assis saiu a pregar a humildade, a renúncia, o amor; foram muitos os nobres, os ricos, os poderosos que abandonaram tudo e se lhe renderam emocionados, seguindo-lhe as pegadas por dedicação a Jesus e ao Seu Evangelho.
Clara, fascinada pelo verbo cândido do Pobrezinho de Assis, deixou o mundo de mentiras onde vivia e partiu na sua direção, pouco antes do matrimônio com um rico negociante, para vincular-se à Dama pobreza.
Outros há como Léon Tolstoi, que abdicou da fortuna para dar oportunidade aos seus irmãos camponeses que estorcegavam na miséria.
Luísa de Marillac, igualmente comovida com os exemplos de São Vicente de Paulo, libertou-se da abundância, para poder melhor servir a miséria, tocada profundamente pela palavra do apóstolo que apresentava Jesus nos seus atos.
Ainda hoje há muitos indivíduos que compreendem ser a felicidade algo conquistável por meio do amor e empenham-se pelo entregar-se-lhe totalmente.
Conveniente não confundir prazer e felicidade, gozo e plenitude.
Há prazeres saudáveis e singelos que abrem espaços para os gozos espirituais, pórtico de entrada da futura plenitude que se experimentará.
Os pequenos prazeres que não afadigam; que não perturba que somente propiciam bem-estar a quem os busca, como também aos outros, são os sinais da posterior felicidade que tomará conta do ser em caráter de totalidade.
Tudo, porém, sob a égide do amor.


[1] Fonte: Livro – Garimpo de Amor – ditado do Espírito Joana de Ângelis, psicografia de Divaldo Pereira Franco, Ed LEAL,

domingo, 5 de abril de 2020

Garimpo de Amor - Amor e produtividade


AMOR E PRODUTIVIDADE[1]

O amor é o feliz responsável pelos pensamentos humano superiores, aqueles que iluminam a criatura, dignificam a sociedade, fomentam o progresso; porque sem condenar, não limita o seu raio de ação, antes o amplia, envolvendo todos os seres sencientes em um só sentimento de fraternidade, sem olvidar as forças da Natureza.
Na cultura do desamor, da futilidade, do egoísmo, a criatura vale o que se atribui; o que possui, o que projeta despreocupada em ser melhor, mais tranquila, mais espiritual.
A sua é uma produtividade externa que afadiga; que estressa que mata. A preocupação pelo trabalho, pela produção em massa ou em qualidade, torna-se meta existencial, e a pessoa não dispõe, seja de tempo físico ou mental, para a sua realidade, Espírito que é, necessitado de nutrir-se de meditação, de momentos de solidão, de prece.
Quem se não utiliza desses incomparáveis recursos de alimentação da alma, aturde-se e mergulha no oceano dos conflitos, dos desajustes emocionais, das fugas da realidade, procurando soluções que, de maneira alguma, alcançam a finalidade a que se destinam.
Momentos de oração e de meditação diariamente, em especial pela manhã antes de iniciar-se a faina cotidiana, contribuem com segurança para os enfrentamentos que surgem durante as horas subseqüentes.
O mergulho nas atividades volumosas, desde os noticiários perturbadores em torno dos acontecimentos mundiais até o tumultuado trânsito, que conduz aos destinos escolares, de trabalho e mesmo de espairecimento, intoxica e desarmonizam as disposições internas, armando de mau humor as suas vítimas, que estorcegam em comportamentos ainda mais afligentes.
No trabalho, as lutas dos diversos grupos que disputam destaque e superação, uns com os outros, tornam o ambiente irrespirável, dando surgimento a condutas externas, hipócritas, destituídas de sentimentos de amor e de respeito.
Nas atividades educacionais, as reclamações salariais e as frustrações afetivas que descompensam, geram antipatias e animosidades que dividem as pessoas e as asfixiam nos comportamentos extravagantes ou destituídos de lealdade a que se entregam.
Raramente os triunfadores do mundo apresentam-se calmos, seguros de si mesmos, sofrendo a competição desenfreada, o medo de perderem o lugar no pódio, o culto da vaidade que se permitem. Irritadiços, desequilibram-se com facilidade, estereótipos programados, vivendo sem naturalidade e quase destituídos da própria identidade, porque se adaptaram aos padrões que facultam lucro e produtividade exterior, sem benefícios de natureza íntima.
Apresentam-se portadores de relacionamentos afetivos difíceis, e porque acostumados à bajulação, às mesuras, não experimentam a vibração da sinceridade que deflui da afeição espontânea e leal.
Quando retornam aos lares, mergulham nas leituras de periódicos que mais os deprimem ou se fixam a programas televisivos traumatizantes, ou fogem para os clubes e os bares onde encontram semelhantes inquietos que se estão escondendo no álcool, nas drogas químicas, na luxúria...
A produtividade de fora sem amor torna-se apenas cansaço e satisfação egóica.
O amor real produz empatia de alta significação em quem o conduz, assim como naquele para quem se dirige.
Conscientiza o ser a respeito das suas responsabilidades reais perante a vida, convidando ao mergulho no mundo íntimo, onde se refaz das refregas e recupera as energias gastas nas inevitáveis batalhas da evolução.
Fortalecido pelo tônico da afetividade, o indivíduo movimenta-se no trabalho, sem contaminar-se do morbo presente, com saúde e disposição de crescimento, sem pisotear outrem ou submeter-se aos seus caprichos danosos, por havê-los superado espontaneamente.
Não desejando a felicidade por meio da ruína daqueles que tombam na rampa do insucesso, vive em harmonia consigo mesmo e com o ambiente no qual se encontra.
O amor produz amor, mesmo quando não é percebido. Ninguém, no entanto, permanece imunizado contra o amor.
Partindo do centro, em ondas concêntricas, o amor faz-se cada vez mais abrangente, captando forças cósmicas que se lhe incorporam, por emanarem da Divina Providência.
Nesse ministério de crescimento e de produtividade superiores, brinda segurança interna e confiança irrestrita nos bons resultados de todos os empreendimentos, porque se assentam nas bases do dever e do respeito pelas demais criaturas que fazem parte da sua grande família.
Diluente do medo é portador do vigoroso tônico da coragem e da resistência ao mal que, no seu terreno, não encontra área para medrar.
Qual a produtividade do amor?
Vitória, sem dúvida, sobre o ego escravocrata, estímulos para repetir mil vezes qualquer experiência não exitosa com o entusiasmo da primeira tentativa, harmonia interior, alegria de viver, prazer de servir, trabalho sem enfado nem cansaço...
Aquilo que o desamor carrega na condição de fardo, que o utilitarismo ambiciona com sofreguidão, que o mau humor desenvolve com marasmo e desencanto, que a perversidade desdobra, a fim de comprazer-se na desdita alheia que produz, o amor transforma em página viva de entusiasmo, nunca permitindo a vigência desses fatores dissolventes nos seus quadros.
Graças ao amor de Deus os campos revestem-se de cor e de vida, o Sol irisa a Terra, as águas vitalizam, o ar sustenta as existências, tudo se renova se modifica sem cessar.
Através do amor das criaturas, as paisagens são transformadas em jardins, pomares, áreas alimentícias.
O agricultor, que saúda o amanhecer e dirige-se à terra que o aguarda, a fim de semear o pão, é co-criador com a Divindade que o gerou e o mantém destinado à glória e à plenitude.
Onde viceja o amor, a vida se multiplica ditosa, a produtividade do bem é imbatível, a alegria é insuperável.
Há, portanto, produtividade sem amor, como dever cansativo, que exaure, e é de superfície, e a do amor em profundidade, na infinita vertical da vida, gerando para a eternidade.
Por muito amardes – ensinou Jesus – todos os vossos pecados vos serão perdoados.
O amor produz perdão e paz inabalável, porque ajuda a recompor o que antes se encontrava destroçado, trabalhando em sublimidade a terra do coração.


[1] Fonte: Livro – Garimpo de Amor – ditado do Espírito Joana de Ângelis, psicografia de Divaldo Pereira Franco, Ed LEAL,

Garimpo de Amor - Amor e educação


AMOR E EDUCAÇÃO[1]
Educa-se para o amor, como dever inalienável para uma vida feliz.

A tradição egoística, que ainda permanece em muitos quadros da educação familial, transformou o amor em um recurso utilitarista, isto é, somente oferecê-lo quando se puder recebê-lo de volta ampliado e compensador.
Na maioria das vezes, por meio desse comportamento, arma-se o educando com desamor, a fim de que não seja explorado; não se transforme em um ingênuo, acreditando-se que o seu sentimento não poderá modificar as demais pessoas nem o mundo. Com essa ultrapassada conceituação, propõe-se a indiferença em relação ao próximo, que deve ser explorado, considerado descartável, de maneira a não lhe ser vítima, conforme se assevera, prejudicialmente, tem sempre acontecido.
Em conseqüência, a generosidade, a pouco e pouco, desaparece-lhe do convívio social desde a infância, quando se cultivam as tendências comodistas, personalista, em detrimento da solidariedade; dos interesses recíprocos que devem constituir a saudável comunhão social.
Nesse tipo de cultura os relacionamentos são baseados no lucro, naquilo de que cada um se pode beneficiar, na exploração do outro, embora as legislações de muitos países e incontáveis partidários dos direitos humanos se digam vinculados a não exploração do homem pelo homem. Essa exploração, é claro, não se encontra adstrita apenas ao trabalho convencional, mas também a qualquer maneira de depauperamento do outro a benefício pessoal, ao uso indevido dos recursos e valores alheios, ao benefício das afeições com objetivos interesseiros...
O amor adquire, então, a conotação infeliz de intercurso sexual destituído de compromisso e de responsabilidade, no qual, o outro, o parceiro que se afeiçoa, quando abandonado, o que sempre acontece, passa a experimentar dilaceração emocional.
Utilizado, mas não estimado ou ao menos valorizado, dele alguém se livra com indiferença, seguindo adiante até tornar-se vítima dos próprios atos, quando é, por sua vez, desprezada também.
A sociedade é o que dela fazem os seus membros.
Quando se cultivam respeito e dignidade, compreensão e solidariedade; temo-la feliz; no entanto, quando se lhe aplicam o relho e a soberba, a falsa superioridade e o despotismo, ei-la desditosa e anárquica.
O que se lhe semeia, facilmente medra e produz, assinalando-a de maneira irrefragável.
Uma cultura utilitarista é profundamente infeliz, porque ninguém pode viver sem o concurso de outrem, sem a participação do companheirismo que o dinheiro ou o poder jamais podem conquistar.
Pessoas compradas não têm nenhum significado emocional, pois que são trêfegas e traiçoeiras, mudando de situação e parceria conforme o prêmio que lhes é oferecido.
Somente o sentimento de amor possui o milagre de poder planificar, porquanto, independendo de preço, de condição; possui o, vigor da generosidade que enriquece o coração e refaz a lucidez do Espírito. Isso porque o amor procede de dentro, do âmago do ser, onde tem a sua origem divina, em razão da sua causalidade.
O amor é sempre generoso, possuidor das fortunas da bondade, do carinho, da compreensão, da compaixão que nele predomina o antídoto eficaz para a crueldade, a ignorância, o egoísmo, esses adversários cruéis da criatura humana.
Nos lares onde o amor escasseia, os sentimentos são controvertidos e a família se apresenta dissociada dos vínculos de união, cada um trabalhando para vencer na sua luta e superar o outro. O grupo familiar torna-se então acidente biológico, em cujo curso os pais se desincumbem do dever, que nem sempre se lhes apresenta como agradável, que é o de atender a prole e dela libertar-se quanto antes, a fim de viverem os prazeres que se reservam, considerando o tempo perdido que aplicaram, dizem, na assistência aos filhos.
Assistência, sim, porque nem sequer houve preocupação de amá-los, de educá-los, de prepará-los para a existência, instrumentalizando-os com os incomparáveis bens do Espírito: amor, respeito ao próximo, abnegação, compaixão.
Áridos emocionalmente; tornam-se insensíveis em relação às demais criaturas, pouco se importando quando as ocorrências inevitáveis do curso existencial alcançam aqueles que os geraram, aos quais decretam solidão, oferecendo assistência remunerada a distância, quando o fazem, nunca, porém doando-lhes afeto, pois que jamais o receberam.
O resultado nefasto dessa conduta não para aí, porquanto, por sua vez, tornam-se também genitores desapiedados, mal humorados, que reclamam de tudo quanto concedem no lar, considerando não haver possibilidade de próxima ou de remota retribuição, o que os aflige no seu desenfreado egotismo.
Esse comportamento espúrio que viceja em muitos setores da atualidade é responsável pela miséria moral, geradora daquelas de natureza social, econômica, emocional, estimuladora da agressividade e da violência, do ódio urbano e das paixões desabridas.
Entre as pessoas que possuem cultura, torna-se mais perversa essa conduta, porque ninguém pode ignorar os benefícios do amor que se recusa a dar e até mesmo a receber quando lhe é direcionado, em razão da sua filosofia pessimista.
Nas classes menos afortunadas sócio economicamente, o drama é mais doloroso, porque a ignorância que as insensibiliza é transferida para os descendentes em forma de ódio contra a sociedade, na qual respiram com dificuldade, estimulando a tomada pela força de tudo quanto lhes é negado pelo direito de cidadania e de humanidade.
O amor, no entanto, quando medra e é estimulado a desenvolver-se, amplia-se em generosidade que multiplica recursos, colocando-os à disposição de todos, com o que se alegram e se compensam afetivamente, dando surgimento à justiça social e ao trabalho edificante que os unem em clima de progresso.
O amor sempre avança na direção de outrem, iluminando-o, se jaz em sombras, ou fundindo a sua na luz que defronta, aumentando-a, desse modo, sem qualquer esforço.
O amor faz parte do programa de educação no lar e da grade escolar, orientando os impulsos que se devem transformar em sentimentos, os instintos que evoluirão para emoções, a aprendizagem que se encarregará de criar atos de afabilidade e de doçura, de reto dever em relação aos demais, produzindo bênçãos para aquele que assim se comporta.
Educam-se comportamentos, costumes e necessidades, que se fazem um compêndio de boas maneiras com as quais poGarimpo de Amor - Amor e educaçãode transitar equilibradamente nos diferentes setores e períodos da existência terrena.
Da mesma forma, educa-se para o amor como dever inalienável para uma vida feliz, permanecendo-lhe receptivo à manifestação que se expande ou à sua captação quando lhe é direcionado.
O hábito de amar é adquirido no lar, ampliando-se na escola, aplicando-se na vida social que se encontra na família, na convivência entre colegas, no comportamento fora dos limites domésticos e dos estabelecimentos de ensino.
Essa educação, porém, não deve ser formal, aquela que apenas transmite conhecimentos, mas sim a que se reveste de valores morais, que são de caráter imperecível, conforme a própria vida.
Onde há amor a vida se multiplica ditosa, a produtividade do bem é imbatível, a alegria é insuperável.




[1] Fonte: Livro – Garimpo de Amor – ditado do Espírito Joana de Ângelis, psicografia de Divaldo Pereira Franco, Ed LEAL,