Notava,
agora, a diferenciação do ambiente. Para nós outros, os desencarnados, a
atmosfera interior impregnava-se de elementos balsâmicos, regeneradores. Cá
fora, porém, o ar pesava. Acentuara-se-me, sobremaneira, a hipersensibilidade,
diante das emanações grosseiras da rua. As lâmpadas elétricas se semelhavam a globos
pequeninos, de luz muito pobre, isolados em sombra espessa.
Aspirando
as novas correntes de ar, observava a diferença indefinível.
O
oxigênio parecia tocado de magnetismo menos agradável.
Compreendi,
uma vez mais, a sublimidade da oração e do serviço da Espiritualidade superior,
na intimidade das criaturas.
A prece, a meditação elevada, o
pensamento edificante, refundem a atmosfera, purificando-a.
O
instrutor interrompeu-me as íntimas considerações, exclamando:
- A
modificação, evidentemente, é inexprimível. Entre as vibrações harmoniosas da
paisagem interior, iluminada pela oração, e a via pública, repleta de emanações
inferiores, há diferenças singulares. O pensamento elevado santifica a
atmosfera em torno e possui propriedades elétricas que o homem comum está longe
de imaginar. A rua, no entanto, é avelhantada repositório de vibrações antagônicas,
em meio de som brios materiais psíquicos e perigosas bactérias de varia da
procedência, em vista de a maioria dos transeuntes lançarem em circulação,
incessantemente, não só as colônias imensas de micróbios diversos, mas também
os maus pensamentos de toda ordem.
Enquanto ponderava
o ensinamento ouvido, reparei que muitos agrupamentos de entidades infelizes e
inquietas se postavam nas cercanias. Faziam-se ouvir, através das conversações
mais interessantes e pitorescas; todavia, desarrazoadas e impróprias, nas
menores expressões.
Alexandre
indicou-me pequeno grupo de desencarnados, que me pareceram em desequilíbrio
profundo, e falou:
- Aqueles
amigos constituem a coorte quase permanente dos nossos companheiros encarnados,
que voltam agora ao ninho doméstico.
- Quê? -
indaguei involuntariamente.
- Sim -
acrescentou o orientador cuidadoso, os infelizes não têm
permissão para ingressar aqui, em sessões especializadas, como a desta noite.
Nas reuniões dedicadas à assistência geral, podem comparecer. Hoje, entretanto,
necessitávamos socorrer os amigos para que o vampirismo de que são vítimas seja
atenuado em suas conseqüências prejudiciais.
Impressionou-me
a excelência de orientação. Tudo, naqueles trabalhos, obedecia à ordem
preestabelecida. Tudo estava calculado, programado, previsto.
- Agora -
prosseguiu Alexandre, bem humorado -, repare na saída de nossos colaboradores
terrestres. Observe a maneira pela qual voltam, instintivamente, aos braços das
entidades ignorantes que os exploram.
Fiquei
atento. Dispunham-se todos a deixar o recinto, tranqüilamente.
A porta,
junto de nós; começaram as despedidas entre eles: - Graças a Deus! - exclamou
uma senhora de maneiras delicadas - fizemos nossas preces em paz, com imenso
proveito.
- Como me
sinto melhor! - comentou uma das amigas mais idosas - a sessão foi um alívio.
Trazia o espírito sobrecarregado de preocupações, mas, agora, sinto-me
reconfortada, feliz. Acredito que me retiraram pesadas nuvens do coração.
Ouvindo as orações e partilhando as tentativas de desenvolvimento para o
serviço ao próximo, grande é o socorro que recebemos! Ah! Como Jesus é generoso.
Um
cavalheiro de porte distinto adiantou-se, observando:
- O
Espiritismo é o nosso conforto. Os compromissos que
temos são muito grandes, diante da verdade. E não é sem razão que o
Senhor nos colocou nas mãos a lâmpada sublime da fé. Em torno de nossos passos,
choram os sofredores, desviam-se os ignorantes no extenso caminho do mal. Dos
Céus chegam até nós ferramentas de trabalho. É necessário servir, intensamente,
transformando-nos em colaboradores fiéis da Revelação Nova!
-
Exatamente! - concordou uma das interlocutoras, comovida coma exortação - temos
grandes obrigações, não devemos perder tempo. A doutrina confortadora dos
Espíritos é o nosso tesouro de luz e consolação. Oh! Meus amigos; como
necessitamos trabalhar!
Jesus
chama-nos ao serviço, é imprescindível atender.
Reconhecendo
os característicos de gratidão e louvor da palestra, expressei sincera
admiração, exaltando a fidelidade dos cooperadores da casa. Demonstravam-se
fervorosos na fé, confiantes no futuro e interessados na extensão dos
benefícios divinos, considerando as dores e necessidades dos semelhantes.
Vendo-me
as expressões encomiásticas, Alexandre observou, sorrindo:
- Não se
impressione. O problema não é
de entusiasmo e sim de esforço persistente. Não podemos dispensar as
soluções vagarosas.
Raros
amigos conseguem guardar uniformidade de emoção e idealismo nas edificações
espirituais. Vai para nove anos, com algumas interrupções, que me encontro em
concurso ativo nesta casa e, mensalmente, vejo desfilar aqui as promessas novas
e os votos de serviço. Ao primeiro embate com as necessidades reais do
trabalho, reduzido número de companheiros permanece fiel à própria consciência.
Nas horas calmas, grandes louvores, nos momentos
difíceis, disfarçadas deserções, a pretexto de incompreensão alheia. Sou
forçado a dizer que, na maioria dos casos, nossos irmãos são prestativos e
caridosos como próximo, em se tratando das necessidades materiais, mas quase sempre
continuam sendo menos bons para si mesmos, por se esquecerem de aplicação da
luz evangélica à vida prática. Prometem excessivamente com as palavras;
todavia, operam pouco no campo dos sentimentos.
Com exceções, irritam-se ao primeiro
contacto com a luta mais áspera, após reafirmarem os mais sadios propósitos de
renovação e, comumente, voltando cada semana ao núcleo de preces, estão nas
mesmas condições, requisitando conforto e auxílio exterior. Não é com facilidade
que cumprem a promessa de cooperação com o Cristo, em si próprios, base
fundamental da verdadeira iluminação. Porque Alexandre silenciara, observei
atenciosamente os circunstantes. Ainda se achavam todos eles, os encarnados, irradiando
alegria e paz, colhidas na rápida convivência com os benfeitores invisíveis. Da
fronte de cada um, emanavam raios de espiritualidade surpreendente.
Num gesto
significativo, o instrutor esclareceu: - Eles
ainda se encontram sob as irradiações do banho de luz a que se submeteram, através
do serviço espiritual com a oração. Se
conseguissem manter semelhante estado mental, pondo em prática as regras de
perfeição que aprendem, comentam e ensinam fácil lhes seria atingir
positivamente o nível superior da vida; entretanto, André, como nós, que
em outros tempos fomos inexperientes e frágeis, eles, agora, ainda o são
também. Cada hábito menos digno, adquirido pela alma no curso incessante dos
séculos, funciona qual entidade viva, no universo de sentimentos de cada um de
nós, compelindo-nos às regiões perturbadas e oferecendo elementos de ligação
com os infelizes que se encontram em nível inferior.
Examine
os nossos amigos encarnados, com bastante atenção.
Contemplei-os
com interesse. Trocavam gentilmente as últimas saudações da noite, demonstrando
luminosa felicidade.
- Acompanhemos
o grupo, onde se encontra o nosso irmão mais fortemente atacado pelas
inquietações do sexo - Exclamou o orientador, proporcionando-me valiosa
experiência.
O rapaz,
em companhia de uma senhora idosa e de uma jovem, que logo percebi serem sua mãe
e irmã, punha-se de regresso ao lar.
Movimentamo-nos,
seguindo-os de perto. Alguns metros, além do recinto, onde se reuniam os
companheiros de luta, o ambiente geral da via pública tornava-se ainda mais
pesado.
Três
entidades de sombrio aspecto, absolutamente cegas para coma nossa presença, em
vista do baixo padrão vibratório de suas percepções acercaram-se do trio sob
nossa observação.
Encostou-se
uma delas à senhora idosa e, instantaneamente, reparei que a sua fronte se
tornava opaca, estranhamente obscura.
Seu
semblante modificou-se. Desapareceu-Lhe o júbilo irradiante, dando lugar aos
sinais de preocupação forte. Transfigurara-se de maneira completa.
- Oh!
Meus filhos - exclamou a genitora, que parecia paciente e bondosa -, por que
motivo somos tão diferentes no decurso do trabalho espiritual? Quisera possuir,
ao retirar-me de nossas orações coletivas, o mesmo bom ânimo, a mesma paz
íntima. Isso, porém, não acontece. Ao retomar o caminho da luta prática, sinto que
a essência das preleções evangélicas persevera dentro de mim, mas de modo vago,
sem aquela nitidez dos primeiros minutos.
Esforço-me
sinceramente para manter a continuação do mesmo estado d’alma; entretanto, algo
me falta, que não sei definir com precisão.
Nesse
momento, as duas outras entidades, que ainda se mantinham distanciadas,
agarraram-se comodamente aos braços do rapaz, que ofereceu aos meus olhos o
mesmo fenômeno. Embaciou-se-lhe a claridade mental e duas rugas de aflição e
desalento vincaram-Lhe as faces, que perderam aquele halo de alegria luminosa e
confiante. Foi então que ele respondeu, em voz pausada e triste:
-
É verdade, mamãe. Enormes são as nossas imperfeições.Creia que a minha situação
é pior. A senhora experimenta ansiedade, amargura, melancolia... É bem pouco
para quem, como eu, me sente vítima dos maus pensamentos. Casei-me ha menos de oito
meses e, não obstante o devotamento de minha esposa; tenho o coração, por
vezes, repleto de tentações descabidas. Pergunto a mim mesmo a razão de tais
idéias estranhas e, francamente, não posso responder. A invencível atração para
os ambientes malignos confunde-me o espírito, que sinto inclinado ao bem e à
retidão de proceder.
- Quem
sabe, mano, está você sob a influenciação de entidades menos esclarecidas? -
considerou a jovem, com boas maneiras.
- Sim -
suspirou o rapaz -, por isso mesmo, venho tentando o desenvolvimento da
mediunidade, a fim de localizar a causa de semelhante situação.
Nesse
instante, o orientador murmurou desveladamente: - Ajudemos a este amigo através
da conversação. Sem perda de tempo, colocou a destra na fronte da menina,
mantendo-a sob vigoroso influxo magnético e transmitindo-lhe suas idéias
generosas.
Reparei
que aquela mão protetora, ao tocar os cabelos encaracolados da jovem, expedia
luminosas chispas, somente perceptíveis ao meu olhar. A menina; a seu turno
pareceu mais nobre e mais digna em sua expressão quase infantil e respondeu
firmemente:
- Neste
caso, concordo em que o
desenvolvimento mediúnico deve ser a última solução, porque antes de
enfrentar os inimigos, filhos da ignorância, deveríamos armar o coração com a
luz do amor e da sabedoria.
Se você
descobrisse perseguidores invisíveis, em torno de suas atividades, como
beneficiá-los cristãmente, sem a necessária preparação espiritual?
A reação educativa
contra o mal é sempre um dever nosso, mas antes de cogitar dum desenvolvimento psíquico,
que seria talvez prematuro, deveremos procurar a elevação de nossas idéias e
sentimentos. Não poderíamos contar com uma boa mediunidade sem a consolidação
dos nossos bons propósitos; e para sermos úteis, nos reinos do Espírito, cabe-nos
aprender, em primeiro lugar, a viver espiritualmente, embora estejamos ainda na
carne.
A
resposta, que constituíra para mim valiosa surpresa, não provocou maior
interesse em ambos os interlocutores, quase neutralizados pela atuação dos
vampiros habituais.
Mãe e
filho deixavam perceber funda contrariedade, em face das definições ouvidas. A
palavra da menina, cheia de verdadeira luz, desconcertava-os.
- Não tem
você bastante idade, minha filha - exclamou, contrafeita, a velha genitora -,
não pode, pois, opinar neste assunto.
E como
boa cultivadora de sofrimentos antigos, acentuou:
- Quando
você atravessar os caminhos que meus pés já cruzaram, quando vierem às
desilusões sem esperança, então observará como é difícil manter a paz e a luz
no coração!
- E se
algum dia - falou o rapaz, melancólico – experimentar as lutas que já conheço,
verá que tenho motivos de queixa contra a sorte e que não me sobram outros
recursos senão permanecer no círculo das indecisões que me assaltam. Faço
quanto posso por desvencilhar-me das idéias sombrias e vivo a combater
inesperadas tentações; no entanto, sinto-me longe da libertação espiritual necessária.
Não me falta vontade, mas...
Alexandre,
que havia retirado a destra de sobre a fronte da jovem, informou, atendendo-me
à perplexidade:
- O amigo
que se uniu à nossa irmã foi seu marido terrestre, homem que não desenvolveu as
possibilidades espirituais e que viveu em tremendo egoísmo doméstico. Quanto
aos dois infelizes, que se apegam tão fortemente ao rapaz, são dois
companheiros, ignorantes e perturbados, que ele adquiriu em contacto com o meretrício.
Diante do
meu espanto, o instrutor prosseguiu, explicando:
- O
ex-esposo não concebeu o matrimônio senão como união corporal para atender
conveniências vulgares da experiência humana e, em vista de haver passado o
tempo de aprendizado terreno sem ideais enobrecedores, interessados em fruir
todas as gratificações dos sentidos, não se sente com bastante força para abandonar
o círculo doméstico, onde a companheira, por sua vez, somente agora, depois da
desencarnação dele, começa a preocupar-se com os problemas concernentes à vida
espiritual. Quanto ao rapaz, de leviandade em leviandade, criou fortes laços
com certas entidades ainda atoladas no pântano de sensações do meretrício, das
quais se destacam, por mais perseverantes, as duas criaturas que ora se lhe
agarram, quase que integralmente sintonizadas com o seu campo de magnetismo
pessoal. O pobrezinho não se apercebeu dos perigos que o defrontavam, e
tornou-se a presa inconsciente de afeiçoados que Lhe são invisíveis, tão fracos
e viciados quanto ele próprio.
- E não
haverá recurso para libertá-los? Indaguei, emocionado.
O
orientador sorriu paternalmente e considerou: - Mas quem deverá romper as
algemas, senão eles mesmos? Nunca lhes faltou o auxílio exterior de nossa
amizade permanente; no entanto, eles próprios alimentam-se uns aos outros, no
terreno das sensações sutis, absolutamente imponderáveis para os que lhes não
possam sondar o mecanismo íntimo. É inegável que procuram, agora, os elementos
de libertação. Aproximam-se da fonte de esclarecimento elevado, sentem-se
cansados da situação e experimentam, efetivamente, o desejo de vida nova;
contudo, esse desejo é mais dos lábios que do coração, por constituir aspiração
muito vaga, quase nula. Se,
de fato, cultivassem a resolução positiva, transformariam suas forças pessoais,
tornando-as determinantes, no domínio da ação regeneradora. Esperam, porém, por
milagres inadmissíveis e renunciam às energias próprias, únicas alavancas da
realização.
- Mas não
poderíamos provocar a retirada dos vampiros inconscientes? - perguntei.
- Os
interessados - explicou Alexandre, a sorrir - forçariam, por sua vez, à volta
deles. Já se fez a tentativa que você lembrou, no propósito de beneficiá-los.
De modo indireto, mas a nossa irmã se declarou demasiadamente saudosa do
companheiro e o nosso amigo afirmou, intimamente, sentir-se menos homem,
levando humildade à conta de covardia e tomando o desapego aos impulsos inferiores
por tédio destruidor. Tanto expediram reclamações mentais que as suas
atividades interiores constituíram verdadeiras invocações, e, em vista do
vigoroso magnetismo do desejo constantemente alimentado, agregaram-se-lhes, de
novo, os companheiros infelizes.
- Mas
vivem assim imantados uns aos outros, em todos os lugares? - indaguei.
- Quase
sempre. Satisfaz-se, mutuamente, na permuta contínua das emoções e impressões
mais íntimas.
Preocupado
em fazer algum bem, ponderei:
- Quem
sabe poderíamos conduzir estas entidades ao devido fortalecimento? Não será
razoável doutriná-las, incentivando-as ao equilíbrio e ao respeito próprio?
-
Semelhante recurso - falou Alexandre, complacente – não foi esquecido. Essa
providência vem sendo efetuada com a perseverança e o método precisos. Todavia, tratando-se de um caso em que os
encarnados se converteram em poderosos ímãs de atração, a medida exige
tempo e tolerância fraternal. Temos grande número de trabalhadores, consagrados
a esse mister, em nosso plano, e aguardamos que a semeadura de ensinamentos dê
seus frutos. De qual quer modo, esteja convicto de que toda a assistência tem
sido prestada aos amigos sob nossa observação. Se ainda não avançaram, todos
eles, no terreno da espiritualidade elevada, isto só se verifica em razão da
fraqueza e da ignorância a que vivem voluntariamente escravizados. Colhem o que semeiam.
Nesse
instante, fixamos novamente a atenção na palestra que se desdobrava:
- Faço o
que posso - repetia o rapaz, em desalento -, entretanto, não consigo obter a
tranqüilidade interior.
- Ocorre
comigo o mesmo fato - observava a genitora, em tom triste. - Minhas únicas
melhoras se verificam por ocasião de nossas preces coletivas. Em seguida, as
piores emoções me assaltam o espírito. Vivo sem paz, sem apoio. Oh! Meus
filhos, é cruel rolar assim, pelo mundo, como náufrago sem orientação!
-
Compreendo-a, mamãe - tornou o filho, como que satisfeito por alimentar as
impressões nocivas que lhe ocupavam a mente -, compreendo-a, porque as
tentações me transformam a vida num cipoal de sombras espessas. Não sei mais
que fazer para resistir aos pensamentos amargos. Ai de nós, se o Espiritismo
não houvesse chegado aos nossos destinos como sagrada fonte de sublimes consolações!
Nesse momento,
Alexandre colocou novamente a destra sobre a fronte da jovem, que Lhe traduziu
o pensamento, em tom de respeito e carinho:
-
Concordo em que o Espiritismo é nosso manancial de consolo, mas não posso
esquecer que temos na Doutrina a bendita escola de preparação. Se permanecermos
arraigados às exigências de conforto, talvez venhamos a olvidar as obrigações
do trabalho.
Creio que
os instrutores da verdade espiritual desejam, antes de tudo, a nossa renovação
íntima, para a vida superior. Se apenas buscarmos consolação, sem adquirir fortaleza, não passaremos
de crianças espirituais.
Se
procurarmos a companhia de orientadores benevolentes, tão-só para o gozo de
vantagens pessoais, onde estará o aprendizado?
Acaso não
permanecemos aqui na Terra, em lição?
Teríamos
recebido o corpo, ao renascer, apenas para repousar?
É
incrível que os nossos amigos da esfera superior nos venham suprimir a
possibilidade de caminhar por nós mesmos, usando os próprios pés. Naturalmente,
não nos querem os benfeitores do Além para eternos necessitados da casa de Deus
e, sim, para companheiros dos gloriosos serviços do bem, tão generosos, fortes,
sábios e felizes quanto eles já o são. E modificando a inflexão de voz,
desejosa de demonstrar a ternura filial que lhe vibrava n’alma, acentuou:
- Mamãe
sabe como lhe quero bem, mas alguma coisa, no fundo da consciência, não me
permite comentar as nossas necessidades senão assim, ajustando-me aos elevados
ensinamentos que a Doutrina nos gravou no coração. Não posso compreender Cristianismo
sem a nossa integração prática nos exemplos do Cristo.
Em
virtude de o instrutor haver interrompido a operação magnética e porque me
encontrasse perplexo ante a facilidade com que a menina lhe recebia os
pensamentos, quando observara tanta complexidade nos serviços de psicografia,
expus ao orientador amigo as indagações que me assaltavam o espírito.
Sem
titubear, Alexandre explicou:
- Aqui,
André, observa você o trabalho simples da transmissão mental
e não pode esquecer que o intercâmbio do pensamento é movimento livre no
Universo. Desencarnados e encarnados, em todos os setores de atividade
terrestre, vivem na mais ampla permuta de idéias. Cada mente é um verdadeiro
mundo de emissão e recepção e cada qual atrai os que se lhe assemelham. Os
tristes agradam aos tristes, os ignorantes se reúnem, os criminosos comungam a
mesma esfera, os bons estabelecem laços recíprocos de trabalho e realização.
Aqui temos o fenômeno intuitivo, que, com maior ou menor intensidade, é comum a
todas as criaturas, não só no plano construtivo, mas também no círculo de
expressões menos elevadas. Temos, sob nossos olhos, uma velha irmã e seu filho
maior; completamente ambientados na exploração inferior de amigos
desencarnados, presas de ignorância e enfermidade, estabelecendo perfeito
comércio de vibrações inferiores.
Falam sob
a determinação direta dos vampiros infelizes, transformados em hóspedes
efetivos do continente de suas possibilidades fisicopsíquicas.
Permanece
também sob nossa análise uma jovem que, presentemente, atingiu dezesseis anos
de nova existência terrestre.
Suas
disposições, contudo, são bastante diversas. Ela consegue receber nossos
pensamentos e traduzi-los em linguagem edificante.
Não está
propriamente em serviço técnico da mediunidade, mas no abençoado trabalho de
espiritualização.
E
indicando a mocinha, cercada de maravilhoso halo de luz, acrescentou:
-
Conserva, ainda, o seu vaso orgânico na mesma pureza com que o recebeu dos
benfeitores que lhe prepararam a presente reencarnação. Ainda não foi conduzida
ao plano de emoções mais fortes, e as suas possibilidades de recepção, no
domínio intuitivo, conservam-se claras e maleáveis. Suas células ainda se
encontram absolutamente livres de influências tóxicas; seus órgãos vocais, por
enquanto, não foram viciados pela maledicência, pela revolta, pela hipocrisia;
seus centros de sensibilidade não sofreram desvios, até agora; seu sistema
nervoso goza de harmonia invejável, e o seu coração, envolvido em bons
sentimentos, comunga com a beleza das verdades eternas, através da crença
sincera e consoladora.
E, além
disso, não tendo débitos muito graves do pretérito, condição que a isenta do
contacto com as entidades perversas que se movimentam na sombra, pode refletir
com exatidão os nossos pensamentos mais íntimos. Vivendo muito mais pelo
espírito, nas atuais condições em que se encontra, basta a permuta magnética para
que nos traduza as idéias essenciais.
- Isto
significa - perguntei - que esta jovem é bastante pura e que continuará com
semelhantes facilidades, em toda a existência?
Alexandre
sorriu e observou:
- Não
tanto. Ela ainda conserva os benefícios que trouxe do plano espiritual e as
cartas da felicidade ainda permanecem em suas mãos para extrair as melhores
vantagens no jogo da vida, mas dependerá dela o ganhar ou perder, futuramente.
A consciência é livre.
- Então -
continuei perguntando - não seria difícil prepararem-se todas as criaturas para
receberem a influenciação superior?
- De modo
algum - esclareceu ele - todas as almas retas, dentro do espírito de serviço e
de equilíbrio, podem comungar perfeitamente com os mensageiros divinos e
receber-lhes os programas de trabalho e iluminação, independentemente
da técnica do mediunismo que, presentemente, se desenvolve no mundo.
Não há privilegiado
na Criação. Existem, sim, os trabalhadores fiéis, compensados
com justiça, seja onde for.
Fortemente
emocionado com as observações ouvidas, senti que o meu pensamento se perdia num
mar de novas e abençoadas ilações.