domingo, 19 de julho de 2020

2º ESTUDO DA MEDIUNIDADE - Cartão de Visita








1º ESTUDO DA MEDIUNIDADE - Num século de Espiritismo











9º ESTUDO DA MEDIUNIDADE - No campo doutrinário









10º ESTUDO DA MEDIUNIDADE - Em tarefa Espírita








POR AMOR A JESUS

POR AMOR A JESUS[1]

 

O dia fora estafante.

As atividades da Casa tiveram início pela Alva com a leva de enfermos, que chegaram, suplicando ajuda, e terminaram, noite adentro, com alguns obsidiados que renteavam com a loucura e foram deixados à porta, ao relento...

Aquela era a quadra ardente do verão e a temperatura morna; amolentava mesmo as resistências mais vigorosas.

Conhecida na cidade e nos arredores como o albergue do amor e o recinto da esperança, para a “Casa do Caminho” afluíam os desafortunados de todos os matizes.

Não obstante a escassez de cooperadores, as pessoas não tinham pejo em descarregar sobre os ombros cansados dos operários de Jesus todas as cruzes e problemas que encontravam, encaminhando-lhes os aflitos e necessitados em grupos que se sucediam como ondas contínuas do mar.. .

Sempre haverá esse comportamento entre os homens.

Os desobrigados com os compromissos da solidariedade encaminharão para os lidadores da ação extenuantes novas contribuições de sofrimentos, indiferentes à angústia e ao cansaço dos que se empenham em minimizar a problemática humana.

Aquela temporada se assinalava pelas dores gerais: criancinhas órfãs e velhinhos desvalidos, enfermos e alienados de vário porte chegavam a cada hora, valendo-se dos recursos do amor, da caridade e da abnegação de Pedro, que jamais se escusava.

Somando penas aos trabalhos exaustivos, sem repouso, medravam, aqui e ali, suspeitas infundadas, incompreensões injustificáveis se instalavam entre os poucos colaboradores do “velho pescador”.

Não raro, o amigo dos infelizes sentia-se quase a sós, para atender ao grande número de necessitados ali albergados e aos sucessivos grupos que diariamente rogavam apoio e recolhimento.

Este companheiro admoestava o discípulo, acusando-o de abuso da caridade; aquele o censurava às claras pelo tempo aplicado na assistência aos leprosos, que, segundo ele, deveriam ser liminarmente arrojados à morte, no “vale dos imundos”, em Jerusalém; outros se queixavam da falta de oportunidade para os largos diálogos evangélicos porque Simão estava sempre a braços com os trabalhos cansativos; por fim, afirmavam diversos, que a Casa não sobreviveria, naquelas condições, considerando a possibilidade de as autoridades do Cinéreo mandar fechá-la, por albergar mulheres de vida equivocada, publicamente conhecidas...

Simão ouvia as insinuações malevas, as ingratidões e os sarcasmos indisfarçados em silêncio.

Alguns o tinham na conta de covarde e demonstravam conhecer-lhe a fraqueza das negações.

Pessoas amigas não ocultavam o desagrado ante a programação pesada que o companheiro de Jesus se impunha, convidando sem palavras os demais obreiros à dilatação das forças e da ação na caridade.

Era como se a inconsciência e a irresponsabilidade conspirassem contra o bem, na Casa dedicada ao bem geral.

O apóstolo abnegado, todavia, não se deixava contaminar pelos vapores tóxicos da intriga nem das conversações malsãs.

À medida, porém, que o desgaste físico e mental lhe minava as forças, foi acolhendo, sem o perceber, o vírus do desânimo.

Anotava, aqui e ali, mal-estar, e percebia-se imensamente saudoso da companhia do Mestre, que muito anelava por voltar a fruir.

Quando se fez silêncio nos largos pavilhões humildes onde a dor encontrava lenitivo e as vozes do aturdimento obsessivo silenciaram, Simão assentou-se sob a sombra de vetusta figueira brava esparramada pelo pátio interno da “Casa do Caminho” e recolheu-se em meditação e prece.

A noite agradável fizera-se um álbum natural de recordações.

O discípulo dedicado repassou, mentalmente, as cenas da sua convivência com Jesus desde o primeiro encontro até ao último contato. . .

Parecia-lhe que as evocações se corporificavam, concedendo-lhe nítidas lembranças que lhe orvalhavam os olhos reiteradas vezes.

Constatava, na saudade e na emoção, o quanto amava àquele Amigo!

É certo que Lhe daria a vida.

Não saberia explicar ainda o motivo da fraqueza que o martirizava. . .

Não saíra das últimas recordações em torno do momento da ascensão, quando viu Jesus, transparente e belo, à sua frente.

Desejou traduzir a felicidade daquela hora, explodindo de júbilos, mas o suave e tranqüilo olhar do Amigo que o penetrou, dulcificou-o por dentro, harmonizando-o.

Passado o primeiro instante, e porque não desejasse malbaratar a oportunidade excepcional, Pedro recordou-se das últimas dificuldades experimentadas no trabalho e expô-las em breves palavras, concluindo, entristecido:

— Não são os estranhos, Senhor; a criarem-me impedimentos para o labor crescente, mas, os amigos, os cooperadores...

E desejando dar maior ênfase aos problemas, arrematou:

— Quando a perseguição vem de fora, dos que nos não conhecem, é mais fácil compreendê-los e desculpá-los, porém quando decorre daqueles que vivem conosco e participam da nossa fé, do nosso ideal...

Não conseguiu terminar a frase, porque a voz ficou estrangulada na garganta túrgida.

O Senhor, compreendendo as lutas do discípulo querido, interrogou:

— Pedro, que era o vaso delicado, antes de tomar forma?

— Argila comum, Senhor — respondeu, presto, o interlocutor.

— E a estátua perfeita, — volveu o Mestre — antes do esforço e da dedicação do artista?

— Pedra bruta, Mestre — apressou-se, Simão em responder.

— Tens razão, amigo — aduziu Jesus. — Sem o trabalho consciente nem a arte do oleiro o vaso não se teria formado, permanecendo perdido no barro úmido. . . Não fossem a paciência e a habilidade do escultor, a estátua que dormia na pedra grosseira lá permaneceria sem qualquer beleza ou utilidade.

Fazendo breve pausa, o Mestre prosseguiu:

— Os homens, à semelhança da argila sem forma ou pedra grosseira, aguardam que os cultores dos nobres ideais lhes plasmem beleza e forma, delicadeza e utilidade, vencendo as suas resistências a golpes de paciência, perseverança e fé, até que colimem os objetivos para os quais foram criados pelo Pai.

“Relegá-los à própria ignorância, seria condená-los à inutilidade. Cumpre-nos compreender-lhes a situação, o degrau em que estagiam, no processo da evolução, e ampará-los, mesmo que se neguem às nossas mãos plasmadoras de formas e cultivadoras de bênçãos.

“Além disso, convém considerar que eles são hoje, o que já foste ontem. O tempo e o amor divino cuidaram de ti, através de outros que te alcançaram, cabendo-te, agora, a tarefa de cuidar deles, a fim de que cheguem até onde te encontras...”

Dando margem a que o ouvinte penetrasse o conteúdo profundo das suas palavras, o Senhor silenciou, para logo concluir:

— Se não exercitamos o amor e a caridade com aqueles com quem convivemos, como provaremos os próprios valores, quando chamados a tolerar e a suportar os que nos são desconhecidos?

“Se não nos for possível perseverar com os que jazem no desânimo e nos dificultam a marcha, qual será o nosso comportamento em relação aos que se obstinam contra os nossos propósitos?

“É necessário modificar a visão, diante dos corações e mentes enfermos que constituem os nossos amigos, que gostaríamos se encontrassem em outra situação evolutiva, portanto, de entendimento.

“Auxiliemos, desse modo, aos ingratos ao nosso lado e aos difíceis para conosco, e treinar-nos-emos para os cometimentos mais graves, que nos aguardam no futuro, precedendo à nossa libertação gloriosa.”

Calou-se o Sublime Benfeitor e diluiu-se na noite varrida por leve, perfumada brisa do vale próximo, salpicada de astros fulgurantes.

Simão Pedro compreendeu a mensagem oportuna, levantou-se, e, a partir dali, jamais se permitiu desânimo ou queixa, compreendendo os companheiros da retaguarda da evolução, porém cumprindo com o seu dever até o momento da sua crucificação de cabeça para baixo, em Roma, anos mais tarde, por integral amor a Jesus.



[1] Fonte: Livro – Há flores no caminho – ditado do Espírito Amélia Rodrigues, psicografia de Divaldo Pereira Franco, Ed LEAL, 3.“ edição Capitulo 6


domingo, 5 de julho de 2020

Missionário da Luz - PREPARAÇÃO DE EXPERIÊNCIAS


PREPARAÇÃO DE EXPERIÊNCIAS[1]

Dispúnhamos-nos, Alexandre e eu, a regressar à nossa sede espiritual de trabalho, quando o orientador foi procurado por um companheiro de elevada expressão hierárquica, que me saudou igualmente, demonstrando grande apreço e carinho.

- Serei breve - disse ele ao meu instrutor, que o atendia, solícito -, o tempo não me permite longas conversações.

E, modificando a expressão fisionômica, acentuou:

- Lembra-se de Segismundo, nosso velho amigo?

- Como não? - Redarguiu o interpelado ambos lhe devemos significativos favores de outro tempo.

- Pois bem - tornou o visitante -. Segismundo necessita colaboração urgente. Reconheço que você não é especialista em trabalhos referentes à reencarnação. No entanto, sinto-me compelido a recorrer ao concurso dos amigos.

O novo companheiro fez pequeno intervalo e continuou:

- Não se esqueceu você de que o nosso amigo, não obstante os rasgos de generosidade, assumiu compromissos muito sérios no passado?

- Sim, sim - respondeu o orientador -, o drama dele vive ainda em nossa memória.

- Segismundo, presentemente - prosseguiu o outro -, voltará ao rio da vida física. A situação assim o exige e não devemos perder a oportunidade de encaminhá-lo ao necessário resgate.

Segundo está informado, Raquel, a pobre criatura que ele desviou, em nossa época de laços afetivos mais fortes, e Adelino, o infeliz marido que o nosso irmão assassinou em lamentável competição armada; já se encontram na Crosta desde muito e, há quatro anos, religaram-se nos elos do matrimônio. Tudo está preparado a fim de que Segismundo regresse à companhia da vítima e do inimigo do pretérito, no sentido de santificar o coração. Será ele, de conformidade com a permissão de nossos Maiores, o segundo filhinho do casal. Todavia, estamos lutando com grandes dificuldades para localizá-lo. Infelizmente, Adelino, que lhe será o futuro pai transitório, repele-o com calor, tão logo surgem as horas de sono físico, trabalhando contra os nossos melhores propósitos de harmonização.

Em vista disso, o trabalho preparatório da nova experiência tem sido muito moroso e desagradável.

- E Segismundo? - indagou o mentor, preocupado - qual a sua atitude dominante? Herculano, o mensageiro que nos visitava, informou com fraternal interesse:

- A princípio, animava-se da melhor esperança. Agora, porém, que o rival antigo lhe oferece pensamentos de ódio e ciúme, olvidando compromissos assumidos em nossa esfera de ação, sente-se novamente desventurado e sem forças para reparar o mal.

De outras vezes, enche-se-lhe a tristeza de profunda revolta e, nesse estado negativo, subtrai-se à nossa cooperação eficiente.

O visitante fez ligeira pausa e acrescentou, com inflexão de rogativa:

- Não poderá você ajudar-nos nesse difícil processo de reencarnação?

Lembro-me de que sua amizade dividia-se entre ambos.

Quem sabe se a sua intervenção afetuosa conseguiria convencer Adelino?

- Conte comigo - redarguiu o orientador, atenciosamente -, farei quanto estiver em minhas possibilidades para que não se perca o ensejo em vista.

Ante o sorriso de satisfação do outro, Alexandre concluiu:

- Na próxima semana, estarei a seu lado para conversar espiritualmente com Adelino e solucionar o problema da reaproximação.

Estejamos confiantes no auxílio divino.

Herculano agradeceu e despediu-se comovidamente.

A sós com o mentor devotado e amigo, comecei a meditar na possibilidade de contribuir igualmente no caso que se me deparava.

Nunca tivera oportunidade de acompanhar, de perto, um processo de reencarnação, estudando os ascendentes espirituais nas questões da embriologia. Não seria interessante, para mim, utilizar a experiência? Nesse propósito, dirigi-me ao instrutor, sem falar, porém, da minha pretensão em sentido direto:

- Notável para mim a solicitação de hoje - exclamei. – Longe estava de pensar, no mundo, na multiplicidade de tarefas atribuídas aos benfeitores e missionários desencarnados. A extensão do serviço em nosso campo de ação assombraria a qualquer mortal.

- Sem dúvida - respondeu o mentor, atencioso -, os trabalhos se desdobram em todas as direções. O pedido de Herculano vem focalizar um dos mais importantes problemas da felicidade humana:

o da aproximação fraternal, do perdão recíproco, da semeadura do amor, através da lei reencarnacionistas.

Alexandre meditou alguns momentos e continuou:

- O caso é típico. O drama de Segismundo é demasiadamente complexo para ser comentado em poucas palavras. Basta, todavia, recordar que ele, Adelino e Raquel são os protagonistas culminantes de dolorosa tragédia, ocorrida ao tempo de minha última peregrinação pela Crosta. Em seguida a uma paixão desvairada, Adelino foi vítima de homicídio; Segismundo, do crime; e Raquel, do prostíbulo. Desencarnaram cada um por sua vez, sob intensa vibração de ódio e desesperação, padecendo vários anos, em zonas inferiores. Mais tarde, por intercessão de amigos redimidos, os antigos cônjuges obtiveram a volta ao corpo físico, a fim de santificarem os laços sentimentais e se reaproximarem dos antigos adversários. Mas, como acontece quase sempre; os heróis na promessa fraquejam na realização, porque se apegam muito mais aos próprios desejos que à compreensão da Vontade Divina. De posse dos bens da vida física, nega-se Adelino a perdoar, recapitulando erradamente as lições do passado. Antes mesmo da reencarnação do antigo transviado, já se manifesta contrário a qualquer auxílio. Sempre o velho círculo vicioso - quando fora da oportunidade bendita de trabalho terrestre e vendo a extensão das próprias necessidades, desvela-se o companheiro em prometer fidelidade e realização, mas, logo que se apossa do tesouro do corpo físico, volta ao endurecimento espiritual e ao menosprezo das leis de Deus.

Calou-se o mentor, por alguns instantes, acentuando em seguida:

- Buscarei, porém, chamá-los à recordação dos compromissos.

Neste ínterim, entendendo que a oportunidade era preciosa, solicitei:

- Ser-me-ia possível acompanhá-lo? Creio que aproveitaria muito. Poderia talvez adquirir valores significativos para o serviço do próximo e para meu benefício pessoal. Ignoro até quando me será permitido estudar em sua companhia e estimarei o aproveitamento integral de semelhante oportunidade.

Alexandre sorriu compassivo, e falou:

- Não tenho objeções. Entretanto, não creio deva seguir os trabalhos sem algum conhecimento prévio do assunto. Em toda edificação verdadeiramente útil, não podemos prescindir da base.

Temos bons amigos no Planejamento de Reencarnações, serviço muito importante em nossa colônia espiritual, diretamente relacionado com as atividades do Esclarecimento. Nessa instituição durante alguns dias, você terá uma ideia aproximada de nossa tarefa, porta adentra de semelhantes trabalhos. Grande percentagem de reencarnações na Crosta se processa em moldes padronizados para todos, no campo de manifestações puramente evolutivas.

Mas outra percentagem não obedece ao mesmo programa.

Elevando-se a alma em cultura e conhecimentos, e, conseqüentemente, em responsabilidade, o processo reencarnacionistas individual é mais complexo, fugindo à expressão geral, como é lógico.

Em vista disso, as colônias espirituais mais elevadas mantêm serviços especiais para a reencarnação de trabalhadores e missionários.

As explicações eram sedutoras e relevantes e, compreendendo a importância dos esclarecimentos para meu pobre espírito, Alexandre continuou:

- Quando me refiro a trabalhadores, falo dos companheiros não completamente bons e redimidos, mas daqueles que apresentam maior soma de qualidades superiores, a caminho da vitória plena sobre as condições e manifestações grosseiras da vida. Em geral, como acontece a nós outros, são entidades em débito, mas com valores de boa Vontade, perseverança e sinceridade, que lhes outorgam o direito de influir sobre os fatores de sua reencarnação, escapando, de certo modo, ao padrão geral. Claro que nem sempre tais alterações se verificam em condições agradáveis para a experiência futura. Os serviços de retificação representam tarefas enormes.

E desejando imprimir fortemente em meu espírito a noção da responsabilidade, o instrutor prosseguiu, tornando mais grave à inflexão da voz: - O problema da queda é também uma questão de aprendizado e o mal indica posição de desequilíbrio, exigindo restauração e corrigenda. A evolução confere-nos poder, mas gastamos muito tempo, aprendendo a utilizar esse poder harmonicamente.

A racionalidade oferece campo seguro aos nossos conhecimentos; entretanto, André, quase todos nós, trabalhadores da Terra, nos demoramos séculos no serviço de iluminação íntima, porque não basta adquirir idéias e possibilidades, é preciso ser responsável, e nem é justo tenhamos tão-somente a informação do raciocínio, mas também a luz do amor.

- Daí as lutas sucessivas em continuadas reencarnações da alma! - exclamei vivamente impressionado.

- Sim - continuou meu amável interlocutor -, temos necessidade da luta que corrige, renova, restaura e aperfeiçoa. A reencarnação é o meio, a educação divina é o fim. Por isso mesmo, a par de milhões de semelhantes nossos que evolvem, existem milhões que se reeducam em determinados setores do sentimento, porquanto, se já possuem certos valores da vida, faltam-lhes outros não menos importantes.

Identificando-me a dificuldade para compreender-lhe o ensinamento de maneira integral, meu orientador voltou a dizer:

- Embora na condição de médico do mundo, acredito que você não tenha sido completamente estranho aos estudos evangélicos.

- Sim, sim - retruquei -, tenho as minhas recordações nesse sentido.

- Pois bem, o próprio Jesus nos deixou material de pensamento para o assunto em exame, quando nos asseverou que se a nossa mão ou os nossos olhos fossem motivos de escândalo deveriam ser cortados ao penetrarmos no templo da vida. Compete-nos transferir a imagem literal para a interpretação simples do espírito.

Se já falimos muitas vezes em experiências da autoridade, da riqueza, da beleza física, da inteligência, não seria lógico receber idêntica oportunidade nos trabalhos retificadores.

Compreendera claramente onde Alexandre pretendia chegar com os seus esclarecimentos amigos. - É para a regulamentação de semelhantes serviços que funciona em nossa colônia espiritual, por exemplo, o Planejamento de Reencarnações; onde você terá ocasião de recolher ensinamentos preciosos.

E, atendendo-me às necessidades como pai afetuoso, apresentou-me o instrutor, no dia imediato, à imponente instituição.

Constituía-se o movimentado centro de serviço de vários prédios e numerosas instalações. Árvores acolhedoras enfileiravam-se através de extensos jardins, imprimindo encantador aspecto à paisagem. Reconheci logo que o instituto se caracterizava por grande movimento. Entidades insuladas ou em pequenos grupos iam e vinham, estampando atencioso interesse na expressão fisionômica.

Pareciam sumamente despreocupadas de nossa presença ali, porque, quando não passavam sozinhas, ao nosso lado, engolfadas em profundos pensamentos, iam em grupos afetuosos, alimentando discretas conversações, multo graves e absorventes, ao que me parecia. Muitos desses irmãos, que passavam junto de nós, empunhavam reduzidos rolos de substância semelhante ao pergaminho terrestre, relativamente aos quais não possuía eu, até então, a mais leve notícia.

Alexandre, porém, como sempre, veio em socorro de minha estranheza, explicando, bondosamente:

- As entidades sob nossos olhos são trabalhadores de nossa esfera, interessados em reencarnações próximas. Nem todos estão diretamente ligados ao semelhante propósito, porque grande parte está em trabalho de intercessão, obtendo favores dessa natureza para amigos íntimos. Os rolos brancos que conduzem são pequenos mapas de formas orgânicas, elaborados por orientadores de nosso plano, especializados em conhecimentos biológicos da existência terrena. Conforme o grau de adiantamento do futuro reencarnante e de acordo com o serviço que lhe é designado no corpo carnal, é necessário estabelecer planos adequados aos fins essenciais.

- E a lei da hereditariedade fisiológica? perguntei.

- Funciona com inalienável domínio sobre todos os seres em evolução, mas sofre, naturalmente, a influência de todos aqueles que alcançam qualidades superiores ao ambiente geral. Além do mais, quando o interessado em experiências novas no plano da Crosta é merecedor de serviços “intercessórios”, as forças mais elevadas podem imprimir certas modificações à matéria, desde as atividades embriológicas, determinando alterações favoráveis ao trabalho de redenção.

A essa altura da palestra esclarecedora, Alexandre convidou-me a transpor o limiar.

Achamo-nos, em breve, num dos gabinetes extensos do edifício principal, aonde um dos numerosos amigos do orientador veio atender-nos atenciosamente.

Apresentou-me Alexandre ao Assistente Josino, que me recebeu com extrema gentileza e fidalguia de trato. Esclareceu o instrutor o objetivo de nossa visita. Desejava me fosse conferida a possibilidade de visitar a instituição de planejamento, quantas vezes me fossem possível durante a semana em curso, em vista da minha necessidade de adquirir noções seguras, referentes ao trabalho de auxílio nas atividades reencarnacionistas. O Assistente prometeu a melhor boa vontade. Conduzir-me-ia a colegas dele, para que me não faltassem minúcias de conhecimento, exporia suas próprias experiências à minha observação, para que eu retirasse delas o máximo proveito e, por fim, quanto estivesse ao seu alcance, guiaria meus impulsos no aprendizado.

Felicitavam-me o íntimo as melhores e mais confortadoras impressões, não só pela recepção carinhosa, senão também pelo ambiente educativo. Não longe de nós, em luminosos pedestais, descansavam duas maravilhas da estatuária, a figuração delicada de um corpo masculino e outro modelo feminino, singularmente belo pela perfeição anatômica, não somente da forma em si, mas também de todos os órgãos e as mais diversas glândulas. Através de disposições elétricas, ambas as Figurações palpitavam de vida e calor, exibindo eflúvios luminosos, quais os homens e mulheres mais evolvidos na esfera carnal.

Identificando-me a admiração, Alexandre sorriu e disse ao Assistente Josino, com o propósito de fazer-se ouvido por mim:

- Talvez André não conheça bastante o nosso respeito e gratidão ao aparelho físico terrestre.

- Em verdade - ajuntei - ignorava, até agora, que o corpo carnal fosse, entre nós, objeto de tamanhos cuidados. Não sabia que a nossa colônia contasse com instituição desses teor.

- Como não, meu amigo? - interferiu o Assistente, com inflexão de carinho - o corpo físico na Crosta Planetária representa uma bênção de Nosso Eterno Pai. Constitui primorosa obra da Sabedoria Divina, em cujo aperfeiçoamento incessante temos nós a felicidade de colaborar. Quanto deveu à máquina humana pelos seus milênios de serviço a favor de nossa elevação na vida eterna? Nunca relacionaremos a extensão de semelhante débito.

E, fixando os modelos que me provocavam assombro, acentuou:

- Todo o nosso zelo, no serviço de reencarnação, permanece muito aquém do quanto deveríamos realizar em benefício do aprimoramento da máquina orgânica.

Embora hesitante, ousei perguntar:

- Todos os núcleos de espiritualidade superior mantêm círculos de trabalho dessa natureza?

Foi Alexandre quem respondeu, com a delicadeza habitual:

- Em todas as colônias de expressão elevada, essas tarefas são desempenhadas com infinito carinho. O auxílio à reencarnação de companheiros nossos traduz o nosso reconhecimento ao aparelho físico que nos tem proporcionado tantos benefícios; através do tempo.

Recordei, porém, que o meu pai terrestre, um dia, voltara à experiência carnal, procedendo das zonas francamente inferiores, e indaguei:

- E aqueles que regressam à Crosta, partindo das regiões mais baixas, terão o mesmo generoso auxílio?

Desejando imprimir à pergunta a mais viva sinceridade, acrescentei:

- Meu genitor, na derradeira romagem terrestre, voltou, faz algum tempo, à esfera carnal em condições bem amargas...

Alexandre interrompeu-me o curso da frase, ponderando:

- Compreendemos. Se for ele criatura de razão esclarecida, embora não iluminada, permanecia após a morte em estado de queda e não deve ter voltado à bendita oportunidade da escola física sem o trabalho “intercessório” e forte ajuda de corações bem-amados de nosso plano. Nesse caso, terá recebido a cooperação de benfeitores, situados em posições mais altas, que lhe terão endossado as promessas no serviço regenerador. Se ele foi, porém, criatura em esforço puramente evolutivo, circunstância essa na qual não teria regressado em condições amargurosas, contou ele naturalmente com o abençoado concurso dos trabalhadores espirituais que velam, na Crosta, pela execução dos trabalhos reencarnacionistas, em processos naturais. Em face dos esclarecimentos do instrutor, entendi as diferenças e tranquilizei o coração.

Fosse porque a palestra escalpelara melindroso assunto de família humana, fosse pelo propósito de me deixarem a sós com as minhas profundas reflexões naquele extenso gabinete de serviço, o orientador e o assistente entraram em silêncio, compelindo-me a rebuscar novos motivos de conversação para o meu aprendizado.

Passei então a observar detidamente os modelos masculinos e femininos, não longe de meus olhos. Muito gentil Josino pousou a destra, de leve, nos meus ombros, e falou-me:

- Aproxime-se das criações educativas. Você lucrará muito, observando de perto.

Não contive um gesto de agradecimento e afastei-me dos dois respeitáveis amigos, acercando-me das figurações ali expostas.

Detive-me na contemplação do molde masculino, que apresentava absoluta harmonia de linhas, qual arte helênica de sabor antigo.

O modelo, estruturado em substância luminosa, constituía, a meu parecer, a mais primorosa obra anatômica até então sob minha análise. Semelhava-se aquela figura humana, imóvel, a qualquer coisa divinal.

Fixei-lhe as minuciosidades com espanto. Nunca vira semelhante perfeição de minudências fisiológicas. Toda a musculatura estava, ali, formada em fibras radiosas. Desde o frontal ao ligamento anular do tarso, viam-se fios de luz simbolizando as regiões diversas da musculatura em geral. Determinadas fibras, todavia, como as que se localizavam na zona orbicular das pálpebras, no triangular dos lábios, no grande peitoral, no pectíneo, nas eminências tênar e hipotênar até o extensor dos dedos, eram mais brilhantes. Do exame de superfície, passei a observações mais profundas, identificando as disposições maravilhosas das figuras representativas da circulação linfática e sanguínea. Oh! Os órgãos estavam todos ali, vibrando em obediência a dispositivos elétricos para demonstrações educativas. Os vasos para o sangue venoso apresentavam-se em luz acinzentada, ao passo que as regiões do sangue arterial; figuravam-se de cor encarnada.

Surpreendido, rendi silencioso preito de admiração à Sabedoria Divina, que nos concede o sublime aparelho físico terrestre para as nossas aquisições eternas.

Impressionava-me a composição perfeita dos vasos distribuídos em torno do tronco celíaco, à maneira de pequenos rios de luz, destacando-se em expressão a luminosidade das cavas superior e inferior, das jugulares externa e interna, das artérias e veias axilares, da veia porta, das artérias esplênicas e mesentéricas superior, da aorta descendente, dos vasos ilíacos e dos gânglios da virilha.

Cobrindo as maravilhas orgânicas, estava o sistema nervoso, semelhando-se a capa radiante estruturada em fios tenuíssimos de luz feérica. A região do cérebro parecia uma lâmpada em azul suavíssimo, cuja luminosidade se ligava em sentido direto ao cerebelo, descendo em seguida pela medula espinhal até o plexo sagrado, onde o foco brilhante adquiria expressão mais intensa, para atenuar-se, depois, no grande ciático.

Transferi minhas observações para a forma feminina, igualmente radiosa, concentrando meu potencial analítico sobre o sistema endocrínico, disposto à maneira de constelação, entre as peças orgânicas. Desde a epífise, situada entre os hemisférios cerebrais, até os núcleos procriadores, as glândulas pareciam formar belo sistema luminoso, semelhante a pequenos astros de vida, congregados em sentido vertical, qual antena rútila atraindo a luz procedente de Mais Alto. Cada qual apresentava sua forma específica, suas expressões vibratórias, suas características particulares, diversificando-se, igualmente, a cor de cada uma, embora recebessem todas, a seu modo, a coloração da epífise, semelhante a pequenino sol azulado, mantendo em seu campo de atração magnética todas as demais, desde a hipófise à região dos ovários, como o nosso astro de vida, garantindo a coesão e o movimento da sua grande família de planetas e asteroides.

Minha estupefação não tinha limites.

É forçoso confessar, porém, que minha surpresa se distendia muito mais, ao fixar os eflúvios brilhantes que emanavam dos centros genitais, semelhando-se, em conjunto, a minúsculo santuário cheio de luz.

Como eu dirigisse ao meu instrutor um olhar de indagação, seus esclarecimentos não se fizeram esperar.

- “Na Crosta - disse-me Alexandre, sorrindo, após reaproximar-se de mim -, em sentido geral ainda existe muita ignorância acerca da missão divina do sexo. Para nós, porém, que desejamos valorizar as experiências, a paternidade e a maternidade terrestres são sagradas. A faculdade criadora é também divindade do homem.

O útero maternal significa, para nós outros, a porta bendita para a redenção; para grande número de pessoas na Esfera do Globo, a visão celestial é símbolo de repouso e alegria sem fim, enquanto, para muitos de nós, a visão terrestre significa trabalho edificante e salutar. Não alcançaremos, porém, a terra prometida do serviço redentor, sem o concurso das forças criadoras associadas, do homem e da mulher. Compreendi, com novo espírito, o caráter sublime das energias sexuais e recordei-me, compadecidamente, de todos os encarnados que ainda não conseguiram edificar o respeito e o entendimento, relativos aos sagrados órgãos procriadores. Meu orientador, entretanto, como antena receptora de todas as minhas emissões mentais, advertiu-me, bondoso:

- Relegue ao esquecimento qualquer expressão das reminiscências menos construtivas. Os “que ultrajam o sexo, escrevendo, agindo ou falando, já são grandes infelizes por si mesmos.”

Guardei a lição e abençoei a nova experiência que começava.

Despediu-se Alexandre, deixando-me na grande instituição de planejamento, onde o Assistente Josino, ocupado nos encargos de seu ministério, me confiou aos cuidados de Manasses, um irmão dos serviços informativos da casa, que me acolheu prazerosamente, cercando-me de gentileza e carinho. Senti imediatamente que o meu aprendizado ali se iniciava com imenso proveito. Manasses era um livro volante. Seus pareceres e informes traduziam valiosos ensinamentos.

Aproximando-nos dos pavilhões de desenho, onde numerosos cooperadores traçavam planos para reencarnações incomuns, foi o meu novo companheiro procurado por uma entidade simpática que lhe pedia informações. Manasses apresentou-ma, otimista.

Tratava-se dum colega que, depois de quinze anos de trabalho nas atividades de auxílio, regressaria à esfera carnal para a liquidação de determinadas contas. O recém-chegado parecia hesitante. Via-se-lhe o receio, a indecisão.

- Não se deixe dominar pelas impressões negativas – dirigia-se Manasses a ele, infundindo-lhe bom ânimo. - O problema do renascimento não é assim tão intrincado. Naturalmente, exigem coragem, boas disposições.

- Entretanto - exclamava o interlocutor, algo triste -, temo contrair novos débitos ao invés de pagar os velhos compromissos.

É tão penoso vencer na experiência carnal, em vista do esquecimento que sobrevém à encarnação...

- Mas seria muito mais difícil triunfar guardando a lembrança - redarguiu Manasses, incontinenti.

Prosseguindo, sorridente, acrescentou:

- Se tivéssemos grandes virtudes e belas realizações, não precisaríamos recapitular as lições já vividas na carne. E se apenas possuímos chagas e desvios para rememorar, abençoemos o olvido que o Senhor nos concede em caráter temporário. Esforçou-se o outro para esboçar um sorriso e objetou:

- Conheço-lhe o otimismo; quisera ser igualmente assim. Voltarei confiante no concurso fraterno de vocês.

E modificando o tom de voz, indagou:

- Pode informar se o meu modelo está pronto? - Creio que poderá procurá-lo amanhã - tornou Manasses, bem disposto -; já fui observar o gráfico inicial e dou-lhe parabéns por haver aceitado a sugestão amorosa dos amigos bem orientados, sobre o defeito da perna. Certamente, lutará você com grandes dificuldades nos princípios da nova luta, mas a resolução lhe fará grande bem.

- Sim - disse o outro, algo confortado -, preciso defender-me contra certas tentações de minha natureza inferior e a perna doente me auxiliará, ministrando-me boas preocupações. Ser-me-á um antídoto à vaidade, uma sentinela contra a devastação do amor próprio excessivo.

- Muito bem! - respondeu Manasses, francamente otimista.

- E pode informar-me ainda a média de tempo conferida à minha forma física futura?

- Setenta anos, no mínimo - redarguiu meu novo companheiro, contente.

O outro fixou uma expressão de reconhecimento, enquanto Manasses continuava:

- Pondere a graça recebida, Silvério, e, depois de tomar-lhe a posse no plano físico, não volte aqui antes dos setenta. Trate de aproveitar a oportunidade. Todos os seus amigos esperam que você volte, mais tarde, à nossa colônia, na gloriosa condição de um “completista”.

O interpelado mostrou um raio de esperança nos olhos, agradeceu e despediu-se.

As últimas observações de Manasses acenderam-me curiosidade mais forte. Não contive a indagação que me vagueava no pensamento e perguntei sem rebuços:

- Meu amigo, que significa a palavra “completista”?

Ele sorriu complacente, e retrucou bem-humorado:

- É o título que designa os raros irmãos que aproveitaram todas as possibilidades construtivas que o corpo terrestre lhes oferecia.

Em geral, quase todos nós, em regressando à esfera carnal, perdemos oportunidades muito importantes no desperdício das forças fisiológicas. Perambulamos por lá, fazendo alguma coisa de útil para nós e para outrem, mas, por vezes, desprezamos cinqüenta, sessenta, setenta per cento e, freqüentemente, até mais, de nossas possibilidades. Em muitas ocasiões, prevalece ainda, contra nós, a agravante de termos movimentado as energias sagradas da vida em atividades inferiores que degradam a inteligência e embrutecem o coração. Aqueles, porém, que mobilizam a máquina física, à maneira do operário fidelíssimo, conquista direitos muito expressivos em nossos planos. O “completista”, na qualidade de trabalhador leal e produtivo, pode escolher, à vontade, o corpo futuro, quando lhe apraz o regresso à Crosta em missões de amor e iluminação, ou recebe veículo enobrecido para o prosseguimento de suas tarefas, a caminho de círculos mais elevados de trabalho.

Semelhante notícia representava para mim valiosa revelação.

Nada mais legítimo que dotar o servidor fiel de recursos completos.

E lembrei-me dos desregramentos de toda a sorte a que se entregam as criaturas humanas, em todos os países, doutrinas e situações, complicando os caminhos evolutivos, criando laços escravizantes, enraizando-se no apego aos quadros transitórios da existência material, alimentando enganos e fantasias, destruindo o corpo e envenenando a alma. Num transporte de justificada admiração, redarguiu:

- Recordando o cativeiro dos Espíritos encarnados no plano da sensação, consola-nos saber que há um prêmio aos raríssimos homens que vivem na sublime arte do equilíbrio espiritual, mesmo na carne.

- Sim - disse Manasses, aprovando-me com o olhar -, por mais estranho que possa parecer, semelhantes exceções existem no mundo. Passam, freqüentemente, para cá, entre os anônimos da Crosta, sem fichas de propaganda terrestre, mas com imenso lastro de espiritualidade superior.

E dando-me a impressão de que desejava esclarecer-me, relativamente a ele mesmo, acrescentou:

- Há muitos anos me esforço para conseguir a condição dos “completistas”; no entanto, até agora continuo em fase de preparação...

Compreendi que Manasses, tanto quanto eu, trazia regular bagagem de recordações menos felizes, com respeito ao uso que fizera do corpo terreno nas experiências passadas e procurei modificar a orientação da palestra:

- Sabe de algum “completista” que tenha regressado à Crosta?

- interroguei.

- Sim.

- Naturalmente - continuei curioso - terá escolhido um organismo irrepreensível.

Meu novo companheiro mostrou significativa expressão fisionômica e acentuou:

- Nenhum dos que tenho visto partir, embora os méritos de que se encontravam revestidos, escolheram formas irrepreensíveis, quanto às linhas exteriores. Solicitaram providências em favor da existência sadia, preocupando-se com a resistência, equilíbrio, durabilidade e fortaleza do instrumento que os deveria servir, mas pediram medidas tendentes a lhes atenuarem o magnetismo pessoal, em caráter provisório, evitando-se-lhes apresentação física muito primorosa, ocultando, assim, a beleza de suas almas para a eficiente garantia de suas tarefas. Assim procedem, porquanto, vivendo a maioria das criaturas no jogo das aparências, quando na Crosta Planetária, incumbir-se-iam elas próprias de esmagar os missionários do Bem, se lhes conhecesse a verdadeira condição, através das vibrações destruidoras da inveja, do despeito, da antipatia gratuita e das disputas injustificáveis. Em vista disso, os trabalhadores conscientes, na maioria das vezes, organizam seus trabalhos em moldes exteriores menos graciosos, fugindo, por antecipação, ao influxo das paixões devastadoras das almas em desequilíbrio.

Entendi a extensão do esclarecimento e meditava na grandeza dos princípios espirituais que regem a experiência humana, quando Manasses acrescentou, após longa pausa:

- As mentes juvenis, quais crianças do mundo, brincam com o fogo das emoções; todavia, os espíritos amadurecidos, mormente quando chegam à situação de “completistas”, abandonam toda experiência que os possa distrair no caminho de realização da Vontade Divina.

Em seguida, convidado pelo meu novo amigo penetrou numa das dependências consagradas aos serviços de desenho. Pequenas telas, demonstrando peças do organismo humano, estavam ordenadamente em todos os recantos. Tinha a impressão fiel de que me encontrava num grande centro de anatomistas, cercados de auxiliares competentes e operosos. Espalhavam-se desenhos de membros, tecidos, glândulas, fibras, órgãos de todos os feitios e para todos os gostos.

- Como sabe - observou Manasses, cuidadoso -, no serviço de recapitulação ou de tarefas especializadas na superfície do Globo, a reencarnação nunca pode ser vulgar. Para isso, trabalham aqui centenas de técnicos em questões de Embriologia e Biologia em geral, no sentido de orientar as experiências individuais do futuro de quantos irmãos se ligam a nós no esforço coletivo.

Sentindo espontânea veneração, contemplei os servidores que se inclinavam atenciosos, arquitetando o porvir de muitos companheiros. Como era complexa a oportunidade de renascer! Que atividades intensas exigiam dos benfeitores espirituais! Ao meu gesto de estranheza, respondeu Manasses numa síntese expressiva:

- Você não ignora que os homens ainda selvagens ou semi-selvagens, embora utilizando os recursos sempre sagrados da Natureza, edificam suas habitações em moldes mais simples e rudimentares; todavia, o homem que já atingiu certo padrão de ideal, desenvolvendo faculdades superiores, Constrói o lar, organizando plantas prévias.

Indicando o quadro interior, extremamente movimentado, acrescentou sorridente:

- Não estamos aqui senão cogitando, igualmente, de projetos para futuras habitações carnais. O corpo humano não deixa de ser a mais importante moradia para nós outros, quando compelidos à permanência na Crosta. Não podemos esquecer que o próprio Divino Mestre classificava-o como templo do Senhor, Impressionado, seguia atenciosamente os trabalhos em curso.

Dispúnhamos-nos a seguir adiante, quando uma irmã, de porte muito respeitável, se aproximou saudando Manasses afetuosamente.

Ele respondeu com gentileza e apresentou-ma.

- É nossa irmã Anacleta.

Cumprimentei-a, sentindo-lhe a simpatia pessoal.

- Trata-se; de uma das nossas trabalhadoras mais corajosas - acentuou o funcionário do trabalho de informações.

A senhora sorriu, algo contrafeita por se ver focalizada na opinião franca do companheiro. Todavia, Manasses, com o otimismo que lhe era característico, prosseguiu:

- Imagine que voltará à Esfera do Globo, em breves dias, em tarefa de profunda abnegação por quatro entidades que, há mais de quarenta anos, se debatem em regiões abismais das zonas inferiores.

- Não vejo nisso abnegação alguma - atalhou à senhora, sorrindo -, cumprirei tão somente um dever.

E fixando-me, desassombrada e serena, asseverou:

- As mães que não completaram a obra de amor que o Pai lhes confia junto dos filhos amados, devem ser bastante fortes para recomeçarem os serviços imperfeitos. Esse o meu caso. Não se deve mencionar sacrifício onde existe apenas obrigação.

Interessava-me a história daquela irmã despretensiosa e simpática e, por isso mesmo, animei-me a perguntar-lhe:

- Regressará, então, dentro em breve? De qualquer maneira, sua resolução traduz devotamento e bondade. Não posso esquecer que também minha mãe voltou ao círculo da carne, tangida por sublime dedicação,

Notei que os olhos dela se encheram de lágrimas discretas, que não chegaram a cair, emocionada talvez com a minha observação sincera. Estendeu-me a destra, gentilmente, e, dando a idéia de que não desejava continuar em conversação relativa ao assunto, disse-me, comovida:

- Muito grata pelo conforto de suas palavras. Mais tarde, ao se lembrar de mim, ajude-me com o seu pensamento amigo.

Nesse ponto da ligeira palestra, Manasses indagou:

- Já recebeu todos os projetos?

- Sim - respondeu ela -, não somente os que se referem aos meus pobres filhos, mas também a planta relativa à minha própria forma futura.

- Está satisfeita?

- Muitíssimo! - redarguiu a dama. - Na lei do Pai, a justiça está cheia de misericórdia e continuo na condição de grande devedora.

Em seguida, despediu-se, calma e afável. Manasses compreendeu-me a curiosidade e explicou:

- Anacleta é um exemplo vivo de ternura e devotamento, mas voltará às lutas do corpo a fim de operar determinadas retificações no coração materno. Por imprevidência dela, noutro tempo, os quatro filhos, que o Senhor lhe confiara, caíram desastradamente.

A pobrezinha albergava certas noções de carinho que não se compadecem com a realidade. Seu esposo era homem probo e trabalhador e, apesar de abastado, nunca se esqueceu dos deveres que lhe prendiam as atividades de homem de bem ao campo da sociedade em geral. Caracterizava-se por uma energia sempre construtiva, mas a esposa, embora decotadíssima, contrariava-lhe a influência do lar, viciando o afeto de mãe com excessos de meiguice desarrazoada. E, como conseqüência indireta, quatro almas não encontraram recursos para a jornada de redenção. Três rapazes e uma jovem, cuja preparação intelectual exigira os mais árduos sacrifícios, caíram muito cedo em desregramentos de natureza física e moral, a pretexto de atenderem a obrigações sociais. E tão degradantes foram esses desregramentos que perderam muito cedo o templo do corpo, entrando em regiões baixas, em tristes condições. Anacleta, contudo, voltando ao campo espiritual, compreendeu o problema e dispôs-se a trabalhar afanosamente para conseguir, não só a reencarnação de si própria, senão também a dos filhos que deverão segui-la nas provas purificadoras da Crosta.

- Quantos anos gastaram para obter semelhante concessão? - perguntei, impressionado.

- Mais de trinta.

- Imagino-lhe os sacrifícios futuros! - exclamei.

- Sim - esclareceu Manasses -, a experiência ser-lhe-á bem dura, porque dois dos rapazes deverão regressar na condição de paralíticos, um na qualidade de débil mental e, para auxiliá-la na viuvez precoce, terá tão-somente a filha, que, por si mesma, será também portadora de prementes necessidades de retificação.

Ia dizer de minha profunda surpresa, diante do mecanismo de introdução ao serviço reencarnacionistas, quando outra irmã se acercou de nós, procurando por Manasses.

Depois das saudações afetivas, explicou-se ela, gentil, dirigindo-se ao meu novo amigo:

- Desejo sua obsequiosa interferência na retificação do meu plano.

E abrindo pequeno mapa, onde se via desenhado com extrema perfeição um organismo de mulher, acentuou:

- Veja bem o meu projeto para o sistema endocrínico. Sei que os amigos me favoreceram, planejando-o com muita harmonia nas menores disposições; entretanto, desejaria modificações...

- Em que sentido? - indagou o interpelado, surpreso.

A recém-chegada indicou os pontos do projeto onde se localizava o colo e falou:

- Fui advertida por benfeitores daqui, no sentido de não me apresentar na Crosta, dentro de linhas impecáveis para a forma física e, em razão disso, para que eu tenha mais probabilidades de êxito em meu favor, na tarefa que me proponho desempenhar, estimaria que a tireoide e as paratireoides não estivessem tão perfeitamente delineadas. Como sabe Manasses, minha tarefa não será fácil. Devo reaver um patrimônio espiritual de grandes proporções.

Preciso fugir de qualquer possibilidade de queda e a perfeita harmonia física me perturbaria as atividades.

O novo companheiro endereçou-me expressivo olhar e disse-lhe:

- Tem razão. A sedução carnal é imenso perigo, não só para aqueles que emitem a sua influenciação, como também para quantos a recebem.

- Prefiro a fealdade corpórea - tornou ela. - Não estou interessada num corpo de Vênus e, sim, na redenção de meu espírito para a Eternidade. Manasses prometeu interpor os seus bons ofícios, e, tão logo se despediu da nova interlocutora, passou a mostrar-me as mais interessantes figurações de órgãos do corpo humano.

Admirava, tomado de profunda impressão; aqueles gráficos numerosos que se alinhavam, com absoluta ordem, demonstrando o cuidado espiritual que precede o serviço de reencarnações, quando o meu amigo ponderou:

- A medicina humana será muito diferente no futuro, quando a Ciência puder compreender a extensão e complexidade dos fatores mentais no campo das moléstias do corpo físico. Muito raramente não se encontram as afecções diretamente relacionadas com o psiquismo. Todos os órgãos são subordinados à ascendência moral. As preocupações excessivas com os sintomas patológicos aumentam as enfermidades; as grandes emoções podem curar o corpo ou aniquilá-lo. Se isso pode acontecer na esfera de atividades vulgares das lutas físicas, imagine o campo enorme de observações que nos oferece o plano espiritual, para onde se transferem todos os dias, milhares de almas desencarnadas, em lamentáveis condições de desequilíbrio da mente. O médico do porvir conhecerá semelhantes verdades e não circunscreverá sua ação profissional ao simples fornecimento de indicações técnicas, dirigindo-se, muito mais, nos trabalhos curativos, às providências espirituais, onde o amor cristão represente o maior papel. Desejando, porém, prosseguir nos esclarecimentos, quanto ao serviço reencarnacionistas, Manasses tomou pequeno gráfico e, apresentando-me as linhas gerais, acentuou:

- Aqui temos o projeto de futura reencarnação dum amigo meu. Não observa certos pontos escuros, desde o cólon descendente à alça sigmoide? Isso indica que ele sofrerá uma úlcera de importância, nessa região, logo que chegue à maioridade física.

Trata-se, porém, de escolha dele.

E porque extrema curiosidade me vagueasse nos olhos, Manasses explicou:

- Esse amigo, faz mais de cem anos, cometeu revoltante crime, assassinando um pobre homem: a facadas; logo que se entregou ao homicídio, como acontece muitas vezes, a vítima desencarnada ligou-se fortemente a ele, e da semente do crime, que o infeliz assassino plantou num momento, colheu resultados terríveis por muitos anos. Como não ignora, o ódio recíproco opera igualmente vigorosa imantação e a entidade, fora da carne, passou a vingar-se dele, todos os dias, matando-o devagarzinho, através de ataques sistemáticos pelo pensamento mortífero. Em suma, quando o homicida desencarnou, por sua vez, trazia o organismo perispiritual em dolorosas condições, além do remorso natural que a situação lhe impusera. Arrependeu-se do crime, sofreu muito nas regiões purgatoriais e, depois de largos padecimentos purificadores, aproximou-se da vítima, beneficiando-a em louváveis serviços de resgate e penitência. Cresceu moralmente, tornou-se amigo de muitos benfeitores, conquistou a simpatia de vários agrupamentos de nosso plano e obteve preciosas intercessões.

Entretanto... A dívida permanece. O amor, contudo, transformou o caráter do trabalho de pagamento. O nosso amigo, ao voltar à Crosta, não precisará desencarnar em espetáculo sangrento, mas onde estiver, durante os tempos de cura completa, na carne que ele outrora menosprezou, carregará a própria ferida, conquistando, dia a dia, a necessária renovação. Experimentará desgostos, em virtude do sofrimento físico pertinaz, lutará incessantemente, desde a eclosão da úlcera até o dia do resgate final no aparelho fisiológico; entretanto, se souber manter-se fiel aos compromissos novos, terá atingido, mais tarde, a plena libertação. Enquanto fixava no projeto minha melhor atenção, Manasses continuava:

- Segundo observamos, a justiça se cumpre sempre, mas, logo que se disponha o Espírito a precisa transformação no Senhor, atenua-se o rigorismo do processo redentor. O próprio Pedro nos lembrou, há muitos séculos, que “o amor cobre a multidão dos pecados”.

Examinei, impressionado, a planta educativa e porque não encontrasse palavras bastante claras para pintar minha admiração, silenciei comovidamente.

Compreendendo-me o estado d’alma, o companheiro continuou:

- São inúmeros os projetos de corpos futuros em nossos setores de serviço. Depreendem-se, da maioria deles, que todos os enfermos na carne são almas em trabalho da ingente conquista de si próprias. Ninguém trai a Vontade de Deus, nos processos evolutivos, sem graves tarefas de reparação, e todos os que tentam enganar a Natureza, quadro legítimo das leis divinas, acabam por enganar a si mesmos. A vida é uma sinfonia perfeita. Quando procuramos desafiná-la, no círculo das notas que devemos emitir para a sua máxima glorificação, somos compelidos a estacionar em pesado serviço de recomposição da harmonia quebrada. E, durante alguns dias, ali permaneci na instituição benemérita, compreendendo que a existência humana não é um ato acidental e que, no plano da ordem divina, a justiça exerce o seu ministério, todos os dias, obedecendo ao alto desígnio que manda ministrar os dons da vida “a cada um por suas obras”.



[1] Fonte: Missionário da Luz, Ditado pelo Espírito André Luiz, psicografia de Francisco Cândido Xavier, Editora FEB, Capitulo 12