CONSELHOS,
REFLEXÕES E MÁXIMAS
DE ALLAN KARDEC
Àqueles que querem ver os fenômenos antes de crer no
Espiritismo, Allan Kardec dá-lhes estes sábios conselhos e reflexões:
Revista Espírita de 1865, pag. 328: Deus me guarde de ter
a presunção de me crer o único capaz, ou mais capaz do que outro, ou o único
encarregado de cumprir os desígnios da Providência; não, esse pensamento está
longe de mim. Neste grande movimento renovador tenho a minha parte de atuação;
não falo senão daquilo que me concerne; mas o que posso afirmar sem vã
fanfarrice é que, no que me incumbe nem a coragem, nem a perseverança, me
faltarão. Nisso jamais falhei, mas hoje que vejo o caminho se aclarar de uma
maravilhosa claridade, sinto minhas forças crescerem, não tenho mais dúvida e
graças às novas luzes que praza a Deus me dar, estou certo, e digo a todos os
meus irmãos, com toda a certeza que jamais tive: coragem e perseverança,
porque um esplendoroso sucesso coroará vossos esforços.”
Revista Espírita de 1867, pag. 40: O Espiritismo é, como
alguns o pensam, uma nova fé cega substituindo a outra fé cega ou, dito de
outra forma, uma escravidão do pensamento sob uma nova forma? Para crer nisso
seria preciso se ignorasse os seus primeiros elementos. Com efeito, o
Espiritismo coloca, em princípio, que antes de crer é preciso compreender; ora,
para compreender, é preciso usar de seu julgamento; eis porque ele procura
se dar conta de tudo em vez de nada admitir, em saber o “porquê” e o “como” de
cada coisa; também os espíritas são mais céticos do que muitos outros com
relação aos fenômenos que saem do círculo das observações habituais. Ele não
repousa sobre nenhuma teoria preconcebida ou hipotética, mas sobre a
experiência e a observação dos fatos; em vez de dizer: “Creia em primeiro
lugar e se puder compreenda em seguida”, ele diz: “Compreenda em
primeiro lugar, e creia em seguida se você quiser.” Não se impõe a ninguém;
diz a todos: “Veja, observe, compare e venha a nós livremente se tal lhe
convier”. Falando assim, ele se adianta e corta as chances da concorrência.
Se muitos vão a ele, é porque os satisfaz muito, mas ninguém o aceita de olhos
fechados. Àqueles que não o aceitam, ele diz: “Você é livre, e não o quero;
tudo que peço é que me deixe minha liberdade, como eu lhe deixo a sua. Se procura
me afastar, por receio de que eu suplante você, é porque você não está bem
certo de si. O Espiritismo, procurando não descartar nenhum dos concorrentes
dentro da liça aberta às ideias que devem prevalecer no mundo regenerado, está
dentro das condições da verdadeira liberdade de pensamento; e não admitindo
nenhuma teoria que não seja fundamentada sobre a observação, está, ao mesmo
tempo, dentro daquelas de mais rigoroso positivismo; enfim, tem sobre seus
adversários, de opiniões contrárias extremas, a vantagem da tolerância.”
Revista Espírita de 1861, pag. 130: Seria, de resto,
bastante inconveniente que a propagação da Doutrina ficasse subordinada à
publicidade de nossas reuniões: por mais numeroso que pudesse ser o auditório,
ele seria sempre fortemente restrito, imperceptível, comparado à massa da
população. Por outro lado nós sabemos, por experiência, que a verdadeira
convicção não se adquire a não ser pelo estudo, pela reflexão e por uma
observação sustentada, e não, assistindo a uma ou duas sessões, por mais
interessantes que elas sejam, e isto é tão verdadeiro, que o número dos que
creem sem nada terem visto, mas porque eles têm estudado e compreendido, é
imenso. Sem dúvida o desejo de ver é muito natural, e estamos longe de
censurar, mas queremos que o fenômeno seja visto em condições de
aproveitamento. Eis porque dizemos: Primeiramente estude, e em seguida veja,
porque assim compreenderá melhor. Se os incrédulos refletissem sobre essa
condição, eles extrairiam a melhor garantia, em primeiro lugar, de nossa boa
fé, e em seguida da potência da Doutrina. Aquilo que o charlatanismo mais teme
é ser compreendido; ele fascina os olhos e não é bastante tolo para se dirigir
à inteligência que descobriria facilmente a sua farsa. O Espiritismo, ao
contrário, não admite confiança cega; quer ver claramente em tudo; quer que
se compreenda tudo, que se leve em conta tudo; então quando prescrevemos o
estudo e a meditação, isto é apelar ao concurso da razão, e provar que a
ciência espírita não teme o exame, pois que antes de crer nós fazemos do
compreender uma obrigação.”
Revista Espírita de 1861, pag. 377: Quem tem a intenção
de organizar um grupo em boas condições deve antes de tudo se assegurar do
concurso de alguns adeptos sinceros, que levem a Doutrina a sério e cujo
caráter conciliador e benevolente lhe seja conhecido. Com esse núcleo formado,
que seja de três ou quatro pessoas, se estabelecerá regras precisas, seja para
as admissões, seja para a direção das reuniões e para a ordem dos trabalhos,
regras às quais os recém-chegados terão de se conformar... A primeira condição
a impor, se não se deseja ser a cada instante distraído por objeções ou
questões ociosas, é, pois o estudo preliminar. A segunda é uma profissão de fé
categórica e uma adesão formal à Doutrina do Livro dos Espíritos e
certas outras condições especiais que se julgar a propósito. Isto é para os
membros titulares ou dirigentes; para os ouvintes, que vêm geralmente para
adquirir um acréscimo de conhecimentos e de convicções, se pode ser menos
rigoroso; todavia, como existem os que podem causar problemas pelas observações
deslocadas, é importante se assegurar de suas disposições; é preciso,
sobretudo, e sem exceção, afastar os curiosos e todos os que não sejam atraídos
senão por um motivo frívolo. A ordem e a regularidade dos trabalhos são
coisas igualmente essenciais. Nós consideramos como eminentemente úteis
abrir a reunião pela leitura de qualquer passagem de O Livro dos Médiuns e
O Livro dos Espíritos; por este meio, se terá sempre presente na memória
os princípios da ciência e os meios de evitar os escolhos que se encontram a
cada passo na prática. A atenção se fixará assim sobre uma multidão de pontos que
escapam frequentemente numa leitura particular, e poderão dar lugar a
comentários e a discussões instrutivas, às quais mesmo os Espíritos poderão
tomar parte.
Revista Espírita de 1861, pag. 380: ...Tudo isso, como se
vê, é de uma execução muito simples, e sem acessórios complicados; mas tudo
depende do ponto de partida, isto é, da composição dos grupos primitivos. Se
eles forem formados de bons elementos, serão tantas boas raízes que darão bons
rebentos. Se, ao contrário, são formados de elementos heterogêneos e
antipáticos, de espíritas duvidosos, se ocupando mais da forma que do fundo,
considerando a moral como a parte acessória e secundária, é preciso se prever
polêmicas irritantes e sem desfecho, melindres de suscetibilidades, seguido de
conflitos precursores da desorganização. Entre verdadeiros espíritas, tais como
os havemos definido, vendo o propósito essencial do Espiritismo na moral, que é
a mesma para todos, haverá sempre abnegação da personalidade, condescendência e
benevolência, e, por consequência, certeza e estabilidade nos relacionamentos.
Eis porque insistimos tanto nas qualidades fundamentais. As sociedades
numerosas têm sua razão de ser do ponto de vista da propaganda, mas, para os
estudos sérios, é preferível se fazer uso dos grupos íntimos.
Revista Espírita de 1861, pag. 347: De resto, qualquer
que seja a natureza da reunião, quer seja numerosa ou não, as condições que
deve preencher para atender o objetivo são as mesmas; é nisso que é preciso
conduzir todos os seus cuidados e, aqueles que o preencherem, serão fortes,
porque terão necessariamente o apoio dos bons Espíritos. Estas condições são
comentadas no Livro dos Médiuns nº 341. Um capricho bastante frequente
com alguns novos adeptos, é o de crer se passarem a mestres após alguns meses
de estudo. O Espiritismo é uma ciência imensa, como sabem, e cuja
experiência não se pode adquirir senão com o tempo, nisso como em todas as
coisas. Há nessa pretensão de não ter mais necessidade dos conselhos de outrem
e de se crer acima de todos, uma prova de insuficiência, pois que fracassa em
um dos preceitos primeiros da Doutrina: a modéstia e a humildade. Quando os
maus Espíritos encontram semelhantes disposições em alguns indivíduos, eles não
falham em os superexcitar, distrair e persuadir de que somente eles possuem a
verdade. É um dos escolhos que se pode encontrar, e contra o qual creio dever
prevenir, acrescentando que não é suficiente se dizer Espírita para se dizer
Cristão: é preciso prová-lo pela prática.
Revista Espírita de 1865, pag. 376: O Espiritismo, tendo
por objetivo a melhoria dos homens, não vem em absoluto buscar os que são
perfeitos, mas aqueles que se esforçam por se transformar colocando em prática
os ensinos dos Espíritos. O verdadeiro Espírita não é aquele que chegou ao
objetivo, mas é aquele que quer seriamente atingi-lo. Quaisquer que sejam então
seus antecedentes, ele será um bom espírita desde que reconheça suas
imperfeições e que seja sincero e perseverante em seu desejo de se corrigir. O
Espiritismo é para ele uma verdadeira regeneração, porque rompe com seu
passado; indulgente para com os outros como queria que o fossem para com ele,
não sairá de sua boca nenhuma palavra malevolente nem injuriosa para as
pessoas. Aquele que em uma reunião se afastar da conveniência provará não
somente uma falta de saber-viver e de urbanidade, mas uma falta de caridade;
aquele que se melindra quando contrariado em suas opiniões e pretende impor sua
pessoa ou suas ideias, fará prova de orgulho; ou, nem um nem o outro estará no
caminho do verdadeiro Espiritismo, isto é, do Espiritismo Cristão. Aquele que
crê ter uma opinião mais justa que os outros a faria, mais bem aceita pela
doçura e pela persuasão; o azedume seria um grande erro de sua parte.
Revista Espírita de 1865, pag. 92: O Espiritismo não está apenas na crença na
manifestação dos Espíritos. O erro daqueles que o condenam é de crer que ele
não consiste senão na produção de fenômenos estranhos, e isso porque, não se
dando ao trabalho de estudá-lo, dele não veem senão a superfície. Esses
fenômenos não são estranhos senão para aqueles que não lhes conhecem as causas,
mas qualquer um que os aprofunde, neles não vê senão os efeitos de uma lei, de
uma força da natureza que não se conhecia, e que, por isso mesmo, não são nem
maravilhosos, nem sobrenaturais. Esses fenômenos, provando a existência dos
Espíritos, que não são outros senão as almas daqueles que viveram, provam, por
consequência, a existência da alma, sua sobrevivência aos corpos, a vida futura
com todas as suas consequências morais. A fé no porvir, encontrando-se apoiada
sobre as provas materiais, se torna inabalável, e triunfa da incredulidade. Eis
porque, quando o Espiritismo se tiver tornado a crença de todos, não haverá
mais nem incrédulos, nem materialistas, nem ateus. Sua missão é de combater a
incredulidade, a dúvida, a indiferença; não se dirige, pois, àqueles que têm
uma fé, e a quem essa fé satisfaz, mas àqueles que não creem em nada, ou que
duvidam. Ele não diz à pessoa para abandonar a sua religião; respeita todas as
crenças quando elas são sinceras. A liberdade de consciência é a seus olhos um
direito sagrado; Se não a respeitasse, falharia em seu primeiro princípio que é
a caridade. Neutro em todos os cultos, ele será o lugar que os reunirá sob um
mesmo pavilhão, aquele da fraternidade universal; um dia todos se estenderão as
mãos, em lugar de se lançarem anátemas. Os fenômenos, longe de serem a parte
essencial do Espiritismo, não são senão o acessório, um meio suscitado por Deus
para vencer a incredulidade que invade a sociedade: essa parte está, sobretudo
na aplicação de seus princípios morais. É aí que se reconhecem os espíritas
sinceros. Os exemplos de reforma moral, provocados pelo Espiritismo, são já
bastante numerosos para que se possam julgar os resultados que produzirá com o
tempo. É preciso que sua potência moralizadora seja bem grande para triunfar
dos hábitos inveterados pela idade, e da leviandade da juventude. O efeito
moralizador do Espiritismo tem então por causa primeira o fenômeno das
manifestações que têm trazido a fé; se esses fenômenos fossem uma ilusão, como
o pretendem os incrédulos, seria preciso bendizer uma ilusão que dá ao homem a
força de vencer seus maus pendores.
Revista Espírita de 1864, pag. 141: A força do
Espiritismo não reside na opinião de um homem nem de um Espírito; ela está na
universalidade do ensinamento dado pelos últimos; o controle universal, como o
sufrágio universal, decidirá no porvir as questões litigiosas; fundirá a
unidade da Doutrina bem melhor do que um concílio de homens. Esse princípio,
disso, estamos certos, senhores, fará o seu caminho, como fez o: Fora da
caridade não há salvação, porque está fundamentado sobre a mais rigorosa
lógica e na abdicação da personalidade. Não poderá contrariar senão os
adversários do Espiritismo, e aqueles que não têm fé senão em suas luzes
pessoais.
Revista Espírita de 1864, pag. 235: O Espiritismo é uma
fé íntima; está no coração e não nos atos exteriores, não prescreve nada que
seja de natureza a escandalizar aqueles que não compartilham dessa crença,
recomendando disso se abster por espírito de caridade e de tolerância.
Revista Espírita de 1864, pag. 100: Se a Doutrina
Espírita fosse uma concepção puramente humana, ela não teria por garantia senão
as luzes daquele que a houvesse concebido; ora, ninguém aqui neste mundo
poderia ter a pretensão de possuir sozinho, a verdade absoluta. Se os Espíritos
que a revelaram tivessem se manifestado a um só homem, nada garantiria sua
origem, porque se precisaria crer, sob a palavra, naquele que dissera ter
recebido seu ensinamento. Admitindo-se uma perfeita sinceridade de sua parte,
ele poderia no máximo convencer as pessoas de seu círculo: poderia fazer
sectários, mas jamais teria sucesso em reunir todo o mundo. Deus quis que a
nova revelação chegasse aos homens por uma via mais rápida e mais autêntica; é
por isso que encarregou os Espíritos de irem conduzi-la de um polo ao outro,
manifestando-se por toda parte, sem dar a ninguém o privilégio exclusivo de
escutar sua palavra.
Revista Espírita de 1864, pag. 101: Sabe-se que os
Espíritos, por causa da diferença que existe em suas capacidades, estão longe
de estar individualmente de posse de toda a verdade; que não é dado a todos
penetrar certos mistérios; que seu saber é proporcional à sua depuração; que os
Espíritos vulgares não sabem mais que os homens, e mesmo menos que certos
homens; que há entre eles, como entre os últimos, os presunçosos e os
pseudossábios que creem saber aquilo que não sabem; sistemáticos que tomam as
suas ideias pela verdade... árbitros da verdade. Em semelhante caso, que fazem
os homens que não têm, neles mesmos, uma confiança absoluta? Apegam-se à
opinião de maior número, e a opinião da maioria é seu guia. Assim deve-se
proceder em relação aos ensinos dos Espíritos que disso nos forneceram, eles
mesmos, os meios. A concordância dos ensinamentos dos Espíritos é então o
melhor controle; mas é preciso que ela tenha lugar em certas condições. A menos
certa de todas é quando um médium interroga, ele mesmo, a vários Espíritos
sobre um ponto duvidoso; é bem evidente que se ele está sob o império de uma
obsessão, e se estiver influenciado por um Espírito enganador, esse Espírito
pode lhe dizer a mesma coisa sob nomes diferentes. Não há, não mais, uma
garantia suficiente na conformidade que podemos obter pelos médiuns de um só
centro, porque eles podem sofrer a mesma influência. A única garantia séria
está na concordância que existe entre as
revelações feitas espontaneamente pela mediação de um grande número de médiuns,
estranhos uns aos outros, e em diversos países. Concebe-se que não se trata
aqui das comunicações relativas a interesses secundários, mas daquelas que se
relacionam aos princípios mesmos da Doutrina... O primeiro controle é, sem
contradita, aquele da razão, à qual é necessário submeter, sem exceção, tudo
aquilo que venha dos Espíritos; toda teoria em contradição manifesta com o bom
senso, com uma lógica rigorosa, e com os dados positivos que se possui, mesmo
que seja assinada por nome respeitável, deve ser rejeitada. Mas esse controle é
incompleto em muitos casos, devido à insuficiência de luzes de certas pessoas e
da tendência de muitos para manter seu próprio julgamento como árbitro único da
verdade. A única garantia séria está na concordância que existe entre as
revelações feitas espontaneamente pela mediação de um grande número de médiuns
estranhos uns aos outros e em diversos países. Tal é a base sobre a qual
nós nos apoiamos quando formulamos um princípio da Doutrina; não é porque
esteja de acordo com nossas ideias que o damos como verdadeiro; não nos
colocamos de nenhuma maneira como árbitros superiores da verdade, e não dizemos
a ninguém: Crê em tal coisa, porque o dizemos. Aos nossos olhos, nossa
opinião não é mais que uma opinião pessoal, que pode ser certa ou falsa, porque
não somos mais infalíveis que ninguém. Não é mais porque um princípio nos é
ensinado que é para nós a verdade, mas porque recebeu a sanção da concordância.
Revista Espírita de 1864, pag. 103: O controle universal
é uma garantia para a unidade futura do Espiritismo e anulará todas as teorias
contraditórias. É aí que, no porvir, se buscará o critério da verdade. O que
fez o sucesso da Doutrina, formulada em O Livro dos Espíritos e em O
Livro dos Médiuns, é que, por toda parte, cada um pode receber diretamente
dos Espíritos a confirmação daquilo que eles contêm. Se, de todas as partes, os
Espíritos tivessem vindo contradizê-los, esses livros teriam depois de muito
tempo tido a sorte de todas as concepções fantásticas. Mesmo o apoio da
imprensa não os teria salvado do naufrágio, enquanto que, mesmo privados desse
apoio, não deixaram de fazer um caminho rápido, porque tiveram o apoio dos bons
Espíritos cuja boa vontade compensou, e ultrapassou, a má vontade dos homens.
Assim o será de todas as ideias emanadas dos Espíritos e dos homens, que não
puderem suportar a prova desse controle, do qual ninguém pode contestar o
poder.”
Revista Espírita de 1859, pag. 176: Os Espíritos são
aquilo que são, e não podemos mudar a ordem das coisas; não sendo todos
perfeitos, não aceitamos suas palavras senão sob a análise e não com a
credulidade das crianças; julgamos, comparamos, tiramos as consequências de
nossas observações, e mesmo seus erros são para nós ensinamentos, porque não
fazemos abnegação de nosso discernimento. Essas observações se aplicam
igualmente a todas as teorias científicas que os Espíritos possam dar. Seria
muito cômodo ter apenas que os interrogar para encontrar a ciência toda feita,
e para possuir todos os segredos industriais: não adquirimos a ciência senão ao
preço do trabalho e das pesquisas; sua missão não é de nos livrar desta
obrigação. Sabemos aliás, que não somente nem todos não sabem tudo, mas que há
entre eles, como entre nós, falsos sábios, que creem saber aquilo que não
sabem, e falam daquilo que ignoram com o mais imperturbável desembaraço. Um
Espírito poderia então dizer que é o Sol que gira em torno da Terra e não o
contrário, e sua teoria não seria mais verdadeira porque vinda de um Espírito.
Que aqueles que nos supõem uma credulidade assim pueril, saibam pois que
tomamos toda opinião exprimida por um Espírito por uma opinião individual; que
não a aceitamos senão depois de a haver submetido ao controle da lógica e dos
meios de investigação que a própria ciência Espírita nos forneceu.
Revista Espírita de 1859, pag. 178: Nossos estudos nos
ensinam que o mundo invisível que nos cerca reage constantemente sobre o mundo
visível; no-lo mostram como uma das forças da Natureza; conhecer os efeitos
desta força oculta que nos domina e nos subjuga com nosso desconhecimento não é
ter a chave de mais um problema, a explicação de uma multidão de fatos que
passam despercebidos? Se esses efeitos podem ser funestos, conhecer a causa do
mal não é ter um meio de se prevenir, como o conhecimento das propriedades da
eletricidade nos tem dado o meio de atenuar os efeitos desastrosos do raio? Se
então sucumbirmos, não poderemos nos queixar senão de nós mesmos, porque não
teremos a ignorância por desculpa. O perigo está no império que os maus
Espíritos impõem sobre os indivíduos, e esse império não é somente funesto do
ponto de vista dos interesses da vida material. A experiência nos ensina que
jamais é impunemente que alguém se abandona à sua dominação; porque suas
intenções não podem nunca ser boas. Uma de suas táticas para chegar a seus fins
é a desunião, porque sabem muito bem que poderão facilmente tirar vantagens
daquele que está privado de apoio; também, seu primeiro cuidado, quando querem
se apoderar de alguém, é sempre o de lhe inspirar a desconfiança e a antipatia
por quem possa desmascará-lo com esclarecimentos, por conselhos salutares. Uma
vez senhores do terreno, podem, a seu gosto, fasciná-lo com promessas
sedutoras, subjugá-lo lisonjeando suas inclinações, aproveitando para isso
todos os pontos fracos que encontram, para melhor fazê-lo sentir em seguida a
amargura das decepções, afligi-lo em suas afeições, humilhá-lo em seu orgulho
e, frequentemente, elevá-lo por um momento senão para precipitá-lo de mais
alto. Para se prevenir contra tais perigos, Allan Kardec nos dá o seguinte
sábio conselho:
Revista Espírita de 1859, pag. 180: Direi primeiro que,
segundo o seu conselho – o conselho de seus Guias – Eu não aceito jamais
nada sem exame e sem controle; não adoto uma ideia a não ser que ela me
pareça racional, lógica, se está de acordo com os fatos e as observações, se
nada de sério a vem contradizer. Mas meu julgamento não poderia ser um critério
infalível; o consentimento que tenho encontrado junto de uma multidão de gente
mais esclarecida do que eu é para mim uma primeira garantia; encontro uma
outra, não menos preponderante, no caráter das comunicações que me têm sido
feitas desde que me ocupo com o Espiritismo; jamais, posso dizê-lo, escapou uma
única dessas palavras, um só desses sinais pelos quais se traem os Espíritos
inferiores, mesmo os mais astuciosos; jamais dominação; jamais conselhos
equivocados ou contrários à caridade e à benevolência, jamais prescrições
ridículas; longe disso, não encontrei neles senão pensamentos grandes, nobres,
sublimes, isentos de pequenez e mesquinharia; em uma palavra, suas relações
comigo, nas menores, como nas maiores coisas, têm sido sempre tais que, se
tivesse sido um homem que me houvesse falado, eu o teria pelo melhor, o mais
sábio, o mais prudente, o mais moral e o mais iluminado. Eis, senhores, os
motivos de minha confiança, corroborada pela identidade de ensinamento dado a
uma multidão de outras pessoas, antes e depois da publicação de minhas obras...
Revista Espírita de 1859, pag. 182: Pode-se diferir de
opinião sobre pontos da ciência sem se morder e se atirar pedras; é mesmo muito
pouco digno e muito pouco científico fazê-lo. Busque de seu lado como buscamos
do nosso; o porvir dará razão àquele de direito. Se nos enganamos, não tenhamos
o tolo amor-próprio de nos obstinar com ideias falsas; mas há princípios sobre
os quais se está certo de não se enganar: são o amor do bem, a abnegação, a
abjuração de todo sentimento de inveja e ciúme; esses princípios são os nossos,
e com esses princípios pode-se sempre simpatizar sem se comprometer; é o laço
que deve unir todos os homens de bem, qualquer que seja a divergência de suas
opiniões: somente o egoísmo coloca entre eles uma barreira intransponível.
Revista Espírita de 1859, pag. 183: Onde quer que chegue,
minha vida está consagrada à obra que empreendemos, e serei feliz se meus
esforços puderem ajudar a fazê-la entrar na via séria que é sua essência, a
única que poderá assegurar seu porvir. O objetivo do Espiritismo é fazer
melhores aqueles que o compreendem; tratemos de dar o bom exemplo e de
mostrar que para nós a Doutrina não é letra morta; em uma palavra sejamos
dignos dos bons Espíritos, se queremos
que os bons Espíritos nos assistam. O bem é uma couraça contra a qual virão
sempre se quebrar as armas da malevolência.
Revista Espírita de 1865, pag. 66: As ideias do homem
são em razão do que ele sabe; como em todas as descobertas importantes, a da
construção dos mundos deveu dar-lhes outro curso. Sob o império desses novos
conhecimentos, as crenças devem se modificar; o céu foi transferido. A
região das estrelas sendo sem limites não pode mais lhe servir. Onde ele
está? Diante desta questão, todas as religiões permanecem mudas. O
Espiritismo vem resolvê-la demonstrando o verdadeiro destino do homem. A
natureza deste último e os atributos de Deus sendo tomados por ponto de partida
se chega à conclusão. O homem é composto do corpo e do Espírito. O Espírito é o
ser principal, o ser da razão, o ser inteligente; o corpo é o envelope material
que reveste temporariamente o Espírito para o cumprimento de sua missão sobre a
Terra e a execução do trabalho necessário ao seu avanço. O corpo usado se
destrói e o Espírito sobrevive a essa destruição. Sem o Espírito, o corpo não é
senão uma matéria inerte, como um instrumento privado do braço que o faz agir;
no corpo, o Espírito é tudo: a vida e a inteligência. Deixando o corpo, ele
reentra no mundo espiritual de onde tinha saído para se encarnar. Há então o mundo
corpóreo, composto dos Espíritos encarnados, e o mundo espiritual,
formado dos Espíritos desencarnados. Os Espíritos são criados simples e
ignorantes, mas com a aptidão de tudo adquirir e a progredir em virtude de seu
livre arbítrio. Pelo progresso, adquirem novos conhecimentos, novas faculdades,
novas percepções e, em consequência, novos gozos desconhecidos aos Espíritos
inferiores; eles veem, ouvem, sentem e compreendem o que os Espíritos atrasados
não podem nem ver, nem ouvir, nem sentir, nem compreender. A felicidade está em
razão do progresso alcançado; de sorte que, de dois Espíritos, um pode não
estar tão feliz quanto o outro, unicamente porque não é tão avançado
intelectualmente e moralmente, sem que tenham necessidade de estar cada um num
lugar distinto. Ainda que estando ao lado um do outro, um pode estar nas
trevas, ao passo que tudo é resplendente ao redor do outro, absolutamente como
para um cego e um vidente que se dão a mão; um percebe a luz, que não causa
nenhuma impressão sobre seu vizinho. A felicidade dos Espíritos sendo inerente
às qualidades que possuem, eles a haurem por toda parte onde se encontrem, na
superfície da Terra, no meio dos encarnados ou no espaço.
Revista Espírita de 1865, pag. 37: A Doutrina Espírita
muda inteiramente a maneira de encarar o porvir. A vida futura não é mais uma
hipótese, mas uma realidade; o estado das almas após a morte não é mais um
sistema, mas um resultado da observação. O véu foi levantado; o mundo invisível
nos aparece em toda sua realidade prática; não são os homens que o descobriram
por esforço de uma concepção engenhosa; foram os próprios habitantes desse
mundo que vieram nos descrever sua situação. Nós os vemos em todos os graus da
escala espiritual, em todas as fases de felicidade ou de infelicidade;
assistimos a todas as peripécias da vida de além-túmulo. Aí está para os
espíritas a causa da calma com a qual eles encaram a morte, a serenidade de
seus derradeiros instantes sobre a Terra. O que os sustenta não é somente a
esperança, é a certeza; sabem que a vida futura não é senão a continuação da
vida presente em melhores condições, e a esperam com a mesma confiança que
esperam o alvorecer do Sol depois de uma noite de tempestade. Os motivos dessa
confiança estão nos fatos de que são testemunhas e na concordância desses fatos
com a lógica, a justiça e a bondade de Deus e as aspirações íntimas do homem.
Revista Espírita de 1865, pag. 41: O Espiritismo não se
afastará da verdade e não terá nada a temer das opiniões contraditórias, uma
vez que sua teoria científica e sua doutrina moral são uma dedução dos fatos
escrupulosamente e conscienciosamente observados, sem preconceitos nem sistemas
preconcebidos. É diante de uma observação mais completa que todas as teorias
prematuras e arriscadas, eclodidas na origem dos fenômenos espíritas modernos,
caíram e vieram se fundir na imponente unidade que existe hoje e contra a qual
não se veem mais senão raras individualidades que diminuem todos os dias. As
lacunas que a teoria atual pode ainda encerrar se completarão da mesma maneira.
O Espiritismo está longe de haver dito sua última palavra quanto às suas
consequências, mas está inabalável nesta base, porque esta base se assenta
sobre os fatos. Que os espíritas fiquem, pois, sem receio: o porvir é para
eles; que deixem seus adversários se debater sob o peso da verdade que os
ofusca, porque toda negação é impotente contra a evidência que triunfa
inevitavelmente pela força das coisas. É uma questão de tempo, e neste século o
tempo caminha a passos de gigante sob o impulso do progresso.
Revista Espírita de 1868, pag. 209: O Espiritismo, por
sua natureza e seus princípios, é essencialmente pacífico; é uma ideia que se
infiltra sem ruído, e se encontra numerosos adeptos, é porque agrada; jamais
fez declamações, nem propaganda, nem qualquer encenação; forte pelas leis
naturais sobre as quais se apoia se vê crescer sem esforços nem abalos, não vai
atrás de ninguém; não violenta nenhuma consciência; diz aquilo que é, e espera
que venham a ele. Todo o ruído que é feito ao seu redor é obra de seus
adversários; se é atacado, deve se defender, mas sempre o fez com calma,
moderação e apenas pelo raciocínio, jamais se afastou da dignidade que é
própria de toda causa que tem a consciência de sua força moral; jamais usou de
represálias restituindo injúrias com injúrias, maus procedimentos com maus
procedimentos. Não é esse, convenhamos, o caráter ordinário dos partidos
inquietos por natureza, fomentando a agitação, e a quem tudo é bom para atingir
aos seus fins? Mas desde que lhe demos este nome – de partido – o aceita, certo
que não o desonrará por nenhum excesso; porque repudiaria qualquer um que disso
se prevalecesse para suscitar o menor problema. O Espiritismo prosseguia em sua
rota sem provocar nenhuma manifestação pública, aproveitando totalmente a
publicidade que lhe davam seus adversários; quanto mais sua crítica fosse
zombeteira, acerba, virulenta, mais excitava a curiosidade daqueles que não o
conheciam, e que, para saber que opinião se ter sobre essa, assim dizendo, nova
excentricidade, iam simplesmente se informar na fonte, isto é, nas obras
especiais; se estudava, e se encontrava totalmente outra coisa que não aquilo
que se estava pretendendo dele dizer. É
um fato notório que as declamações furiosas, os anátemas e as perseguições
ajudaram fortemente à sua propagação, porque, em lugar de dissuadir, provocavam
o exame, não fosse isso que atrai um fruto defendido. As massas têm sua lógica;
dizem que se uma coisa nada fosse; dela não se falaria, e medem sua importância
precisamente pela violência dos ataques de que são objeto e pelo esforço que
causa a seus antagonistas.
Revista Espírita de 1866, pag. 114: Inscrevendo no
frontispício do Espiritismo a lei suprema do Cristo, abrimos a via do Espiritismo
Cristão; fomos, pois instituídos a lhe desenvolver os princípios, como
também os caracteres do verdadeiro espírita sob esse ponto de vista. Que outros
possam fazer melhor do que nós, não iremos contra, porque jamais dissemos:
“Fora de nós não há verdade”. Nossas instruções sendo, pois, para aqueles que
as acham boas, são aceitas livremente, e traçamos uma rota sem restrições,
segue-a quem quer; damos conselhos àqueles que no-los pedem, e não àqueles que
creem poder dispensá-los; não impomos nada a ninguém, não temos qualidade para isso.
Quanto à supremacia, ela é toda moral, e na adesão dos que partilham nossa
maneira de ver, não somos investidos, por isso mesmo, de nenhum poder oficial,
não solicitamos nem reivindicamos nenhum privilégio; não nos concedemos nenhum
título, e o único que tomamos com os partidários de nossas ideias é aquele de
irmão em crença; se nos consideram como seu chefe, é em consequência da posição
que nos dão nosso trabalho e não em virtude de uma decisão qualquer. Nossa
posição é aquela que cada um podia ter antes de nós; nosso direito, aquele que
todo mundo tem de trabalhar como entende e de correr o risco do julgamento
público.
Revista Espírita de 1866, pag. 299: Ele não disse: Fora
do Espiritismo não há salvação, mas com o Cristo: Fora da caridade não
há salvação, princípio de união, de tolerância, que unirá os homens dentro
de um sentimento de fraternidade, em lugar de dividi-los em seitas inimigas.
Por este outro princípio: Não há fé inabalável senão aquela que pode encarar
a razão face a face, em todas as épocas da humanidade, ele destrói o
império da fé cega que aniquila a razão, da obediência passiva que embrutece;
ele emancipa a inteligência do homem e levanta sua moral.
Revista Espírita de 1868, pag. 377: Acrescentamos que a
tolerância, consequência da caridade, que é a base da moral espírita, lhe fez
como dever respeitar todas as crenças. Querendo ser aceito livremente por
convicção e não por contrição, proclamando a liberdade de consciência como um
direito natural imprescindível, disse: Se tenho razão, os outros acabarão
por pensar como eu; se estiver errado, acabarei por pensar como os outros.
Em virtude desses princípios, não lançando pedra em ninguém, não dará nenhum
pretexto a represálias, e deixará aos dissidentes toda a responsabilidade de
suas palavras e de seus atos.
X X X
Os desastrados amigos
Revista Espírita de 1863, pag. 74: Dessa forma, se
ninguém pode deter a marcha geral do Espiritismo, são as circunstâncias que lhe
podem trazer entraves parciais, como uma pequena barragem que pode diminuir o
curso de um rio sem o impedir de escoar. Dessa espécie são os passos
inconsiderados de certos adeptos, mais zelosos que prudentes, que não calculam
bem a importância de seus atos ou de suas palavras; por isso produzem sobre as
pessoas ainda não iniciadas na Doutrina uma impressão desfavorável, bem mais
própria a afastá-los que as diatribes dos adversários. O Espiritismo está, sem
dúvida, muito difundido, mas o seria ainda mais se todos os adeptos tivessem
sempre escutado os conselhos da prudência e soubessem se colocar em uma sábia
reserva. É preciso, sem dúvida, ter em conta a intenção, mas é certo que mais
de um tem justificado o provérbio: Mais vale um inimigo declarado do que um
amigo desastrado. O pior disto, é fornecer as armas aos adversários que
habitualmente sabem explorar uma falta de jeito. Não seria pois excessivo
recomendar aos espíritas para refletir maduramente antes de agir; em tal caso,
manda a prudência o não referir-se à sua opinião pessoal. Hoje, que de todos os
lados se formam grupos ou sociedades, nada é mais simples que se harmonizar
antes de agir. O verdadeiro Espírita, não tendo em vista senão o bem da coisa,
sabe fazer abnegação do amor-próprio; crer em sua própria infalibilidade,
recusar se render à opinião da maioria e persistir em um caminho que se
demonstra mau e comprometedor, não é a postura de um verdadeiro espírita; isto
seria fazer prova de orgulho se não for de fato uma obsessão.”
X X X
Allan Kardec não para de nos
colocar em guarda contra as comunicações de certas categorias de Espíritos e
nos recomenda a cada instante a sempre passar todos os seus ditados pelo
cadinho da consciência e da razão.
Revista Espírita de 1863, pag. 75: Esses falsos sábios
falam de tudo, reavivando os sistemas, criando utopias, ou ditando as coisas
mais excêntricas, e ficam felizes de encontrar intérpretes complacentes e crédulos
que aceitem suas elucubrações de olhos fechados. Esse tipo de publicações é
inconveniente muito grave, porque o médium, tendo enganado a si mesmo, seduzido
mais frequentemente por um nome apócrifo, as dá como coisas sérias; do que a
crítica se apodera com empenho para denegrir o Espiritismo, ao passo que, com
menos presunção, seria suficiente tomar conselhos de seus colegas para ser
esclarecido. É muito raro que, nesse caso, o médium não ceda à injunção de um
Espírito que quer – ai de mim! - “como certos homens, de qualquer modo se
impor; com mais experiência, saberia que os Espíritos verdadeiramente
superiores aconselham, mas não se impõem nem nunca se envaidecem, e que toda
prescrição imperiosa é um sinal suspeito.”
Revista Espírita de 1863, pag. 159: Não se saberia, pois,
em relação à publicidade, trazer muita circunspecção, nem calcular com
suficiente cuidado o efeito que pode ser produzido sobre o leitor. Em resumo, é
um grave erro o se crer obrigado a publicar tudo que dizem os Espíritos, porque
se os há bons e iluminados, os há maus e ignorantes; é importante fazer uma
escolha muito rigorosa de suas comunicações e de descartar tudo que é inútil,
insignificante, falso ou de natureza a produzir uma má impressão. É preciso
semear, sem dúvida, mas semear os bons grãos e no momento oportuno. É nesse
tipo de trabalho medianímico que notamos mais os sinais de obsessão, dos quais
um dos mais frequentes é a injunção da parte do Espírito de fazê-los imprimir,
e mais de um pensa erradamente que esta recomendação é suficiente para
encontrar um editor empenhado de se encarregar disso.
Revista Espírita de 1863, pag. 158: Em toda obra
mediúnica, convém primeiramente descartar tudo aquilo que, sendo de interesse
privado, não interessa senão àquele que lhe concerne; depois, tudo aquilo que é
vulgar pelo estilo dos pensadores, ou pueril pelo assunto; uma coisa pode ser
excelente em si mesma, muito boa para fins de instrução pessoal, mas aquilo que
deve chegar ao público exige condições especiais; infelizmente, o homem está
inclinado a imaginar que tudo aquilo que lhe agrada deve agradar aos outros; o
mais hábil pode se enganar; o que importa de tudo é se enganar o menos
possível. Há Espíritos que se aprazem em manter essa ilusão junto a certos
médiuns: é por isso que não seria excessivo recomendar a esses últimos de não
se render em absoluto a seu próprio julgamento, e é nisso que os grupos são
úteis; por causa da multiplicidade de pareceres que se permite recolher; aquele
que, neste caso, recusasse a opinião da maioria, crendo ter mais luzes que
todos, provaria de forma superabundante a má influência sob a qual se encontra.
Revista Espírita de 1864, pag. 323: É um fato constatado
que o Espiritismo é mais entravado por aqueles que o compreendem mal do que por
aqueles que não o compreendem de todo, e mesmo por seus inimigos declarados; e
é de se notar que aqueles que o compreendem mal têm geralmente a pretensão de
compreendê-lo melhor do que os outros; não é raro de ver novatos pretender, no
fim de alguns meses, admoestar àqueles que têm experiência, por eles adquirida
por estudos sérios. Essa pretensão, que trai o orgulho, é ela mesma uma prova
evidente da ignorância dos verdadeiros princípios da Doutrina.
X X X
A um amador, muito crédulo, que se
acreditava iludido por um médium assalariado, e que pedira a Allan Kardec que o
entregasse à justiça dos homens, à espera que fosse punido pela de Deus, o
mestre respondeu:
Revista Espírita de 1865, pag. 88: Lamento que você
tenha podido pensar que eu serviria no que quer que seja, a seus desejos
vingativos, tomando providências para levar os culpados à justiça. Isto sendo,
você se equivoca singularmente sobre meu papel, meu caráter e minha compreensão
dos verdadeiros interesses do Espiritismo. Se você é realmente, como você o diz,
meu irmão em Deus, creia-me, implore Sua clemência e não Sua cólera; porque
aquele que chama essa cólera sobre outro, corre o risco de fazê-la cair sobre
si mesmo.
Revista Espírita de 1869, pag. 354: Esses fenômenos,
trazidos à moda pelo atrativo da curiosidade, se tornaram uma diversão, e
tentaram a cupidez das gentes sob o pretexto de que isso seria novidade, na
esperança de encontrar uma porta aberta. As manifestações pareciam uma matéria
maravilhosamente explorável, e mais de um sonhava em se fazer um auxiliar de
tal indústria; outros viam uma variante da arte de adivinhação, um meio talvez
mais seguro que a cartomancia, a borra de café, etc., para conhecer o porvir e
descobrir as coisas ocultas, porque, segundo a opinião de então, os Espíritos
deviam tudo saber. Desde que essa gente viu que a especulação escorregava de
suas mãos e tendia à mistificação, que os Espíritos não vinham lhes ajudar a
fazer fortuna, lhes dar os bons números de loteria, lhes ler a sorte
verdadeira, lhes fazer descobrir tesouros ou recolher as heranças, lhes dar
qualquer uma boa invenção frutuosa e patenteável, suprir a sua ignorância e
lhes dispensar de todo trabalho intelectual e material, então os Espíritos não
serviriam para nada, suas manifestações não seriam senão ilusões. Da mesma
forma que eles haviam promovido o Espiritismo, enquanto que eles tiveram a
esperança de lhe retirar um lucro qualquer, da mesma forma o denegriram quando
veio o desapontamento. Mais de um crítico que o escarneceu o retrataria nas
nuvens se lhe houvesse feito descobrir um tio na América ou ganhar na Bolsa.
Revista Espírita de 1866, pag. 78: Diremos primeiramente
que o Espiritismo não podia ser responsável pelos indivíduos que tomam
indevidamente a qualidade de médium, não mais que a ciência verdadeira não é
responsável pelos escamoteadores que se dizem físico. Um charlatão pode pois
dizer que opera com a ajuda de Espíritos, como um prestidigitador diz que opera
com a ajuda psíquica; é um meio, como outro, de lançar poeira aos olhos; tanto
pior para os que nisto se deixam prender. Em segundo lugar, o Espiritismo
condena a exploração da mediunidade, como contrária aos princípios da Doutrina
do ponto de vista moral, e demonstrando que não deve nem pode ser um ofício nem
uma profissão; todo médium que não tire de sua faculdade algum lucro direto ou
indireto, ostensivo ou dissimulado, descarta, por isso mesmo, até a suspeição
de trapaça ou charlatanismo; desde que não seja solicitado por algum interesse
material, o malabarismo seria sem propósito. O médium que compreende o que há
de grave e de sagrado em um dom dessa natureza creria profaná-lo, ao fazê-lo
servir às coisas mundanas para si e para os outros, ou se dele fizesse um
objeto de divertimento e de curiosidade; respeita os Espíritos como quereria que
se o respeitassem quando se tornar um Espírito, e não os colocaria em
ostentação. Por outro lado, sabe que a mediunidade não pode ser um meio de
adivinhação; que ela não pode descobrir os tesouros, as heranças, nem facilitar
o êxito nas chances aleatórias, e não lê a sorte, nem por dinheiro nem por
nada; então ela não terá jamais de desembaraçar-se com a justiça. Quanto à
mediunidade de cura, ela existe, isto é certo; mas está subordinada a condições
restritas, que excluem a possibilidade de se ter uma sala aberta às consultas,
e sem suspeita de charlatanismo, é uma obra de devotamento e sacrifício, e não
de especulação. Exercida com desinteresse, prudência e discernimento, e
encerrada nos limites traçados pela Doutrina, ela não pode cair sob o golpe da
lei. Em resumo, o médium, segundo os objetivos da Providência e do Espiritismo,
quer seja artesão ou príncipe, porque dela há no palácio e nas choupanas,
recebeu um mandato que cumpre religiosamente e com dignidade; não vê em sua
faculdade senão um meio de glorificar Deus e de servir a seu próximo, e não um
instrumento para servir seus interesses ou satisfazer sua vaidade; se faz
estimar e respeitar por sua simplicidade, sua modéstia e sua abnegação, o que
não é o fato com aqueles que procuram dela fazer um degrau.
Revista Espírita de 1867, pag. 300: O desinteresse
material, que é um dos atributos essenciais da mediunidade curadora, será
também uma das condições da medicina medianímica? Como então conciliar as
exigências da profissão com uma abnegação absoluta? Isto demanda algumas
explicações, porque não é o mesmo caso. A faculdade do médium curador não lhe
custou nada; não exigiu dele nem estudo, nem trabalho, nem despesas; ele a
recebeu gratuitamente para o bem de outro, e deve usá-la gratuitamente. Como
precisa antes de tudo viver, se não tem, por si mesmo, recursos que o faça
independente, deve procurar os meios no seu trabalho ordinário, como o havia
feito antes de conhecer a mediunidade; ele não dá ao exercício de sua
faculdade senão o tempo que lhe pode consagrar. Se toma esse tempo de seu
repouso, e se emprega, para se tornar útil a seus semelhantes, o que seria
consagrado às distrações mundanas, é por devotamento verdadeiro, e disso não
tem senão mais mérito. Os Espíritos não lhe pedem mais, e não exigem nenhum
sacrifício não razoável. Não se poderia considerar como devoção e abnegação o
abandono de seu status para se entregar a um trabalho menos penoso e
mais lucrativo. Na proteção que lhe concedem, os Espíritos, aos quais não se
pode impor, sabem perfeitamente distinguir os devotamentos reais dos
devotamentos fictícios.
X X X
Fraudes Espíritas
Revista Espírita de 1859, pag. 94: De que há charlatães
que vendem drogas em praças públicas, de que há mesmo médicos que, sem ir à
praça pública, enganam a confiança alheia, se segue que todos os médicos são
charlatães, e o corpo médico nisso seja atingido em nossa consideração? De que
há gente que vende a tintura por vinho, se segue que todos os vendedores de
vinho são fraudadores e que não há nenhum vinho puro? Se abusa de tudo, mesmo
das coisas mais respeitáveis, e pode-se dizer que a fraude também tem o seu
gênio. Mas a fraude tem sempre um propósito, um interesse material qualquer;
onde não há nada a ganhar, não há nenhum interesse a enganar. “Também dissemos,
a propósito dos médiuns mercenários, que a melhor de todas as garantias é um
desinteresse absoluto.”
Revista Espírita de 1869, pag. 42: Estigmatizando a
especulação, como nós o temos feito, temos a certeza de ter preservado a
Doutrina de um verdadeiro perigo, perigo maior que a má vontade de seus
antagonistas confessos, porque dela não restaria nada menos que seu descrédito;
por isso mesmo, ela lhes teria oferecido um lado vulnerável, no entanto têm se
detido ante a pureza de seus princípios. Não ignoramos que temos suscitado
contra nós a animosidade dos especuladores, e que temos alienado seus
participantes; mas que nos importa! Nosso dever é manter sob mão a causa da
Doutrina e não os interesses deles; e esse dever, nós o cumpriremos com
perseverança e firmeza até o fim.
Revista Espírita de 1864, pag. 78: Mas não é somente
contra cupidez que os médiuns devem se manter em guarda; como os há em todas as
faixas da sociedade, a maior parte está sob essa tentação; mas há outro perigo,
de outro modo bem grande, porque todos lhe estão expostos, que é o orgulho,
onde se perde o maior número; é contra esse escolho que as mais belas faculdades
vêm frequentemente se quebrar. O desinteresse material é sem proveito se não
estiver acompanhado do mais completo desinteresse moral. Humildade,
devotamento, desinteresse e abnegação são as qualidades do médium amado pelos
bons Espíritos.
Revista Espírita de 1867, pag. 8: É preciso se figurar
que estamos em guerra, que os inimigos estão à nossa porta, prestes a segurar a
ocasião favorável, e que dirigem as inteligências no local. Nesta
circunstância, que há a fazer? Uma coisa bastante simples: se restringir
estritamente dentro do limite dos preceitos da Doutrina: se esforçar em
demonstrar o que ela é por seu próprio exemplo, e declinar toda solidariedade
com aquilo que poderia ser feito em seu nome que fosse de natureza a
desacreditá-la, porque isso não costuma ser o feito de adeptos sérios e
convictos. Não basta se dizer espírita: aquele que o é de coração o
prova por seus atos. A Doutrina, não pregando senão o bem, o respeito às
leis, a caridade, a tolerância e a benevolência com todos; repudiando toda violência
feita à consciência do outro, todo charlatanismo, todo pensamento interesseiro
no que concerne às relações com os Espíritos, e toda coisa contrária à moral
evangélica, aquele que não se afasta da linha traçada não pode incorrer em
nenhuma censura justa, ou demandas legais; bem mais que isso, quem toma a
Doutrina por regra de conduta, não pode senão se conciliar à estima e à
consideração das pessoas imparciais; diante do bem, até mesmo a incredulidade
zombeteira se inclina, e a calúnia não pode sujar aquele que é sem mancha. É
dentro dessas condições que o Espiritismo atravessará os temporais que se
amontoam sobre sua rota e que sairá triunfante de todas as lutas.
Revista Espírita de 1864, pag. 5: A situação do
Espiritismo em 1863 pode se resumir assim: ataques violentos, multiplicação dos
escritos contra e a favor; movimentação das ideias, expansão notável da
Doutrina, mais sinais exteriores de natureza a produzir uma sensação geral, as
raízes se estendem, produzem brotos, à espera que a árvore desdobre seus ramos.
O momento de sua maturidade ainda não chegou.
Revista Espírita de 1864, pag. 3: A moderação dos
espíritas é o que assombra e contraria mais seus adversários; tentarão tudo
para fazê-los dela sair, mesmo a provocação; mas saberão frustrar essas
manobras por sua prudência, como já fizeram em mais de uma ocasião, e não
caíram nas ciladas que se lhes prepararam; verão, aliás, os instigadores se
prenderem em seus próprios laços, porque é impossível que cedo ou tarde não
revelem seus propósitos. Este é um momento mais difícil de passar do que aquele
da guerra aberta, onde se vê o inimigo face a face: mas por mais rude seja
prova, maior será o triunfo. De resto, essa campanha teve um imenso resultado,
o de provar a impotência das armas dirigidas contra o Espiritismo; os homens
mais capazes do partido oposto entraram em liça; todos os recursos de
argumentação têm sido desdobrados e, nada tendo sofrido o Espiritismo, cada um
saiu convicto de que não se poderia lhe opor nenhuma razão peremptória, e a
maior prova da penúria de boas razões é que se recorreu ao triste e ignóbil
recurso da calúnia; mas aparentando uma boa vontade, pretendeu-se que o
Espiritismo dissesse o contrário daquilo que ele diz: a Doutrina está lá,
escrita em termos tão claros que desafiam toda falsa interpretação, é assim
que a odiosidade da calúnia recai sobre aqueles que a empregam e os convence da
sua impotência.”
Revista Espírita de 1864, pag. 198: A oposição que se faz
a uma ideia está sempre em razão de sua importância; se o Espiritismo tivesse
sido uma utopia, dele não se teria ocupado mais do que de tantas outras
teorias; a animosidade da luta é um índice certo que se o toma a sério. Mas se
há luta entre o Espiritismo e o clero, a história dirá quem têm sido os
agressores. Os ataques e as calúnias de que tem sido objeto o forçaram a
devolver as armas que se lhe lançaram e mostrar o lado vulnerável de seus
adversários. Isto, importunando-os, deteve sua marcha? Não, este é um fato
aceito. Se os tivéssemos deixado quietos, o nome mesmo do clero não teria sido
pronunciado, e talvez eles tivessem ganhado. Atacando-os em nome dos dogmas da
Igreja, foram forçados a discutir o valor das objeções, e por isso mesmo a
entrar num terreno que não tinham a intenção de abordar. A missão do Espiritismo
é de combater a incredulidade pela evidência dos fatos, de conduzir a Deus
aqueles que o desconhecem, de provar o porvir àqueles que não creem em nada;
por que então a Igreja joga anátemas àqueles a quem ele dá essa fé, ainda mais
quando não criam em nada? Rejeitar aqueles que creem em Deus e em sua alma, é
constrangê-los a procurar um refúgio fora da Igreja. Quem, primeiramente,
proclamou que o Espiritismo era uma nova religião, com seu culto e seus padres,
senão os clérigos? Onde você vê, até o presente, o culto e os padres do
Espiritismo? Se algum dia se tornar uma religião, é o clero quem o terá
provocado.,
X X X
Não tendo o auto de fé de Barcelona
saciado o ódio do clero contra o Espiritismo e os espíritas, a Congregação de
Roma colocou no “Índex” O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns,
e A Imitação do Evangelho Segundo o Espiritismo. Longe de se entristecer
com esta nova prova de intolerância clerical, Allan Kardec se alegrou:
Revista Espírita de 1864, pag. 217: Qualquer que seja a
razão, os livros espíritas foram colocados no “Índex”. Tanto melhor! Porque
muitos daqueles que ainda não os leram os devorarão; tanto melhor! Porque de
dez pessoas que os folhearem, pelo menos sete ficarão convencidas, ou
fortemente abaladas e desejosas de estudar os fenômenos espíritas; tanto
melhor! Porque nossos adversários mesmos, vendo que seus esforços não chegam
senão a resultados diametralmente contrários aos que esperavam se reunirão a
nós, se possuem a sinceridade, o desinteresse e as luzes que seu ministério
comporta. Assim o quer, aliás, a lei de Deus; nada no mundo pode permanecer
eternamente estacionário, mas tudo progride, e a ideia religiosa deve seguir
o progresso geral se não quiser desaparecer.
Revista Espírita de 1865, pag. 187: Jamais uma Doutrina
filosófica dos tempos modernos causou tanta comoção quanto o Espiritismo,
jamais alguma tem sido atacada com tanta animosidade; esta a prova evidente de
que se lhe reconhece mais vitalidade e raízes mais profundas que às outras,
porque não se pega um enxadão para se arrancar uma haste de erva. Os espíritas,
longe de se espantarem, devem se alegrar, pois isso prova a importância e a
verdade da Doutrina. Se ela não fosse senão uma ideia efêmera e sem
consistência, uma mosca que voa, não se lhe atiraria projéteis de artilharia;
se fosse falsa, se lhe bateria intensamente com argumentos sólidos que teriam
já triunfado; mas desde que nenhum daqueles que se lhe opuseram, a puderam
deter, é porque ninguém encontrou defeito na couraça; não foi, no entanto, nem
o talento nem a boa vontade que faltaram a seus antagonistas.
Revista Espírita de 1865, pag. 190: O Espiritismo marcha
através de numerosos adversários que, não o tendo podido pegar pela força,
tentam pegá-lo pela astúcia; eles se insinuam por toda parte, sob todas as
máscaras, e até nas reuniões íntimas, na esperança de surpreender um fato ou
uma palavra que frequentemente eles houveram provocado, e que esperam explorar
em seu benefício. Comprometer o Espiritismo e torná-lo ridículo, tal é a tática
por meio da qual esperam, a princípio, desacreditá-lo, para ter mais tarde um
pretexto de interditar, se isso for possível, seu exercício público. “Esta é a
armadilha contra a qual é preciso estar em guarda, porque é armada de todos os
lados, e à qual, sem o saber, dão a mão aqueles que se deixam levar pelas
sugestões dos Espíritos zombeteiros e mistificadores.”
Revista Espírita de 1869, pag. 357: Trabalhemos para
compreender, para crescer nossa inteligência e nosso coração; lutemos com os
outros; mas lutemos com caridade e abnegação. Que o amor ao próximo, inscrito
sobre nossa bandeira, seja nossa divisa: a pesquisa e a verdade, de qualquer
parte que ela venha, nosso propósito único! Com tais sentimentos, desafiemos as
zombarias de nossos adversários e as investidas de nossos competidores. Se nos
enganamos, não tenhamos o tolo amor próprio de nos obstinar nas ideias falsas;
mas estamos certos de que há princípios sobre os quais jamais podemos nos
enganar: é o amor ao bem, a abnegação, a abjuração de todo sentimento de inveja
e ciúme. Esses princípios são os nossos; vemos neles o laço que deve unir todos
os homens de bem, qualquer que seja a divergência de sua opinião; somente entre
eles o egoísmo e a má fé colocam barreiras intransponíveis. Mas qual será a
consequência desse estado de coisas? Sem contradita, os conluios dos falsos
frades poderão trazer momentaneamente algumas perturbações parciais. Por isso é
preciso fazer todos os esforços para frustrá-los tanto quanto possível. Mas,
necessariamente, não o farão senão por um tempo e não poderão ser prejudiciais
para o porvir: primeiramente porque é uma manobra da oposição que cairá pela
força das coisas; por outro, qualquer que seja que digam e que façam, não
poderão suprimir da Doutrina seu caráter distintivo: sua filosofia racional é
lógica, sua moral consoladora e regeneradora. Hoje, as bases do Espiritismo
estão colocadas de uma maneira inabalável; os livros escritos sem equívocos e
colocados à disposição de todas as inteligências serão sempre a expressão clara
e exata do ensino dos Espíritos; a transmitirão intacta àqueles que virão
depois de nós. Não precisamos perder de vista que estamos em um momento de
transição, e que nenhuma transição se opera sem conflito. Não é preciso, pois
se admirar de ver se agitarem certas paixões; as ambições, os compromissos, os
interesses contrariados, as pretensões decepcionadas; mas pouco a pouco tudo
isso se extingue, a febre se acalma, os homens passam e as novas ideias
permanecem. Espíritas, se querem ser invencíveis, sejam benevolentes e
caridosos; o bem é uma couraça contra a qual sempre vêm se quebrar as manobras
da malevolência.
Revista Espírita de 1865, pag. 264: Por ora façamos o
maior bem possível com ajuda do Espiritismo: façamo-lo mesmo a nossos inimigos;
ser pagos com a ingratidão é o melhor meio de vencer certas resistências e de
provar que o Espiritismo não é tão negro como alguns o pretendem.”
Revista Espírita de 1864, pag. 326: O Espiritismo;
repito, em demonstrando, não por hipótese, mas por fatos, a existência de um
mundo invisível e o porvir que nos espera, muda totalmente o curso das ideias;
dá ao homem a força moral, a coragem e a resignação, porque não trabalha mais
somente para o presente, mas para o futuro; sabe que se não desfruta hoje,
desfrutará amanhã. Demonstrando a ação do elemento espiritual sobre o mundo
material, amplia o domínio da ciência e abre, por isso mesmo, uma nova via ao
progresso material. O homem terá então uma base sólida para o estabelecimento
da ordem moral sobre a Terra; compreenderá melhor a solidariedade que existe entre
os seres deste mundo, posto que esta solidariedade se perpetua indefinidamente;
a fraternidade não é um palavra vã; ela destrói o egoísmo em lugar de ser
destruída por ele e, muito naturalmente, o homem imbuído dessas ideias
conformará a elas suas leis e suas instituições sociais.
Revista Espírita de 1864, pag. 26: A caridade e a
fraternidade se reconhecem por suas obras e não por suas palavras; é uma medida da
apreciação de que não se pode enganar senão aqueles que se cegam com seus
próprios méritos, mas não aos terceiros desinteressados; é a pedra de toque à
qual se reconhece a sinceridade dos sentimentos; e quando se fala de caridade,
em Espiritismo, se sabe que não se trata só daquela que dá, mas também e,
sobretudo daquela que esquece e perdoa que é benevolente e indulgente, que
repudia todo sentimento de ciúme e de rancor. Toda reunião espírita que não
estiver fundamentada sobre o princípio da verdadeira caridade, será mais nociva
que útil à causa, porque tenderá a dividir em vez de reunir, levando, além
disso, em si mesma, seu elemento destruidor. Nossas simpatias pessoais serão
então sempre cedidas a todos aqueles que provarem, por seus atos, o bom
espírito que os anima, porque os bons Espíritos não podem inspirar senão o bem.
Revista Espírita de 1867, pag. 278: Um último caráter da
revelação espírita, e que ressalta das condições mesmas nas quais foi feita, é
que, apoiando-se sobre os fatos, ela não pode ser senão essencialmente
progressiva, como todas as ciências de observação. Por sua essência, contrai
aliança com a ciência que, sendo a exposição das leis da natureza, em uma certa
ordem dos fatos, não pode ser contrária à vontade de Deus, o autor dessas leis.
As descobertas da ciência glorificam a Deus em lugar de rebaixá-lo, elas não
destroem senão o que os homens têm construído sobre as ideias falsas que se tem
feito de Deus. O Espiritismo não coloca então, como princípio absoluto,
senão aquilo que é demonstrado pela evidência, ou que ressalta logicamente da
observação. Tocando em todos os ramos da economia social, aos quais prestou o
apoio de suas próprias descobertas, assimilará sempre todas as doutrinas
progressivas, de qualquer ordem que elas sejam, chegadas ao estado de verdades
práticas, e saídas do domínio da utopia, sem isso se suicidaria; em cessando de
ser o que ele é, mentiria à sua origem e ao seu objetivo providencial. O
Espiritismo, marchando com o progresso, não será jamais ultrapassado, porque,
se novas descobertas lhe mostrarem que está em erro sobre um ponto, ele se
modificará nesse ponto; se uma nova verdade se revela, ele a aceita.
Revista Espírita de 1869, pag. 258: O Espiritismo não é
mais solidário com aqueles que prazam em se dizerem espíritas, do que a
medicina o é com os charlatães que a exploram, nem do que a saudável religião o
é com os abusos ou mesmo com os crimes cometidos em seu nome. Não reconhece por
seus adeptos senão os que colocam em prática seus ensinamentos, isto é, que
trabalham para sua própria melhora moral, esforçando-se em vencer suas más
inclinações, ser menos egoístas e menos orgulhosos, mais doces, mais humildes,
mais pacientes, mais benevolentes, mais caridosos para com o próximo, mais
moderados em todas as questões, porque este é o sinal característico do
verdadeiro Espírita.
Revista Espírita de 1869, pag. 25: O conhecimento das
leis que regem o princípio espiritual se relaciona de uma maneira direta à
questão do passado e do porvir do Homem. Sua vida está limitada à existência
atual? Entrando neste mundo sai ele do nada, e reentra no nada ao deixá-lo? Já
tinha vivido antes e viverá outra vez? Como viverá e em que condições? Em uma
palavra, de onde veio e para onde irá? Por que está sobre a Terra e por que
sofre? Tais são as questões que cada um se põe porque têm, para todo mundo, um
interesse capital, e que nenhuma doutrina deu ainda uma solução racional. Isto
que dá o Espiritismo, apoiado em fatos, satisfazendo às exigências da lógica e
da justiça mais rigorosa, é uma das causas principais da rapidez de sua
propagação. O Espiritismo não é uma concepção pessoal nem o resultado de um
sistema preconcebido. É a resultante de milhares de observações feitas em todos
os pontos do globo e que convergem para o centro que os colige e coordena.
Todos os seus princípios constituintes, sem exceção, são deduzidos da experiência.
A experiência sempre tem precedido a teoria. O Espiritismo, assim se pensa,
desde seu início, tem raízes por toda parte; a história não oferece nenhum
exemplo de uma doutrina filosófica ou religiosa que tenha, em dez anos, reunido
um tão grande número de adeptos; e, entretanto não empregou, para se fazer
conhecer, nenhum dos métodos vulgarmente em uso; propagou-se por si mesma,
pelos simpatizantes que encontrou. É ainda evidente que a propagação do
Espiritismo seguiu, desde sua origem, uma marcha constantemente ascendente,
malgrado tudo que se fez para entravá-lo e desnaturar seu caráter, visando
desacreditá-lo na opinião pública. É mesmo notável que tudo que se fez com esse
propósito lhe favoreceu a difusão; o barulho que foi feito na ocasião levou as
pessoas, que nunca haviam escutado dele falar, a conhecerem-no; quanto mais se
o há difamado ou ridicularizado, quanto mais as declamações tenham sido
violentas, mais se instigou a curiosidade; e como só podia sair ganhando no
exame, resultou que seus adversários se fizeram, sem o querer, os seus ardentes
propagadores; se as diatribes não lhe trouxeram nenhum prejuízo, foi porque,
estudando-o em sua fonte verdadeira, se encontrou tudo diferente daquilo que
havia sido sustentado. Na luta que sustentou, as pessoas imparciais constataram
sua moderação: nunca usou de represálias contra os seus adversários nem
devolveu injúria com injúria. O Espiritismo é uma Doutrina filosófica que tem
consequências religiosas, como toda filosofia espiritual; por isso mesmo, toca
nas bases fundamentais de todas as religiões: Deus, a alma e a vida futura; mas
não é neste ponto uma religião constituída, visto que não há culto, nem
rituais, nem templo, e que, entre seus adeptos, não há nenhum padre ou bispo.
Essas qualificações são pura invenção da crítica. Só é espírita quem
simpatiza com os princípios da Doutrina, e quem nela conforma sua conduta.
É uma opinião, como qualquer outra, que cada um deve ter o direito de
professar, como se o tem de ser judeu, católico, protestante, fourierista,
sansimoniano, voltariano, cartesiano, deísta e mesmo materialista. O
Espiritismo proclama a liberdade de consciência como um direito natural, e a
reclama para os seus como para todo o mundo. Respeita todas as convicções
sinceras, e demanda para si a reciprocidade. Da liberdade de consciência
decorre o direito ao livre exame em matéria de fé. O espiritismo
combate o princípio da fé cega, que impõe ao homem a abdicação de seu
próprio julgamento; diz que toda fé imposta é sem raiz. É por isso que
inscreveu na lista de suas máximas: “Não há fé inabalável senão aquela que
pode enfrentar a razão face a face em todas as épocas da humanidade.”
Consequente com seus princípios, o Espiritismo não se impõe a ninguém; ele quer
ser aceito livremente e por convicção. Expõe suas doutrinas e recebe aqueles
que veem a ele voluntariamente. Não procura tirar ninguém de suas convicções
religiosas; não se dirige àqueles que têm uma fé e a quem essa fé satisfaz, mas
àqueles que, não estando satisfeitos do que se lhes foi dado, procuram qualquer
coisa melhor.
X X X
Para completar este estudo sobre
Allan Kardec e sua obra, e precisar o propósito que o mestre queria assinar ao
Espiritismo, cremos ser útil reproduzir, para terminar, as passagens seguintes
do último capítulo de A Gênese – “Os tempos são chegados”:
A Gênese ponto 14 item 1: A vida espiritual é
a vida normal e eterna do Espírito, e a encarnação não é senão uma forma
temporária de sua existência. Exceto pela vestimenta exterior, há, pois,
identidade entre os encarnados e os desencarnados; são as mesmas
individualidades sob dois aspectos diferentes, pertencendo tanto ao mundo
visível, quanto ao mundo invisível, se reencontrando seja num, seja no outro,
convergindo num e no outro ao mesmo propósito, pelos meios apropriados à sua
situação. Desta lei decorre aquela da perpetuidade da relação entre os seres; a
morte não os separa e não dá término às suas relações simpáticas nem aos seus
deveres recíprocos. Daí a SOLIDARIEDADE do todos por um, e de um por todos,
daí também a FRATERNIDADE. Os homens não viverão felizes sobre a Terra
senão quando esses dois sentimentos tiverem entrado em seus corações e nos seus
costumes, porque então o conformarão a suas leis e suas instituições. Isto será
um dos principais resultados da transformação que se opera. Mas como conciliar
os deveres de solidariedade e da fraternidade com a crença de que a morte
tornaria todos os homens estranhos uns aos outros? Pela lei da perpetuidade das
relações que une todos os seres, o Espiritismo funda este duplo princípio sobre
as próprias leis da natureza. Ele fez disso não só um dever, mas uma
necessidade. Por aquela da pluralidade das existências, o homem se relaciona a
tudo que fez e a tudo que fará, aos homens do passado e aos homens do porvir;
não pode mais dizer que não tem nada em comum com aqueles que morreram, uma vez
que uns e outros se reencontram sem cessar, neste mundo e no outro, para
ascenderem juntos a escada do progresso e se prestarem um apoio mútuo. A
fraternidade não é mais circunscrita a alguns indivíduos que o acaso reúne
durante a duração efêmera da vida; ela é perpétua como a vida do Espírito,
universal como a humanidade, que constitui uma grande família em que todos os
membros são solidários uns aos outros, qualquer que seja a época na qual
morreram. Tais são as ideias que ressaltam do Espiritismo, e que ele
suscitará entre todos os homens quando estiver universalmente disseminado,
compreendido, ensinado e praticado. Com o Espiritismo, a fraternidade, sinônima
da caridade pregada pelo Cristo, não é mais uma palavra vã; ela tem sua razão
de ser. Do sentimento da fraternidade nasce aquele da reciprocidade e dos
deveres sociais, de homem a homem, de pessoa a pessoa, de raça a raça; estes
dois sentimentos bem compreendidos forçosamente farão as instituições mais proveitosas
ao bem estar de todos.
A Gênese ponto 15 A fraternidade deve
ser a pedra angular da nova ordem social; mas, não há fraternidade real, sólida,
efetiva, se não estiver assentada sobre uma base inabalável; essa base é a fé,
não a fé em tais ou tais dogmas particulares, que mudam com os tempos e os
povos e que se apedrejam mutuamente, porque, em se anatematizando, alimentam o
antagonismo; mas a fé nos princípios fundamentais que todo o mundo pode
aceitar: Deus, a alma, o porvir, O PROGRESSO INDIVIDUAL, INDEFINIDO, A
PERPETUIDADE DAS RELAÇÕES ENTRE OS SERES. Quando todos os homens estiverem
convencidos de que Deus é o mesmo para todos, de que esse Deus, soberanamente
justo e bom, não pode querer nada de injusto, que o mal vem dos homens e não
dele se considerarão como os filhos do mesmo Pai e se estenderão as mãos. Essa
a fé que o Espiritismo dá, e que será daqui por diante o eixo em torno do qual
girará o gênero humano, quaisquer que sejam seus modos de adoração e suas
crenças particulares, que o Espiritismo respeita, mas de que não se ocupa.
Somente desta fé pode sair o verdadeiro progresso moral, porque somente ela
oferece uma sanção lógica aos direitos legítimos e aos deveres; sem ela, o
direito é determinado pela força; o dever, um código humano imposto pela
pressão. Sem ela que é o homem? Um pouco de matéria que se dissolve, um ser
efêmero que só passa; mesmo o gênio não é mais que uma chama que brilha um
instante para se extinguir para sempre; não há, certamente, motivo para valorizá-lo,
aos seus próprios olhos. Com tal pensamento, onde estão realmente os direitos e
os deveres? Qual é o objetivo do progresso? Somente essa fé fez o homem sentir
sua dignidade pela perpetuidade da progressão de seu ser, não em um porvir
mesquinho e circunscrito à personalidade, mas grandioso e esplêndido: esse
pensamento o eleva acima da Terra; ele se sente crescer sonhando que possui sua
parte no universo; que esse universo é seu domínio que ele poderá percorrer um
dia, e que a morte não fará dele uma nulidade, ou um ser inútil a si mesmo e
aos outros. O progresso intelectual, realizado até este dia nas mais largas
proporções, é um grande passo, e marca uma primeira fase da Humanidade; mas
sozinho é impotente para regenerá-la; enquanto o homem estiver dominado pelo
orgulho e o egoísmo, utilizará sua inteligência e seus conhecimentos para
proveito de suas paixões e de seus interesses pessoais; por isso que os aplica
no aperfeiçoamento de meios de prejudicar os outros e de se destruir entre si.
SOMENTE O PROGRESSO MORAL PODE ASSEGURAR AOS
HOMENS A FELICIDADE NA TERRA, COLOCANDO UM FREIO ÀS PAIXÕES MÁS; SOMENTE ELA
PODE FAZER REINAR ENTRE OS HOMENS A CONCÓRDIA, A PAZ, A FRATERNIDADE.
Conselhos, Reflexões e Máximas de Allan
Kardec, Traduzido
por Paulo A. Ferreira. (Conseils, reflexions et Maximes d’Allan Kardec. Eeditado por Le Centre Spirite Lionnais Allan Kardec)