O PERDÃO
As primeiras peregrinações do Cristo e de seus discípulos, em
torno do lago, haviam alcançado inolvidáveis triunfos. Eram doentes atribulados
que agradeciam o alívio buscado ansiosamente; trabalhadores humildes que se
enchiam de santas consolações ante as promessas divinas da Boa Nova.
Aquelas atividades, entretanto, começaram a despertar a reação dos
judeus rigoristas, que viam em Jesus um perigoso revolucionário. O amor que o
profeta nazareno pregava vinha quebrar antigos princípios da lei judaica. Os
senhores da terra observavam cuidadosamente as palestras dos escravos, que
permutavam imenso júbilo, proveniente das esperanças num novo reino que não
chegavam a compreender. Os mais egoístas pretendiam ver no profeta generoso um
conspirador vulgar, que desejava levantar as iras populares contra a dominação
de Herodes; outros presumiam na sua figura um feiticeiro incomum, que era preciso
evitar.
Foi assim que a viagem do Mestre a Nazaré redundou numa excursão
de grandes dificuldades, provocando de sua parte as observações quase amargas
que se encontram no Evangelho, com respeito ao berço daqueles que o deveriam
guardar no santuário do coração.
Não foram poucos os adversários de suas ideias renovadoras que o
precederam na cidade minúscula, buscando neutralizar-lhe a ação por meio de
falsas notícias e desmoralizá-lo, argumentando com informações mal alinhavadas
de alguns nazarenos.
Jesus sentiu de perto a delicadeza a situação que se lhe criara
com a primeira investida dos inimigos gratuitos de sua doutrina; mas,
aproveitou todas as oportunidades para as melhores ilações na esfera do
ensinamento.
No entanto, o mesmo não aconteceu a seus discípulos. Filipe e
Simão Pedro chegaram a questionar seriamente com alguns senhores da região,
trocando palavras ásperas, em torno das edificações do Messias. As gargalhadas
irônicas, as apreciações menos dignas lhes acendiam no ânimo propósitos
impulsivos de defesas apaixonadas. Não faltavam os que viam no Senhor um servo
ativo do espírito do mal, um inimigo de Moisés, um assecla de príncipes
desconhecidos, ou de traidores ao poder político de Antipas. Tamanhas foram as discussões
em Nazaré, que os seus reflexos nocivos se faziam sentir fortemente sobre toda
a comunidade dos discípulos. Pedro e André advogavam a causa o Mestre com
expressões incisivas e sinceras. Tiago aborrecia-se com a análise dos
companheiros. Levi protestava, expressando o desejo de instituir debates
públicos, de maneira a evidenciar-se a superioridade dos ensinos do Messias, em
confronto com os velhos textos.
Jesus compreendeu os acontecimentos e, calmamente, ordenou a
retirada, afastando-se da cidade com tranquilo sorriso.
Não obstante a determinação e apesar do regresso a Cafarnaum, a
maioria dos apóstolos prosseguiu em discussão, estranhando que o Mestre nada
fizesse, reagindo contra as envenenadas insinuações a seu respeito.
***
Daí a alguns dias, obedecendo às circunstâncias ocorrentes naquela
situação, Pedro e Filipe procuraram avistar-se com o Senhor, ansiosos pela
claridade dos seus ensinos.
– Mestre; chamaram-vos servo de Satanás e reagimos prontamente! Dizia
Pedro, com sinceridade ingênua.
– Observávamos que por vós mesmos nunca oporíeis a contradita –
ajuntava Filipe, convicto de haver prestado excelente serviço ao Mestre
bem-amado – e por isso revidamos aos ataques com a maior força de nossas
expressões.
Não obstante o calor daquelas afirmativas, Jesus meditava com uma
doce placidez no olhar profundo, enquanto os interlocutores o contemplavam,
ansiando pela sua palavra de franqueza e de amor.
Afinal, saindo de suas reflexões silenciosas, o Mestre interrogou:
– Acaso poderemos colher uvas nos espinheiros? De modo algum me
empenharia em Nazaré numa contradita estéril aos meus opositores. Contudo,
procurei ensinar que a melhor réplica é sempre a do nosso próprio trabalho, do
esforço útil que nos seja possível.
Nesse particular, não deixei de operar na minha esfera de ação, de
modo a produzir resultados a nossa excursão à cidade vizinha, tornando-a
proveitosa, sem desdenhar as palavras construtivas no instante oportuno. De que
serviriam as longas discussões públicas, inçadas de doestos e
zombarias? Ao termo de todas elas, teríamos apenas menores probabilidades para
o triunfo glorioso do amor e maiores motivos para a separatividade e odiosas
dissensões. Só devemos dizer aquilo que o coração pode testificar mediante atos
sinceros, porque, de outra forma, as afirmações são simples ruído sonoro de uma
caixa vazia.
– Mestre – atalhou Filipe, quase com mágoa –, a verdade é que a
maioria de quantos compareceu às pregações de Nazaré falava mal de vós!
– Mas, não será vaidade exigirmos que toda gente faça de nossa
personalidade elevado conceito? – interrogou Jesus com energia e serenidade.
– Nas ilusões que as criaturas da Terra inventaram para a sua
própria vida, nem sempre constitui bom atestado da nossa conduta o falarem
todos bem de nós, indistintamente.
Agradar a todos é marchar pelo caminho largo, onde estão as
mentiras da convenção. Servir a Deus é tarefa que deve estar acima de tudo e,
por vezes, nesse serviço divino, é natural que desagrademos aos mesquinhos
interesses humanos. Filipe sabe de algum emissário de Deus que fosse bem
apreciado no seu tempo? Todos os portadores da verdade do céu são incompreendidos
de seus contemporâneos. Portanto, é indispensável consideremos que o conceito
justo é respeitável, mas, antes dele, necessitamos obter a aprovação legítima
da consciência, dentro de nossa lealdade para com Deus.
– Mestre – obtemperou Simão Pedro, a quem as explicações da hora
calavam profundamente –, nos acontecimentos mais fortes da vida, não deverá,
então, utilizar as palavras enérgicas e justas?
– Em toda circunstância, convém naturalmente que se diga o
necessário, porém, é também imprescindível que não se perca tempo.
Deixando transparecer que as elucidações não lhe satisfaziam
plenamente, perguntou Filipe:
– Senhor, vossos esclarecimentos são indiscutíveis; entretanto,
preciso acrescentar que alguns dos companheiros se revelaram insuportáveis
nessa viagem a Nazaré: uns me acusaram de brigão e desordeiro; outros, de mau
entendedor de vossos ensinamentos. Se os próprios irmãos da comunidade
apresentam essas falhas, como há de ser o futuro do Evangelho?
O Mestre refletiu um momento e retrucou:
– Estas são perguntas que cada discípulo deve fazer a si mesmo.
Mas, com respeito à comunidade, Filipe, pelo que me compete esclarecer,
cumpre-me perguntar-te se já edificaste o reino de Deus no íntimo do teu
espírito.
– É verdade que ainda não respondeu hesitante, o apóstolo.
– De dentro dessa realidade, podes observar que, se o nosso
colégio fosse constituído de irmãos perfeitos, teria deixado de ser
irrepreensível pela adesão de um amigo que ainda não houvesse conquistado a
divina edificação.
Ambos os discípulos compreenderam e se puseram a meditar, enquanto
o Cristo continuava:
– O que é indispensável é nunca perdermos de vista o nosso próprio
trabalho, sabendo perdoar com verdadeira espontaneidade de coração. Se nos
labores da vida um companheiro nos parece insuportável, é possível que também
algumas vezes sejamos considerados assim. Temos que perdoar aos adversários,
trabalhar pelo bem dos nossos inimigos, auxiliar o que zombam da nossa fé.
Nesse ponto de suas afirmativas, Pedro atalhou-o, dizendo:
– Mas, para perdoar não deveremos aguardar que o inimigo se
arrependa? E que fazer na hipótese de o malfeitor assumir a atitude dos lobos
sob a pele da ovelha?
– Pedro, o perdão não
exclui a necessidade da vigilância, como o amor não prescinde da verdade. A paz é um patrimônio que cada coração
está obrigado a defender, para bem trabalhar no serviço divino que lhe
foi confiado. Se o nosso irmão se arrepende e procura o nosso auxílio fraterno,
amparemo-lo com as energias que possamos despender; mas, em nenhuma
circunstância cogites de saber se o teu irmão está arrependido. Esquece o mal e
trabalha pelo bem. Quando ensinei que
cada homem deve conciliar-se depressa com o adversário, busquei
salientar que ninguém pode ir a Deus com um sentimento de
odiosidade no coração. Não poderemos saber se o
nosso adversário está disposto à conciliação; todavia, podemos garantir que
nada se fará sem a nossa boa vontade e pleno esquecimento dos males recebidos.
Se o irmão infeliz se arrepender, estejamos sempre dispostos a ampará-lo e, a
todo o momento, precisamos e devemos olvidar o mal.
Foi quando, então, fez Simão Pedro a sua célebre pergunta:
– “Senhor, quanta vez pecará meu irmão contra mim, que lhe hei de
perdoar”?
Será até sete vezes?”
Jesus respondeu-lhe, calmamente:
– Não te digo que até sete vezes, mas até setenta vezes sete.
***
Daí por diante, o Mestre sempre aproveitou as menores
oportunidades para ensinar a necessidade do perdão recíproco, entre os homens,
na obra sublime da redenção.
Acusado de feiticeiro, de servo de Satanás, de conspirador, Jesus
demonstrou, em todas as ocasiões, o máximo de boa vontade para com os espíritos
mais rasteiros de seu tempo. Sem desprezar a boa palavra, no instante oportuno,
trabalhou a todas as horas pela vitória do amor, com o mais alto idealismo
construtivo. E no dia inesquecível do Calvário, em frente dos seus
perseguidores e verdugos, revelando aos homens ser indispensável a imediata conciliação
entre o espírito e a harmonia da vida, foram estas as suas últimas palavras:
– “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem!”.
Livro:
Boa Nova, Psicografia Francisco C. Xavier, ditado pelo Espírito Irmão X (Humberto de Campos) , Ed FEB.