PRIMEIRAS PREGAÇÕES
Nos primeiros dias do ano 30, antes de suas gloriosas
manifestações, avistou-se Jesus com o Batista, no deserto triste da Judeia, não
muito longe das areias ardentes da Arábia. Ambos estiveram juntos, por alguns
dias, em plena Natureza, no campo ríspido do jejum e da penitência do grande
precursor, até que o Mestre Divino, despedindo-se do companheiro, demandou o
oásis de Jericó, uma bênção de verdura e água, entre as inclemências da estrada
agreste. De Jericó dirigiu-se então a Jerusalém, onde repousou, ao cair da
noite.
Sentado como um peregrino, nas adjacências do templo, Jesus foi
notado por um grupo de sacerdotes e pensadores ociosos, que se sentiram
atraídos pelos seus traços de formosa originalidade e pelo seu olhar lúcido e
profundo. Alguns deles se afastaram, sem maior interesse, mas Hanan, que seria,
mais tarde, o juiz inclemente de sua causa, aproximou-se do desconhecido e
dirigiu-se-lhe com orgulho:
– Galileu, que fazes na cidade?
– Passo por Jerusalém, buscando a fundação do Reino de Deus! –
Exclamou o Cristo, com modesta nobreza.
– Reino de Deus? – tornou o sacerdote com acentuada ironia – E que
pensas tu venha a ser isso?
– Êsse Reino é à obra divina no coração dos homens! – Esclareceu
Jesus, com grande serenidade.
– Obra divina em tuas mãos? – Revidou Hanan, com uma gargalhada de
desprezo.
E, continuando as suas observações irônicas, perguntou:
– Com que contas para levar avante essa difícil empresa? Quais são
os teus seguidores e companheiros?... Acaso terás conquistado o apoio de algum
príncipe desconhecido e ilustre, para auxiliar-te na execução de teus planos?
– Meus companheiros hão de chegar de todos os lugares. – Respondeu
o Mestre com humildade.
– Sim – observou Hanan – os ignorantes e os tolos estão em toda
parte da Terra.
Certamente que esse representará o material de tua edificarão.
Entretanto, propões-te realizar uma obra, divina e já viste alguma estátua
perfeita modelada em fragmentos de lama?
– Sacerdote – replicou-lhe Jesus, com energia serena – nenhum
mármore existe mais puro e mais formoso do que o do sentimento, e nenhum cinzel
é superior ao da boa vontade sincera.
Impressionado com a resposta firme e inteligente, o famoso juiz
ainda interrogou:
– Conheces Roma ou Atenas '?
– Conheço o amor e a verdade. – Disse Jesus convictamente.
– Tens ciência dos códigos da Corte Provincial e das leis do
Templo? – Inquiriu Hanan, inquieto.
– Sei qual é a vontade de meu Pai que está nos céus. – Respondeu o
Mestre, brandamente.
O sacerdote o contemplou irritado e, dirigindo-lhe um sorriso de
profundo desprezo, demandou a Torre Antônia, em atitude de orgulhosa
superioridade.
No dia seguinte, pela manhã, o mesmo formoso peregrino foi ainda visto
a contemplar as maravilhas do santuário, antes alguns minutos de internar-se
pelas estradas banhadas de sol, a caminho de sua Galiléia distante.
Daí a alguma tempo, depois de haver passado por Nazaré, descasando
igualmente em Caná, Jesus se encontrava nas circunvizinhanças da cidadezinha de
Cafarnaum, como se procurasse, com viva atenção, algum amigo que estivesse à
sua espera.
Em breves instantes, ganhou as margens do Tiberíades e se dirigiu;
resolutamente, a um grupo alegre de pescadores, como se, de antemão, os
conhecesse a todos.
A manhã era bela, no seu manto diáfano de radiosas neblinas. As
águas transparentes vinham beijar os eloendros da praia, como se brincassem ao
sopro das virações perfumadas da Natureza.
Os pescadores ecoavam- uma cantiga rude e, dispondo
inteligentemente as barcaças móveis, deitavam as redes, em meio ele profunda
alegria.
Jesus aproximou-se do grupo e, assim que dois deles desembarcaram
em terra, falou-lhes com amizade :
– Simão e André, filhos de Jonas, venho da parte de Deus e vos
convido a trabalhar pela instituição de seu reino na Terra!
André lembrou-se de já o ter visto, nas cercanias de Betsaida e do
que lhe haviam dito a seu respeito, enquanto que Simão, embora agradavelmente surpreendido, o contemplava enleado. Mas, quase a um só tempo, dando expansão
aos seus temperamentos acolhedores e sinceros, exclamaram, respeitosamente:
– Sede bem-vindo!...
Jesus então lhes falou docemente do Evangelho, com o olhar
incendido de júbilos divinos.
Estando muitos outros companheiros do lago a observar de longe os
três, André, manifestando a sua tocante ingenuidade, exclamou comovido:
– Um rei? Mas em Cafarnaum existem. Tão poucas casas...
Ao que Pedro obtemperou, como se a boa vontade devesse suprir todas
as deficiências:
O lago é muito grande e há, várias aldeias circundando estas
águas. O reino poderá abrangê-las todas!
-Isso dizendo, fixou em Jesus o olhar perquiridor, como se fora
uma grande criança meiga, e sincera, desejosa de demonstrar, compreensão e
bondade. O Senhor esboçou um sorriso sereno e, como se adiasse com prazer as
suas explicações para mais tarde, inquiriu generosamente:
– Quereis ser meus discípulos?
André e Simão se interrogaram a si mesmos, permutando sentimentos
de admiração embevecida. Refletia Pedro: que homem seria, aquele? Onde já lhe
escutara o timbre carinhoso da voz íntima e familiar? Ambos os pescadores se
esforçavam por dilatar o domínio de suas lembranças, de modo a encontrá-la nas
recordações mais queridas. Não sabiam, porém, como explicar aquela fonte de
confiança e de amor que lhes brotava no âmago do espírito e, sem hesitarem, sem
uma sombra de dúvida, responderam simultaneamente:
– Senhor, seguiremos os teus passos.
Jesus os abraçou com imensa ternura e, como os demais companheiros
se mostrassem admirados e trocassem entre aí ditérios ridicularizadores, o
Mestre acompanhado de ambos e de grande grupo de curiosos, se encaminhou para o
centro de Cafarnaum, onde se erguia a Intendência de Antipas. Entrou calmamente
na coletoria e, avistando um funcionário culto, conhecido publicano da cidade,
perguntou-lhe:
– Que fazes tu, Levi?
O interpelado fixou-o com surpresa; mas, seduzido pelo suave
magnetismo de seu olhar, respondeu sem demora:
– Recolho os impostos do povo, devidos a Herodes.
– Queres vir comigo para recolher os bens do céu? – Perguntou-lhe
Jesus, com firmeza e doçura.
Levi, que seria mais tarde o apóstolo Mateus, sem que pudesse
definir as santas emoções que lhe dominaram a alma, atendeu comovido:
– Senhor; estou pronto!...
– Então, vamos. – Disse Jesus, abraçando-o.
Em seguida, o numeroso grupo se dirigiu para a casa de Simão
Pedro, que oferecera ao Messias, acolhida sincera em sua residência humilde,
onde o Cristo fez a primeira exposição de sua consoladora doutrina,
esclarecendo que a adesão desejada era a do coração sincero e puro, para
sempre, às claridades do seu reino. Iniciou-se naquele instante a eterna união
dos inseparáveis companheiros.
***
Na tarde desse mesmo dia, o mestre fez a primeira pregação da
Boa-Nova na praça ampla cercada de verdura e situada naturalmente junto às
águas.
No céu, vibravam harmonias vespertinas, como se a tarde possuísse
também uma alma sensível. As árvores vizinhas acenavam os ramos verdes ao vento
do crepúsculo, como mãos da Natureza que convidassem os homens à celebração
daquele primeiro ágape. As aves ariscas pousavam de leve nas alcaparreiras mais
próximas, como se também desejassem senti-lo,
e na praia extensa se acotovelava a grande multidão de pescadores
rústicos, de mulheres aflitas por continuadas flagelações, de crianças sujas e
abandonadas, misturados publica-nos pecadores com homens analfabetos e simples
que haviam acorrido, ansiosos por ouvi-lo.
Jesus contemplou a multidão e enviou-lhe um sorriso de satisfação.
Contrariamente às ironias de Hanan, ele aproveitaria o sentimento como mármore
precioso e a boa vontade como cinzel divino. Os ignorantes do mundo, os fracos,
os sofredores, os desalentados, os doentes e os pecadores seriam em suas mãos o
material de base para a sua construção eterna e sublime. Converteria toda
miséria e toda dor num cântico de alegria e, tomado pelas inspirações sagradas
de Deus, começou a falar da maravilhosa beleza do seu reino.
Magnetizado pelo seu amor, o povo o escutava num grande transporte
de ventura. No céu, havia uma vibração de claridade desconhecida.
Ao longe, no firmamento de Cafarnaum, o horizonte se tornara um
deslumbramento de luz e, bem no alto, na cúpula dourada e silenciosa, as nuvens
delicadas e alvas tornavam a forma suave das flores e dos arcanjos do Paraíso.
Livro:
Boa Nova, Psicografia Francisco C. Xavier, ditado pelo Espírito Irmão X (Humberto de Campos) ,
Ed FEB.