Os
serviços particulares não proporcionavam ensejo a excursões dilatadas e
freqüentes, em companhia de Alexandre; entretanto, valia-me de todas as folgas
nos trabalhos comuns.
Havia sempre o que aprender. E constituía enorme
satisfação seguir o ativo missionário das atividades de comunicação.
- Hoje, à
noite - disse-me o devotado amigo -, observará algumas demonstrações de desenvolvimento
mediúnico.
Aguardei
as instruções com interesse.
No
instante indicado, compareci ao grupo.
Antes do
ingresso dos companheiros encarnados, já era muito grande a movimentação. Número
considerável de trabalhadores. Muito serviço de natureza espiritual.
Admirava
as características dos socorros magnéticos, dispensados às entidades
sofredoras, quando Alexandre acentuou:
- Por
enquanto, nossos esforços são mais
frutíferos ao círculo dos desencarnados infelizes. As atividades
beneficentes da casa concentram-se deles, em maior porção, porque os
encarnados, mesmo aqueles que já se interessam pela prática espiritista, muito raramente se dispõem, com
sinceridade, ao aproveitamento real dos valores legítimos de nossa cooperação.
E, depois
de longa pausa, prosseguiu:
- É muito lenta e difícil à transição, entre a animalidade
grosseira e a espiritualidade superior. Nesse sentido, há sempre, entre os
homens, um oceano de palavras e algumas gotas de ação.
Nesse instante,
os primeiros amigos do plano carnal deram entrada no recinto.
- Veremos
hoje - exclamava um senhor de espessos bigodes -, veremos hoje se temos boa
sorte.
- Não tenho vindo com
assiduidade às experiências – comentou um rapaz -, porque vivo desanimado... Há
quanto tempo mantenho o lápis na mão, sem resultado algum?
- É pena!
- respondia outro senhor; a dificuldade desencoraja, de fato.
-
Parece-me que nada merecemos, no setor do estímulo, por parte dos benfeitores
invisíveis! - Acrescentava uma senhora de boa idade - há quantos meses procuro
em vão desenvolver-me? Em certos momentos, sinto vibrações espirituais
intensas, junto de mim, contudo, não passo das manifestações iniciais.
A
palestra continuou interessante e pitoresca. Decorridos alguns minutos, com a
presença de outros pequenos grupos de experimentadores que chegavam solícitos, foi iniciada a sessão de desenvolvimento.
O diretor
proferiu tocante prece, no que foi acompanhado por todos os presentes.
Dezoito
pessoas mantinham-se em expectativa.
- Alguns
- explicou Alexandre - pretendem a psicografia,
outros tentam a mediunidade de incorporação.
Infelizmente, porém, quase
todos confundem poderes psíquicos com funções fisiológicas.
Acreditam
no mecanismo absoluto da realização e esperam o progresso eventual e
problemático, esquecidos de que toda edificação da alma requer disciplina, educação, esforço e perseverança.
Mediunidade
construtiva é a língua de fogo do Espírito Santo, luz divina para a qual é
preciso conservar o pavio do amor
cristão, o azeite da boa vontade pura.
Sem a preparação necessária, a excursão
dos que provocam o ingresso no reino invisível é, quase sempre, uma viagem nos
círculos de sombra.
Alcançam
grandes sensações e esbarram nas perplexidades dolorosas. Fazem descobertas
surpreendentes e acabam nas ansiedades e dúvidas sem fim.
Ninguém
pode trair a lei Impunemente, e, para subir, Espírito algum dispensará o esforço de si
mesmo, no aprimoramento íntimo...
Dirigindo-se,
de maneira especial, para os circunstantes, o instrutor recomendou:
-
Observemos.
Postara-se
ao lado de um rapaz que esperava de lápis em punho, mergulhado em fundo silêncio.
Ofereceu-me Alexandre o seu vigoroso auxílio magnético e contemplei-o, com
atenção. Os núcleos glandulares emitiam pálidas irradiações. A epífise
principalmente semelhava-se à reduzida semente algo luminosa.
- Repare
no aparelho genital - aconselhou-me o instrutor, gravemente.
Fiquei
estupefato.
As
glândulas geradoras emitiam fraquíssima luminosidade, que parecia abafada por
aluviões de corpúsculos negros, a se caracterizarem por espantosa mobilidade.
Começavam as movimentações sob a bexiga urinária e vibravam ao longo de todo o
cordão espermático, formando colônias compactas, nas vesículas seminais, na
próstata, nas massas mucosas uretrais, invadiam os canais seminíferos e lutavam
com as células sexuais, aniquilando-as. As mais vigorosas daquelas feras
microscópicas situavam-se no epidídimo[2],
onde absorviam famélicos, os embriões delicados da vida orgânica. Estava
assombrado.
Que significava
aquele acervo de pequeninos seres escuros?
Pareciam imantados
uns aos outros, na mesma faina de destruição.
Seriam expressões
mal conhecidas da sífilis?
Enunciando
semelhante indagação íntima, explicou-me Alexandre, sem que eu lhe dirigisse a
palavra falada:
- Não,
André. Não temos sob os olhos o espiroqueta[3]
de Schaudinn, nem qualquer nova forma suscetível de análise material por
bacteriologistas humanos. São
bacilos psíquicos das torturas sexuais, produzidos pela sede febril de prazeres
inferiores. O dicionário médico do mundo não os conhece e, na ausência
de terminologia adequada aos seus conhecimentos, chamemos-lhes larvas,
simplesmente. Têm sido cultivados por este companheiro, não só pela
incontinência no domínio das emoções próprias, através de experiências sexuais
variadas, senão também pelo contacto com entidades grosseiras, que se afina
com as predileções dele, entidades que o visitam com freqüência, à maneira de imperceptíveis
vampiros. O pobrezinho ainda não
pôde compreender que o corpo físico é apenas leve sombra do corpo
perispiritual, não se capacitou de que a prudência, em matéria de sexo, é equilíbrio
da vida e, recebendo as nossas advertências sobre a temperança, acredita ouvir
remotas lições de aspecto dogmático, exclusivo, no exame da fé religiosa.
A
pretexto de aceitar o império da razão pura na esfera da lógica admite que o
sexo nada tenha que ver com a espiritualidade; como se esta não fosse a
existência em si.
Esquece-se
de que tudo é espírito; manifestação divina e energia eterna.
O
erro de nosso amigo é o de todos os religiosos que supõem a alma absolutamente
separada do corpo físico, quando todas as manifestações psicofísicas se derivam
da influenciação espiritual.
Novos
mundos de pensamento raiavam-me no ser. Começava a sentir definições mais
francas do que havia sido terríveis incógnitas para mim, no capítulo da
patogenia em geral.
Não saíra
do meu intraduzível espanto, quando o instrutor me chamou a atenção para um
cavalheiro maduro que tentava a psicografia.
- Observe
este amigo - disse-me, com autoridade -, não sente um odor característico?
Efetivamente,
em derredor daquele rosto pálido, assinalava-se à existência de atmosfera menos
agradável.
Semelhava-se-lhe
o corpo a um tonel de configuração caprichosa, de cujo interior escapavam
certos vapores muito leves, mas incessantes.
Via-se-lhe
a dificuldade para sustentar o pensamento com relativa calma. Não tive qualquer
dúvida. Deveria ele usar alcoólicos em quantidade regular.
Vali-me
do ensejo para notar-lhe às singularidades orgânicas.
O
aparelho gastrintestinal parecia totalmente ensopado em aguardente, porquanto essa
substância invadia todos os escaninhos do estômago e, começando a fazer-se
sentir nas paredes do esôfago, manifestava a sua influência até no bolo fecal.
Espantava-me o fígado enorme. Pequeninas figuras horripilantes postavam-se,
vorazes, ao longo da veia porta, lutando desesperadamente com os elementos
sanguíneos mais novos. Toda a estrutura do órgão se mantinha alterada. Terrível
ingurgitamento. Os lóbulos cilíndricos, modificados, abrigavam células doentes
e empobrecidas.
O baço
apresentava anomalias estranhas.
- Os
alcoólicos - esclareceu Alexandre, com grave entonação - aniquilavam-no
vagarosamente. Você está examinando as anormalidades menores. Este companheiro
permanece completamente desviado
em seus centros de equilíbrio vital. Todo o sistema endocrínico foi atingido pela atuação tóxica. Inutilmente trabalha a
medula para melhorar os valores da circulação. Em vão, esforçam-se os centros
genitais para ordenar as funções que lhes são peculiares, porque o álcool
excessivo determina modificações deprimentes sobre a própria cromatina[4].
Debalde trabalham os rins na excreção dos elementos corrosivos, porque a ação
perniciosa da substância em estudo anula diariamente grande número de nefrons.
O
pâncreas, viciado, não atende com exatidão ao serviço de desintegração dos
alimentos. Larvas destruidoras exterminam as células hepáticas. Profundas
alterações modificam-lhe as disposições do sistema nervoso vegetativo e, não fosse
às glândulas sudoríparas, tornar-se-lhe-ia talvez impossível à continuação da
vida física.
Não
conseguia dissimular minha admiração. Alexandre indicava os pontos enfermiços e
esclarecia os assuntos com sabedoria e simplicidade tão grandes que não pude
ocultar o assombro que se apoderara de mim.
O
instrutor colocou-me, em seguida, ao lado de uma dama simpática e idosa. Após
examiná-la, atencioso, acrescentou:
- Repare
nesta nossa irmã. É candidata ao desenvolvimento da mediunidade de
incorporação. Fraquíssima luz emanava de sua organização mental e, desde o
primeiro instante, notara-lhe as deformações físicas.
O
estômago dilatara-se-lhe horrivelmente e os intestinos pareciam sofrer
estranhas alterações.
O fígado,
consideravelmente aumentado, demonstrava indefinível agitação.
Desde o
duodeno ao sigmóide, notavam-se anomalias de vulto.
Guardava
a idéia de presenciar, não o trabalho de um aparelho digestivo usual, e, sim,
de vasto alambique, cheio de pastas de carne e caldos gordurosos, cheirando a
vinagre de condimentação ativa. Em grande zona do ventre superlotado de
alimentação, viam-se muitos parasitos conhecidos, mas, além deles, divisava outros corpúsculos semelhantes a lesmas
voracíssimas, que se agrupavam em grandes colônias, desde os músculos e
as fibras do estômago até a válvula ileocecal. Semelhantes parasitos atacavam os
sucos nutritivos, com assombroso potencial de destruição.
Observando-me
a estranheza, o orientador falou em meu socorro:
- Temos
aqui uma pobre amiga desviada nos excessos de alimentação.
Todas as
suas glândulas e centros nervosos trabalham para atender as exigências do
sistema digestivo. Descuidada de si mesma, caiu na glutonaria crassa, tornando-se presa
de seres de baixa condição.
E porque
me conservasse em silêncio, incapacitado de argumentar, ante os ensinamentos
tão novos, o instrutor considerou:
- Perante
estes quadros, pode você avaliar a extensão das necessidades educativas na
esfera da Crosta. A mente encarnada engalanou-se com os valores intelectuais e
fez o culto da razão pura, esquecendo-se de que a razão humana precisa de luz
divina.
O homem
comum percebe muito pouco e sente muito menos.
Ante a
eclosão de conhecimentos novos, em face da onda regeneradora do Espiritualismo
que banha as nações mais cultas da Terra angustiadas por longos sofrimentos
coletivos, necessitamos acionar as melhores possibilidades de colaboração, para
que os companheiros terrestres valorizem as suas oportunidades benditas de serviço
e redenção.
Compreendi
que Alexandre se referia, veladamente, ao grande movimento espiritista, em
virtude de nos encontrarmos nas tarefas de uma casa doutrinária, e não me
enganava, porque o bondoso mentor continuou a dizer, gravemente:
- O Espiritismo cristão é a revivescência do Evangelho de Nosso
Senhor Jesus Cristo, e a mediunidade constitui um de seus fundamentos vivos. A
mediunidade, porém, não é exclusiva dos chamados “médiuns”. Todas as criaturas a possuem,
porquanto significa percepção espiritual, que deve ser incentivada em nós mesmos.
Não bastará, entretanto, perceber. É imprescindível santificar essa faculdade,
convertendo-a no ministério ativo do bem. A maioria dos candidatos ao desenvolvimento dessa natureza, contudo,
não se dispõe aos serviços preliminares de limpeza do vaso receptivo.
Dividem, inexoravelmente, a matéria e o espírito, localizando-os em campos
opostos, quando nós, estudantes da Verdade, ainda não conseguimos identificar
rigorosamente as fronteiras entre uma e outro, integrados na certeza de que
toda a organização universal se baseia em vibrações puras. Inegavelmente, meu
amigo - e sorriu -, não desejamos transformar o mundo em cemitério de tristeza
e desolação. Atender a santificada missão do sexo, no seu plano respeitável,
usar um aperitivo comum, fazer a boa refeição, de modo algum significa desvios
espirituais; no entanto, os excessos representam desperdícios lamentáveis de força, os quais retêm
a alma nos círculos inferiores.
Ora, para
os que se trancafiam nos cárceres de sombra, não é fácil desenvolver percepções
avançadas. Não se pode
cogitar de mediunidade construtiva, sem o equilíbrio construtivo dos
aprendizes, na sublime ciência do bem-viver.
- Oh! -
exclamei - e por que motivo não dizer tudo isto aos nossos irmãos congregados
aqui? Porque não adverti-los austeramente?
Alexandre
sorriu benévolo, e acentuou:
- Não,
André. Tenhamos calma. Estamos no serviço de evolução e adestramento. Nossos
amigos não são rebeldes ou maus, em sentido voluntário. Estão espiritualmente
desorientados e enfermos. Não podem transformar-se, dum momento para outro.
Compete-nos,
portanto, ajudá-los no caminho educativo.
O
orientador deixou de sorrir e acrescentou:
- É
verdade que sonham edificar maravilhosos castelos, sem base; alcançar imensas
descobertas exteriores, sem estudarem a si próprios; mas, gradativamente,
compreenderão que mediunidade elevada ou percepção edificante não constituem
atividades mecânicas da personalidade e sim conquistas do Espírito, para cuja consecução
não se pode prescindir das iniciações dolorosas, dos trabalhos necessários, com
a auto-educação sistemática e perseverante.
Excetuando-se,
porém, essas ilusões infantis, são boas companheiras de luta, aos quais
estimamos carinhosamente, não só como nossos irmãos mais jovens, mas também por
serem credores de reconhecimento pela cooperação que nos prestam, muitas vezes
inconscientemente.
Os tenros
embriões vegetais de hoje serão as árvores robustas de amanhã o as tribos
ignorantes de ontem constituem a Humanidade de agora.
Por isso mesmo, todas as nossas
reuniões são proveitosas, e, ainda que os seus passos sejam vacilantes na
senda, tudo faremos por defendê-los contra as perigosas malhas do vampirismo.
[1] Fonte: Missionário da Luz, Ditado pelo Espírito André Luiz, psicografia
de Francisco Cândido Xavier, Editora FEB, Capitulo 3
[2] O epidídimo é um pequeno
ducto que coleta e armazena os espermatozóides produzidos pelo testículo e está
presente em todos os Amniotas do sexo masculino. Localiza-se posteriormente ao
testículo, no saco escrotal, e desemboca na base do ducto deferente, o canal
que conduz os espermatozóides até à próstata. https://pt.wikipedia.org/wiki/Epididimo
[3] Micróbio do grupo das bactérias, em forma de longos
filamentos, freqüentemente espiralados: espiroqueta ou treponema da sífilis.
https://www.dicio.com.br/espiroqueta/
[4] Em citologia, cromatina é o complexo de DNA (RNA) e proteínas que se encontra dentro do núcleo
celular nas células eucarióticas. Os ácidos nucléicos encontram-se geralmente na forma de dupla-hélice.
As principais proteínas da cromatina são as histonas. As histonas H2A, H2B, H3 e H4 unem-se, formando um
octâmero denominado nucleossoma. https://pt.wikipedia.org/wiki/Cromatina