sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Estudando Missionário da Luz - Desenvolvimento mediúnico


DESENVOLVIMENTO MEDIÚNICO[1]
Os serviços particulares não proporcionavam ensejo a excursões dilatadas e freqüentes, em companhia de Alexandre; entretanto, valia-me de todas as folgas nos trabalhos comuns.
Havia sempre o que aprender. E constituía enorme satisfação seguir o ativo missionário das atividades de comunicação.
- Hoje, à noite - disse-me o devotado amigo -, observará algumas demonstrações de desenvolvimento mediúnico.
Aguardei as instruções com interesse.
No instante indicado, compareci ao grupo.
Antes do ingresso dos companheiros encarnados, já era muito grande a movimentação. Número considerável de trabalhadores. Muito serviço de natureza espiritual.
Admirava as características dos socorros magnéticos, dispensados às entidades sofredoras, quando Alexandre acentuou:
- Por enquanto, nossos esforços são mais frutíferos ao círculo dos desencarnados infelizes. As atividades beneficentes da casa concentram-se deles, em maior porção, porque os encarnados, mesmo aqueles que já se interessam pela prática espiritista, muito raramente se dispõem, com sinceridade, ao aproveitamento real dos valores legítimos de nossa cooperação.
E, depois de longa pausa, prosseguiu:
- É muito lenta e difícil à transição, entre a animalidade grosseira e a espiritualidade superior. Nesse sentido, há sempre, entre os homens, um oceano de palavras e algumas gotas de ação.
Nesse instante, os primeiros amigos do plano carnal deram entrada no recinto.
- Veremos hoje - exclamava um senhor de espessos bigodes -, veremos hoje se temos boa sorte.
- Não tenho vindo com assiduidade às experiências – comentou um rapaz -, porque vivo desanimado... Há quanto tempo mantenho o lápis na mão, sem resultado algum?
- É pena! - respondia outro senhor; a dificuldade desencoraja, de fato.
- Parece-me que nada merecemos, no setor do estímulo, por parte dos benfeitores invisíveis! - Acrescentava uma senhora de boa idade - há quantos meses procuro em vão desenvolver-me? Em certos momentos, sinto vibrações espirituais intensas, junto de mim, contudo, não passo das manifestações iniciais.
A palestra continuou interessante e pitoresca. Decorridos alguns minutos, com a presença de outros pequenos grupos de experimentadores que chegavam solícitos, foi iniciada a sessão de desenvolvimento.
O diretor proferiu tocante prece, no que foi acompanhado por todos os presentes.
Dezoito pessoas mantinham-se em expectativa.
- Alguns - explicou Alexandre - pretendem a psicografia, outros tentam a mediunidade de incorporação. Infelizmente, porém, quase todos confundem poderes psíquicos com funções fisiológicas.
Acreditam no mecanismo absoluto da realização e esperam o progresso eventual e problemático, esquecidos de que toda edificação da alma requer disciplina, educação, esforço e perseverança.
Mediunidade construtiva é a língua de fogo do Espírito Santo, luz divina para a qual é preciso conservar o pavio do amor cristão, o azeite da boa vontade pura.
Sem a preparação necessária, a excursão dos que provocam o ingresso no reino invisível é, quase sempre, uma viagem nos círculos de sombra.
Alcançam grandes sensações e esbarram nas perplexidades dolorosas. Fazem descobertas surpreendentes e acabam nas ansiedades e dúvidas sem fim.
Ninguém pode trair a lei Impunemente, e, para subir, Espírito algum dispensará o esforço de si mesmo, no aprimoramento íntimo...
Dirigindo-se, de maneira especial, para os circunstantes, o instrutor recomendou:
- Observemos.
Postara-se ao lado de um rapaz que esperava de lápis em punho, mergulhado em fundo silêncio. Ofereceu-me Alexandre o seu vigoroso auxílio magnético e contemplei-o, com atenção. Os núcleos glandulares emitiam pálidas irradiações. A epífise principalmente semelhava-se à reduzida semente algo luminosa.
- Repare no aparelho genital - aconselhou-me o instrutor, gravemente.
Fiquei estupefato.
As glândulas geradoras emitiam fraquíssima luminosidade, que parecia abafada por aluviões de corpúsculos negros, a se caracterizarem por espantosa mobilidade. Começavam as movimentações sob a bexiga urinária e vibravam ao longo de todo o cordão espermático, formando colônias compactas, nas vesículas seminais, na próstata, nas massas mucosas uretrais, invadiam os canais seminíferos e lutavam com as células sexuais, aniquilando-as. As mais vigorosas daquelas feras microscópicas situavam-se no epidídimo[2], onde absorviam famélicos, os embriões delicados da vida orgânica. Estava assombrado.
Que significava aquele acervo de pequeninos seres escuros?
Pareciam imantados uns aos outros, na mesma faina de destruição.
Seriam expressões mal conhecidas da sífilis?
Enunciando semelhante indagação íntima, explicou-me Alexandre, sem que eu lhe dirigisse a palavra falada:
- Não, André. Não temos sob os olhos o espiroqueta[3] de Schaudinn, nem qualquer nova forma suscetível de análise material por bacteriologistas humanos. São bacilos psíquicos das torturas sexuais, produzidos pela sede febril de prazeres inferiores. O dicionário médico do mundo não os conhece e, na ausência de terminologia adequada aos seus conhecimentos, chamemos-lhes larvas, simplesmente. Têm sido cultivados por este companheiro, não só pela incontinência no domínio das emoções próprias, através de experiências sexuais variadas, senão também pelo contacto com entidades grosseiras, que se afina com as predileções dele, entidades que o visitam com freqüência, à maneira de imperceptíveis vampiros. O pobrezinho ainda não pôde compreender que o corpo físico é apenas leve sombra do corpo perispiritual, não se capacitou de que a prudência, em matéria de sexo, é equilíbrio da vida e, recebendo as nossas advertências sobre a temperança, acredita ouvir remotas lições de aspecto dogmático, exclusivo, no exame da fé religiosa.
A pretexto de aceitar o império da razão pura na esfera da lógica admite que o sexo nada tenha que ver com a espiritualidade; como se esta não fosse a existência em si.
Esquece-se de que tudo é espírito; manifestação divina e energia eterna.
O erro de nosso amigo é o de todos os religiosos que supõem a alma absolutamente separada do corpo físico, quando todas as manifestações psicofísicas se derivam da influenciação espiritual.
Novos mundos de pensamento raiavam-me no ser. Começava a sentir definições mais francas do que havia sido terríveis incógnitas para mim, no capítulo da patogenia em geral.
Não saíra do meu intraduzível espanto, quando o instrutor me chamou a atenção para um cavalheiro maduro que tentava a psicografia.
- Observe este amigo - disse-me, com autoridade -, não sente um odor característico?
Efetivamente, em derredor daquele rosto pálido, assinalava-se à existência de atmosfera menos agradável.
Semelhava-se-lhe o corpo a um tonel de configuração caprichosa, de cujo interior escapavam certos vapores muito leves, mas incessantes.
Via-se-lhe a dificuldade para sustentar o pensamento com relativa calma. Não tive qualquer dúvida. Deveria ele usar alcoólicos em quantidade regular.
Vali-me do ensejo para notar-lhe às singularidades orgânicas.
O aparelho gastrintestinal parecia totalmente ensopado em aguardente, porquanto essa substância invadia todos os escaninhos do estômago e, começando a fazer-se sentir nas paredes do esôfago, manifestava a sua influência até no bolo fecal. Espantava-me o fígado enorme. Pequeninas figuras horripilantes postavam-se, vorazes, ao longo da veia porta, lutando desesperadamente com os elementos sanguíneos mais novos. Toda a estrutura do órgão se mantinha alterada. Terrível ingurgitamento. Os lóbulos cilíndricos, modificados, abrigavam células doentes e empobrecidas.
O baço apresentava anomalias estranhas.
- Os alcoólicos - esclareceu Alexandre, com grave entonação - aniquilavam-no vagarosamente. Você está examinando as anormalidades menores. Este companheiro permanece completamente desviado em seus centros de equilíbrio vital. Todo o sistema endocrínico foi atingido pela atuação tóxica. Inutilmente trabalha a medula para melhorar os valores da circulação. Em vão, esforçam-se os centros genitais para ordenar as funções que lhes são peculiares, porque o álcool excessivo determina modificações deprimentes sobre a própria cromatina[4]. Debalde trabalham os rins na excreção dos elementos corrosivos, porque a ação perniciosa da substância em estudo anula diariamente grande número de nefrons.
O pâncreas, viciado, não atende com exatidão ao serviço de desintegração dos alimentos. Larvas destruidoras exterminam as células hepáticas. Profundas alterações modificam-lhe as disposições do sistema nervoso vegetativo e, não fosse às glândulas sudoríparas, tornar-se-lhe-ia talvez impossível à continuação da vida física.
Não conseguia dissimular minha admiração. Alexandre indicava os pontos enfermiços e esclarecia os assuntos com sabedoria e simplicidade tão grandes que não pude ocultar o assombro que se apoderara de mim.
O instrutor colocou-me, em seguida, ao lado de uma dama simpática e idosa. Após examiná-la, atencioso, acrescentou:
- Repare nesta nossa irmã. É candidata ao desenvolvimento da mediunidade de incorporação. Fraquíssima luz emanava de sua organização mental e, desde o primeiro instante, notara-lhe as deformações físicas.
O estômago dilatara-se-lhe horrivelmente e os intestinos pareciam sofrer estranhas alterações.
O fígado, consideravelmente aumentado, demonstrava indefinível agitação.
Desde o duodeno ao sigmóide, notavam-se anomalias de vulto.
Guardava a idéia de presenciar, não o trabalho de um aparelho digestivo usual, e, sim, de vasto alambique, cheio de pastas de carne e caldos gordurosos, cheirando a vinagre de condimentação ativa. Em grande zona do ventre superlotado de alimentação, viam-se muitos parasitos conhecidos, mas, além deles, divisava outros corpúsculos semelhantes a lesmas voracíssimas, que se agrupavam em grandes colônias, desde os músculos e as fibras do estômago até a válvula ileocecal. Semelhantes parasitos atacavam os sucos nutritivos, com assombroso potencial de destruição.
Observando-me a estranheza, o orientador falou em meu socorro:
- Temos aqui uma pobre amiga desviada nos excessos de alimentação.
Todas as suas glândulas e centros nervosos trabalham para atender as exigências do sistema digestivo. Descuidada de si mesma, caiu na glutonaria crassa, tornando-se presa de seres de baixa condição.
E porque me conservasse em silêncio, incapacitado de argumentar, ante os ensinamentos tão novos, o instrutor considerou:
- Perante estes quadros, pode você avaliar a extensão das necessidades educativas na esfera da Crosta. A mente encarnada engalanou-se com os valores intelectuais e fez o culto da razão pura, esquecendo-se de que a razão humana precisa de luz divina.
O homem comum percebe muito pouco e sente muito menos.
Ante a eclosão de conhecimentos novos, em face da onda regeneradora do Espiritualismo que banha as nações mais cultas da Terra angustiadas por longos sofrimentos coletivos, necessitamos acionar as melhores possibilidades de colaboração, para que os companheiros terrestres valorizem as suas oportunidades benditas de serviço e redenção.
Compreendi que Alexandre se referia, veladamente, ao grande movimento espiritista, em virtude de nos encontrarmos nas tarefas de uma casa doutrinária, e não me enganava, porque o bondoso mentor continuou a dizer, gravemente:
- O Espiritismo cristão é a revivescência do Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, e a mediunidade constitui um de seus fundamentos vivos. A mediunidade, porém, não é exclusiva dos chamados “médiuns”. Todas as criaturas a possuem, porquanto significa percepção espiritual, que deve ser incentivada em nós mesmos. Não bastará, entretanto, perceber. É imprescindível santificar essa faculdade, convertendo-a no ministério ativo do bem. A maioria dos candidatos ao desenvolvimento dessa natureza, contudo, não se dispõe aos serviços preliminares de limpeza do vaso receptivo. Dividem, inexoravelmente, a matéria e o espírito, localizando-os em campos opostos, quando nós, estudantes da Verdade, ainda não conseguimos identificar rigorosamente as fronteiras entre uma e outro, integrados na certeza de que toda a organização universal se baseia em vibrações puras. Inegavelmente, meu amigo - e sorriu -, não desejamos transformar o mundo em cemitério de tristeza e desolação. Atender a santificada missão do sexo, no seu plano respeitável, usar um aperitivo comum, fazer a boa refeição, de modo algum significa desvios espirituais; no entanto, os excessos representam desperdícios lamentáveis de força, os quais retêm a alma nos círculos inferiores.
Ora, para os que se trancafiam nos cárceres de sombra, não é fácil desenvolver percepções avançadas. Não se pode cogitar de mediunidade construtiva, sem o equilíbrio construtivo dos aprendizes, na sublime ciência do bem-viver.
- Oh! - exclamei - e por que motivo não dizer tudo isto aos nossos irmãos congregados aqui? Porque não adverti-los austeramente?
Alexandre sorriu benévolo, e acentuou:
- Não, André. Tenhamos calma. Estamos no serviço de evolução e adestramento. Nossos amigos não são rebeldes ou maus, em sentido voluntário. Estão espiritualmente desorientados e enfermos. Não podem transformar-se, dum momento para outro.
Compete-nos, portanto, ajudá-los no caminho educativo.
O orientador deixou de sorrir e acrescentou:
- É verdade que sonham edificar maravilhosos castelos, sem base; alcançar imensas descobertas exteriores, sem estudarem a si próprios; mas, gradativamente, compreenderão que mediunidade elevada ou percepção edificante não constituem atividades mecânicas da personalidade e sim conquistas do Espírito, para cuja consecução não se pode prescindir das iniciações dolorosas, dos trabalhos necessários, com a auto-educação sistemática e perseverante.
Excetuando-se, porém, essas ilusões infantis, são boas companheiras de luta, aos quais estimamos carinhosamente, não só como nossos irmãos mais jovens, mas também por serem credores de reconhecimento pela cooperação que nos prestam, muitas vezes inconscientemente.
Os tenros embriões vegetais de hoje serão as árvores robustas de amanhã o as tribos ignorantes de ontem constituem a Humanidade de agora.
Por isso mesmo, todas as nossas reuniões são proveitosas, e, ainda que os seus passos sejam vacilantes na senda, tudo faremos por defendê-los contra as perigosas malhas do vampirismo.


[1] Fonte: Missionário da Luz, Ditado pelo Espírito André Luiz, psicografia de Francisco Cândido Xavier, Editora FEB, Capitulo 3
[2] epidídimo é um pequeno ducto que coleta e armazena os espermatozóides produzidos pelo testículo e está presente em todos os Amniotas do sexo masculino. Localiza-se posteriormente ao testículo, no saco escrotal, e desemboca na base do ducto deferente, o canal que conduz os espermatozóides até à próstata. https://pt.wikipedia.org/wiki/Epididimo
[3] Micróbio do grupo das bactérias, em forma de longos filamentos, freqüentemente espiralados: espiroqueta ou treponema da sífilis. https://www.dicio.com.br/espiroqueta/
[4] Em citologiacromatina é o complexo de DNA (RNA) e proteínas que se encontra dentro do núcleo celular nas células eucarióticas. Os ácidos nucléicos encontram-se geralmente na forma de dupla-hélice. As principais proteínas da cromatina são as histonas. As histonas H2A, H2B, H3 e H4 unem-se, formando um octâmero denominado nucleossoma.  https://pt.wikipedia.org/wiki/Cromatina

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Por amor a Jesus


POR AMOR A JESUS[1]

O dia fora estafante.
As atividades da Casa tiveram início pela Alva com a leva de enfermos, que chegaram, suplicando ajuda, e terminaram, noite adentro, com alguns obsidiados que renteavam com a loucura e foram deixados à porta, ao relento...
Aquela era a quadra ardente do verão e a temperatura morna; amolentava mesmo as resistências mais vigorosas.
Conhecida na cidade e nos arredores como o albergue do amor e o recinto da esperança, para a “Casa do Caminho” afluíam os desafortunados de todos os matizes.
Não obstante a escassez de cooperadores, as pessoas não tinham pejo em descarregar sobre os ombros cansados dos operários de Jesus todas as cruzes e problemas que encontravam, encaminhando-lhes os aflitos e necessitados em grupos que se sucediam como ondas contínuas do mar.. .
Sempre haverá esse comportamento entre os homens.
Os desobrigados com os compromissos da solidariedade encaminharão para os lidadores da ação extenuantes novas contribuições de sofrimentos, indiferentes à angústia e ao cansaço dos que se empenham em minimizar a problemática humana.
Aquela temporada se assinalava pelas dores gerais: criancinhas órfãs e velhinhos desvalidos, enfermos e alienados de vário porte chegavam a cada hora, valendo-se dos recursos do amor, da caridade e da abnegação de Pedro, que jamais se escusava.
Somando penas aos trabalhos exaustivos, sem repouso, medravam, aqui e ali, suspeitas infundadas, incompreensões injustificáveis se instalavam entre os poucos colaboradores do “velho pescador”.
Não raro, o amigo dos infelizes sentia-se quase a sós, para atender ao grande número de necessitados ali albergados e aos sucessivos grupos que diariamente rogavam apoio e recolhimento.
Este companheiro admoestava o discípulo, acusando-o de abuso da caridade; aquele o censurava às claras pelo tempo aplicado na assistência aos leprosos, que, segundo ele, deveriam ser liminarmente arrojados à morte, no “vale dos imundos”, em Jerusalém; outros queixavam-se da falta de oportunidade para os largos diálogos evangélicos porque Simão estava sempre a braços com os trabalhos cansativos; por fim, afirmavam diversos, que a Casa não sobreviveria, naquelas condições, considerando a possibilidade de as autoridades do Cinéreo mandarem fechá-la, por albergar mulheres de vida equivocada, publicamente conhecidas , . .
Simão ouvia as insinuações malevas, as ingratidões e os sarcasmos indisfarçados em silêncio.
Alguns o tinham na conta de covarde e demonstravam conhecer-lhe a fraqueza das negações.
Pessoas amigas não ocultavam o desagrado ante a programação pesada que o companheiro de Jesus se impunha, convidando sem palavras os demais obreiros à dilatação das forças e da ação na caridade.
Era como se a inconsciência e a irresponsabilidade conspirassem contra o bem, na Casa dedicada ao bem geral.
O apóstolo abnegado, todavia, não se deixava contaminar pelos vapores tóxicos da intriga nem das conversações malsãs.
À medida, porém, que o desgaste físico e mental lhe minava as forças, foi acolhendo, sem o perceber, o vírus do desânimo.
Anotava, aqui e ali, mal-estar, e percebia-se imensamente saudoso da companhia do Mestre, que muito anelava por voltar a fruir.
Quando se fez silêncio nos largos pavilhões humildes onde a dor encontrava lenitivo e as vozes do aturdimento obsessivo silenciaram, Simão assentou-se sob a sombra de vetusta figueira brava esparramada pelo pátio interno da “Casa do Caminho” e recolheu-se em meditação e prece.
A noite agradável fizera-se um álbum natural de recordações.
O discípulo dedicado repassou, mentalmente, as cenas da sua convivência com Jesus desde o primeiro encontro até ao último contato. . .
Parecia-lhe que as evocações se corporificavam, concedendo-lhe nítidas lembranças que lhe orvalhavam os olhos reiteradas vezes.
Constatava, na saudade e na emoção, o quanto amava àquele Amigo!
É certo que Lhe daria a vida.
Não saberia explicar ainda o motivo da fraqueza que o martirizava. . .
Não saíra das últimas recordações em torno do momento da ascensão, quando viu Jesus, transparente e belo, à sua frente.
Desejou traduzir a felicidade daquela hora, explodindo de júbilos, mas o suave e tranqüilo olhar do Amigo que o penetrou, dulcificou-o por dentro, harmonizando-o.
Passado o primeiro instante, e porque não desejasse malbaratar a oportunidade excepcional, Pedro recordou-se das últimas dificuldades experimentadas no trabalho e expô-las em breves palavras, concluindo, entristecido:
— Não são os estranhos, Senhor; a criarem-me impedimentos para o labor crescente, mas, os amigos, os cooperadores...
E desejando dar maior ênfase aos problemas, arrematou:
— Quando a perseguição vem de fora, dos que nos não conhecem, é mais fácil compreendê-los e desculpá-los, porém quando decorre daqueles que vivem conosco e participam da nossa fé, do nosso ideal...
Não conseguiu terminar a frase, porque a voz ficou estrangulada na garganta túrgida.
O Senhor, compreendendo as lutas do discípulo querido, interrogou:
— Pedro, que era o vaso delicado, antes de tomar forma?
— Argila comum, Senhor — respondeu, presto, o interlocutor.
— E a estátua perfeita, — volveu o Mestre — antes do esforço e da dedicação do artista?
— Pedra bruta, Mestre — apressou-se, Simão em responder.
— Tens razão, amigo — aduziu Jesus. — Sem o trabalho consciente nem a arte do oleiro o vaso não se teria formado, permanecendo perdido no barro úmido. . . Não fossem a paciência e a habilidade do escultor, a estátua que dormia na pedra grosseira lá permaneceria sem qualquer beleza ou utilidade.
Fazendo breve pausa, o Mestre prosseguiu:
— Os homens, à semelhança da argila sem forma ou pedra grosseira, aguardam que os cultores dos nobres ideais lhes plasmem beleza e forma, delicadeza e utilidade, vencendo as suas resistências a golpes de paciência, perseverança e fé, até que colimem os objetivos para os quais foram criados pelo Pai.
“Relegá-los à própria ignorância, seria condená-los à inutilidade. Cumpre-nos compreender-lhes a situação, o degrau em que estagiam, no processo da evolução, e ampará-los, mesmo que se neguem às nossas mãos plasmadoras de formas e cultivadoras de bênçãos.
“Além disso, convém considerar que eles são hoje, o que já foste ontem. O tempo e o amor divino cuidaram de ti, através de outros que te alcançaram, cabendo-te, agora, a tarefa de cuidar deles, a fim de que cheguem até onde te encontras...”
Dando margem a que o ouvinte penetrasse o conteúdo profundo das suas palavras, o Senhor silenciou, para logo concluir:
— Se não exercitamos o amor e a caridade com aqueles com quem convivemos, como provaremos os próprios valores, quando chamados a tolerar e a suportar os que nos são desconhecidos?
“Se não nos for possível perseverar com os que jazem no desânimo e nos dificultam a marcha, qual será o nosso comportamento em relação aos que se obstinam contra os nossos propósitos?
“É necessário modificar a visão, diante dos corações e mentes enfermos que constituem os nossos amigos, que gostaríamos se encontrassem em outra situação evolutiva, portanto, de entendimento.
“Auxiliemos, desse modo, aos ingratos ao nosso lado e aos difíceis para conosco, e treinar-nos-emos para os cometimentos mais graves, que nos aguardam no futuro, precedendo à nossa libertação gloriosa.”
Calou-se o Sublime Benfeitor e diluiu-se na noite varrida por leve, perfumada brisa do vale próximo, salpicada de astros fulgurantes.
Simão Pedro compreendeu a mensagem oportuna, levantou-se, e, a partir dali, jamais se permitiu desânimo ou queixa, compreendendo os companheiros da retaguarda da evolução, porém cumprindo com o seu dever até o momento da sua crucificação de cabeça para baixo, em Roma, anos mais tarde, por integral amor a Jesus.


[1] Fonte: Livro – Há flores no caminho – ditado do Espírito Amélia Rodrigues, psicografia de Divaldo Pereira Franco, Ed LEAL, 3.“ edição Capitulo 6

sábado, 8 de fevereiro de 2020

Estudando Missionário da Luz - A epífise

A EPÍFISE[1]
Enquanto o nosso companheiro se aproveitava da organização mediúnica, vali-me das forças magnéticas que o instrutor me fornecera, para fixar a máxima atenção no médium. Quanto mais lhe notava as singularidades do cérebro, mais admirava a luz crescente que a epífise deixava perceber. A glândula minúscula transformara-se em núcleo radiante e, em derredor, seus raios formavam um lótus de pétalas sublimes.
Examinei atentamente os demais encarnados. Em todos eles, a glândula apresentava notas de luminosidade, mas em nenhum brilhava como no intermediário em serviço.
Sobre o núcleo, semelhante agora a flor resplandecente, caía luzes suaves, de Mais Alto, reconhecendo eu que ali se encontravam em jogo vibrações delicadíssimas, imperceptíveis para mim.
Estudara a função da epífise nos meus apagados serviços de médico terrestre. Segundo os orientadores clássicos, circunscreviam-se suas atribuições ao controle sexual no período infantil. Não passava de velador dos instintos, até que as rodas da experiência sexual pudessem deslizar com regularidade, pelos caminhos da vida humana. Depois, decrescia em força, relaxava-se, quase desaparecia, para que as glândulas genitais a sucedessem no campo da energia plena.
Minhas observações, ali, entretanto, contrastavam com as definições dos círculos oficiais.
Como o recurso de quem ignora é esperar pelo conhecimento alheio; aguardei Alexandre para elucidar-me, findo o serviço ativo.
Passados alguns minutos, o generoso mentor acercava-se de mim.
Não esperou que me explicasse.
- Conheço-lhe a perplexidade - falou. Também passei pela mesma surpresa, noutro tempo. A epífise é agora uma revelação para você.
- Sem dúvida - acrescentei.
- Não se trata de órgão morto, segundo velhas suposições - prosseguiu ele. - É a glândula da vida mental. Ela acorda no organismo do homem, na puberdade, as forças criadoras e, em seguida, continua a funcionar como o mais avançado laboratório de elementos psíquicos da criatura terrestre. O neurologista comum não a conhece bem. O psiquiatra devassar-lhe-á, mais tarde, os segredos. Os psicólogos vulgares ignoram-na. Freud interpretou-lhe o desvio, quando exagerou a influenciação da “libido”, no estudo da indisciplina congênita da Humanidade. Enquanto no período do desenvolvimento infantil, fase de reajustamento desse centro importante do corpo perispiritual preexistente, a epífise parece constituir o freio às manifestações do sexo; entretanto, há que retificar observações.
Aos catorze anos, aproximadamente, de posição estacionária, quanto às suas atribuições essenciais, recomeça a funcionar no homem reencarnado. O que representava controle é; fonte criadora e válvula de escapamento. A glândula pineal reajusta-se ao concerto orgânico e reabre seus mundos maravilhosos de sensações e impressões na esfera emocional. Entrega-se a criatura à recapitulação da sexualidade, examina o inventário de suas paixões vividas noutra época, que reaparecem sob fortes impulsos.
Achava-me profundamente surpreendido.
Findo o intervalo que impusera à exposição do ensinamento, Alexandre continuou:
- Ela preside aos fenômenos nervosos da emotividade, como órgão de elevada expressão no corpo etéreo. Desata, de certo modo, os laços divinos da Natureza, os quais ligam as existências umas às outras, na seqüência de lutas, pelo aprimoramento da alma, e deixa entrever a grandeza das faculdades criadoras de que a criatura se acha investida.
- Deus meu! - exclamei - e as glândulas genitais, onde ficam?
O instrutor sorriu e esclareceu:
- São demasiadamente mecânicas, para guardarem os princípios sutis e quase imponderáveis da geração. Acham-se absolutamente controladas pelo potencial magnético de que a epífise é a fonte fundamental. As glândulas genitais segregam os hormônios do sexo, mas a glândula pineal, se me posso exprimir assim, segrega “hormônios psíquicos” ou “unidades-força” que vão atuar, de maneira positiva, nas energias geradoras. Os cromossomos da bolsa seminal não lhe escapam a influenciação absoluta e determinada.
Alexandre fez um gesto significativo e considerou:
- No entanto, não estamos examinando problemas de embriologia.
Limitemo-nos ao assunto inicial e analisemos a epífise, como glândula da vida espiritual do homem.
Dentro de meu espanto, guardei rigoroso silêncio, faminto de instruções novas.
- Segregando delicadas energias psíquicas - prosseguiu ele -, a glândula pineal conserva ascendência em todo o sistema endocrínico.
Ligada à mente, através de princípios eletromagnéticos do campo vital, que a ciência comum ainda não pode identificar, comanda as forças subconscientes sob a determinação direta da vontade. As redes nervosas constituem-lhe os fios telegráficos para ordens imediatas a todos os departamentos celulares, e sob sua direção efetuam-se os suprimentos de energias psíquicas a todos os armazéns autônomos dos órgãos. Manancial criador dos mais importantes, suas atribuições são extensas e fundamentais.
Na qualidade de controladora do mundo emotivo, sua posição na experiência sexual é básica e absoluta. De modo geral, todos nós, agora ou no pretérito, viciamos esse foco sagrado de forças criadoras, transformando-o num imã relaxado, entre as sensações inferiores de natureza animal. Quantas existências; temos despendido na canalização de nossas possibilidades espirituais para os campos mais baixos do prazer materialista?
Lamentavelmente divorciados da lei do uso, abraçamos os desregramentos emocionais, e daí, meu caro amigo, a nossa multimilenária viciação das energias geradoras, carregados de compromissos morais, com todos aqueles a quem ferimos com os nossos desvarios e irreflexões.
Do lastimável menosprezo a esse potencial sagrado, decorrem os dolorosos fenômenos da hereditariedade fisiológica, que deveria constituir, invariavelmente, um quadro de aquisições abençoadas e puras. A perversão do nosso plano mental consciente, em qualquer sentido da evolução, determina a perversão de nosso psiquismo inconsciente, encarregado da execução dos desejos e ordenações mais íntimas, na esfera das operações automáticas.
À vontade desequilibrada desregula o foco de nossas possibilidades criadoras. Daí procede a necessidade de regras morais para quem, de fato, se interesse pelas aquisições eternas nos domínios do Espírito. Renúncia, abnegação, continência sexual e disciplina emotiva não representam meros preceitos de feição religiosa. São providências de teor científico, para enriquecimento efetivo da personalidade. Nunca fugiremos à lei, cujos artigos e parágrafos do Supremo Legislador abrangem o Universo.
Ninguém enganará a Natureza. Centros vitais desequilibrados obrigarão a alma à permanência nas situações de desequilíbrio.
Não adianta alcançar a morte física, exibindo gestos e palavras convencionais, se o homem não cogitou do burilamento próprio.
A Justiça que rege a Vida Eterna jamais se inclinou. É certo que os sentimentos profundos do extremo instante do Espírito encarnado cooperam decisivamente nas atividades de regeneração além do túmulo, mas não representam a realização precisa.
O instrutor falava em tom sublime, pelo menos para mim, que, pela primeira vez, ouvia comentários sobre consciência, virtude e santificação, dentro de conceitos estritamente lógicos e científicos no campo da razão.
Agora, aclaravam-se-me os raciocínios, de modo franco. Receber um corpo, nas concessões do reencarnacionismo, não é ganhar um barco para nova aventura, ao acaso das circunstâncias, mas significa responsabilidade definida nos serviços de aprendizagem, elevação ou reparação, nos esforços evolutivos ou redentores.
- Compreende, agora, as funções da epífise no crescimento mental do homem e no enriquecimento dos valores da alma? - indagou-me o orientador.
- Sim... - respondi sob impressão forte.
- Segregando “unidades-força” - continuou -, pode ser comparada a poderosa usina, que deve ser aproveitada e controlada, no serviço de iluminação, refinamento e benefício da personalidade e não relaxada em gasto excessivo do suprimento psíquico, nas emoções de baixa classe. Refocilar-se no charco das sensações inferiores, à maneira dos suínos, é retê-la nas correntes tóxicas dos desvarios de natureza animal, e, na despesa excessiva de energias sutis, muito dificilmente consegue o homem levantar-se do mergulho terrível nas sombras, mergulho que se prolonga, além da morte corporal. Em vista disso, é indispensável cuidar atentamente da economia de forças, em todo serviço honesto de desenvolvimento das faculdades superiores.
Os materialistas da razão pura, senhores de vastos patrimônios intelectuais, perceberam de longe semelhantes realidades e, no sentido de preservar a juventude, a plástica e a eugenia, fomentaram a prática do esporte, em todas as suas modalidades. Contra os perigos possíveis, na excessiva acumulação de forças nervosas, como são chamadas às secreções elétricas da epífise; aconselharam aos moços de todos os países o uso do remo, da bola, do salto, da barra, das corridas a pé. Desse modo, preservavam-se os valores orgânicos, legítimos e normais, para as funções da hereditariedade.
A medida, embora satisfaça em parte, é, contudo, incompleta e defeituosa. Incontestavelmente, a ginástica e o exercício controlados são fatores valiosos de saúde; a competição esportiva honesta é fundamento precioso de socialização; no entanto, podem circunscrever-se a meras providências, em benefício dos ossos, e, por vezes, degenera-se em elástico das paixões menos dignas.
São muito raros ainda, na Terra, os que reconhecem a necessidade de preservação das energias psíquicas para engrandecimento do Espírito eterno.
O homem vive esquecido de que Jesus ensinou a virtude como esporte da alma, e nem sempre se recorda de que, no problema do aprimoramento interior, não se trata de retificar a sombra da substância e sim a substância em si mesma.
Ouvia-lhe as instruções, entre a emotividade e o assombro.
- Entende, agora, como é importante renunciar? Percebe a grandeza da lei de elevação pelo sacrifício? A sangria estimula a produção de células vitais, na medula óssea; a poda oferece beleza, novidade e abundância nas árvores. O homem que pratica verdadeiramente o bem vive no seio de vibrações construtivas e santificantes da gratidão, da felicidade, da alegria. Não é fazer teoria de esperança. É princípio científico, sem cuja aplicação, na esfera comum, não se liberta a alma, descentralizada pela viciação nas zonas mais baixas da Natureza, E porque observasse que as instruções lhe tomavam demasiado tempo, Alexandre concluiu:
- De acordo com as nossas observações, a função da epífise na vida mental é muito importante.
- Sim - considerei -, compreendo agora a substancialidade de sua influenciação no sexo e entendo igualmente a dolorosa e longa tragédia sexual da Humanidade. Percebo, nitidamente, o porquê dos dramas que se sucedem ininterruptos, as aflições que parecem nunca chegar ao fim, as ansiedades que esbarram no crime, o cipoal do sofrimento, envolvendo lares e corações.
- E o homem sempre disposto a viciar os centros sagrados de sua personalidade - concluiu Alexandre, solenemente -, sempre inclinado a contrair novos débitos, mas dificilmente decidido a retificar ou pagar.
- Compreendo, compreendo...
E, asilando certas dúvidas, exclamei:
- Não seria então mais razoável...
O orientador cortou-me a palavra e esclareceu: - Já sei o que deseja indagar.
E, sorrindo:
- Você pergunta se não seria mais interessante encerrar todas as experiências do sexo, sepultar as possibilidades do renascimento carnal. Semelhante indagação, no entanto, é improcedente.
Ninguém deve agir contra a lei. O uso respeitável dos patrimônios da vida, a união enobrecedora, a aproximação digna, constituem o programa de elevação. É, portanto, indispensável distinguir entre harmonia e desequilíbrio, evitando o estacionamento em desfiladeiros fatais.
Ditas estas palavras, Alexandre calou-se, como orientador criterioso que deixa ao discípulo o tempo necessário para digerir a lição.


[1] Fonte: Missionário da Luz, Ditado pelo Espírito André Luiz, psicografia de Francisco Cândido Xavier, Editora FEB, Capitulo 2

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Estudando Missionário da Luz - O psicógrafo

O PSICÓGRAFO[1]

Encerrada a conversação, referente aos problemas de intercâmbio com os habitantes da esfera carnal, o Instrutor Alexandre, que desempenha elevadas funções em nosso plano, dirigiu-me a palavra, gentilmente:
- Compreendo seu desejo. Se quiser, poderá acompanhar-me ao nosso núcleo, em momento oportuno.
- Sim - respondi encantado -, a questão mediúnica é fascinante.
O interlocutor sorriu benevolentemente e concordou:
- De fato, para quem lhe examine os ascendentes morais.
Marcou-se, mais tarde, à noite de minha visita e esperei os ensinamentos práticos, alimentando indisfarçável interesse.
Surgida à oportunidade, vali-me da prestigiosa influência para ingressar no espaçoso e velho salão, onde Alexandre desempenha atribuições na chefia.
Dentre as dezenas de cadeiras, dispostas em filas, somente dezoito permaneciam ocupadas por pessoas terrestres, autênticas.
As demais atendiam à massa invisível aos olhos comuns do plano físico. Grande assembléia de almas sofredoras. Público extenso e necessitado.
Reparei que fios luminosos dividiam os assistentes da região espiritual em turmas diferentes. Cada grupo exibia características próprias. Em torno das zonas de acesso, postavam-se corpos de guarda, e compreendi, pelo vozerio do exterior, que, também ali, a entrada dos desencarnados obedecia a controle significativo. As entidades necessitadas, admitidas ao interior, mantinham discrição e silêncio.
Entrei cauteloso, sem despertar atenção na assembléia que ouvia, emocionadamente, a palavra generosa e edificante de operoso instrutor da casa.
Grandes números de cooperadores velavam atentos. E, enquanto o devotado mentor falava com o coração nas palavras, os dezoito companheiros encarnados; demorava-se em rigorosa concentração do pensamento, elevado a objetivos altos e puros.
Era belo sentir-lhes a vibração particular. Cada qual emitia raios luminosos, muito diferentes entre si, na intensidade e na cor.
Esses raios confundiam-se à distância aproximada de sessenta centímetros dos corpos físicos e estabeleciam uma corrente de força, bastante diversa das energias de nossa esfera. Essa corrente não se limitava ao círculo movimentado.
Em certo ponto, despejava elementos vitais, à maneira de fonte miraculosa, com origem nos corações e nos cérebros humanos que aí se reuniam.
As energias dos encarnados casavam-se aos fluidos vigorosos dos trabalhadores de nosso plano de ação, congregados em vasto número, formando precioso armazém de benefícios para os infelizes, extremamente apegados ainda às sensações fisiológicas.
Semelhantes forças mentais não são ilusórias, como pode parecer ao raciocínio terrestre, menos esclarecido quanto às reservas infinitas de possibilidades além da matéria mais grosseira.
Detinha-me na observação dos valores novos de meu aprendizado, quando o meu amigo, terminada a dissertação consoladora, me solicitou a presença nos serviços mediúnicos. Demonstrando-se interessado no aproveitamento integral do tempo, foi muito comedido nas saudações.
- Não podemos perder os minutos - informou.
E, designando reduzido grupo de seis entidades próximas, esclareceu:
- Esperam, ali, os amigos autorizados.
- À comunicação? - indaguei.
O instrutor fez um sinal afirmativo e acrescentou:
- Nem todos, porém, conseguem o intuito à mesma hora. Alguns são obrigados a esperar semanas, meses, anos...
- Não supunha tão difícil a tarefa - aduzi, espantado.
- Verá - falou Alexandre, gentil.
E dirigindo-se para um rapaz que se mantinha em profunda concentração, cercado de auxiliares de nosso plano, explicou atencioso:
- Temos seis comunicantes prováveis, mas, na presente reunião, apenas compareceu um médium em condições de atender.
Desde já, portanto, somos obrigados a considerar que o grupo de aprendizes e obreiros terrestres somente receberá o que se relacione com o interesse coletivo. Não há possibilidade para qualquer serviço extraordinário.
- Julguei que o médium fosse a máquina, acima de tudo - ponderei.
- A máquina também gasta - observou o instrutor- e estamos diante de maquinismo demasiadamente delicado.
Fixando-me a expressão espantadiça, Alexandre continuou:
- Preliminarmente, devemos reconhecer que, nos serviços mediúnicos, preponderam os fatores morais. Neste momento, o médium, para ser fiel ao mandato superior, necessita clareza e serenidade, como o espelho cristalino dum lago. De outro modo, as ondas de inquietude perturbariam a projeção de nossa espiritualidade sobre a materialidade terrena, como as águas revoltas não refletem as imagens sublimes do céu e da Natureza ambiente.
Indicando o médium, prosseguiu o orientador, com voz firme:
- Este irmão não é um simples aparelho. É um Espírito que deve ser tão livre quanto o nosso e que, a fim de se prestar ao intercâmbio desejado, precisa renunciar a si mesmo, com abnegação e humildade, primeiros fatores na obtenção de acesso à permuta com as regiões mais elevadas. Necessita calar, para que outros falem; dar de si próprio, para que outros recebam. Em suma, deve servir de ponte, onde se encontrem interesses diferentes.
Sem essa compreensão consciente do espírito de serviço, não poderia atender aos propósitos edificantes.
Naturalmente, ele é responsável pela manutenção dos recursos interiores, tais como a tolerância, a humildade, a disposição fraterna, a paciência e o amor cristão; todavia, precisamos cooperar no sentido de manter-lhe os estímulos de natureza exterior, porque se o companheiro não tem pão, nem paz relativa, se lhe falta assistência nas aquisições mais simples; não poderemos exigir-lhe a colaboração, redundante em sacrifício. Nossas responsabilidades, portanto, estão conjugadas nos mínimos detalhes da tarefa a cumprir.
Raiando-me a ideia de que o médium deveria esperar, satisfeito, a compensação divina, Alexandre ponderou:
- Consideremos, contudo, meu amigo, que ainda nos encontramos em trabalho incompleto. A questão de salário virá depois...
Nesse ponto da conversação, convidou-me à aproximação do aparelho mediúnico e, colocando-lhe a destra sobre a fronte, exclamou:
- Observe. Estamos diante do psicógrafo comum. Antes do trabalho a que se submete; neste momento, nossos auxiliares já lhe prepararam as possibilidades para que não se lhe perturbe a saúde física. A transmissão da mensagem não será simplesmente “tomar a mão”.
Há processos intrincados, complexos.
E, ante minha profunda curiosidade científica, o orientador ofereceu-me o auxílio magnético de sua personalidade vigorosa e passei a observar, no corpo do intermediário, grande laboratório de forças vibrantes. Meu poder de apreensão visual superara os raios X, com características muito mais aperfeiçoadas.
As glândulas do rapaz transformaram-se em núcleos luminosos, a guisa de perfeitas oficinas elétricas. Detive-me, porém, na contemplação do cérebro, em particular. Os condutores medulares formavam extenso pavio, sustentando a luz mental, como chama generosa de uma vela de enormes proporções. Os centros metabólicos infundiam-me surpresas.
O cérebro mostrava fulgurações nos desenhos caprichosos. Os lobos cerebrais lembravam correntes dinâmicas.
As células corticais e as fibras nervosas, com suas tênues ramificações, constituíam elementos delicadíssimos de condução das energias recônditas e imponderáveis. Nesse concerto, sob a luz mental indefinível, a epífise emitia raios azulados e intensos.
- Observação perfeita? - indagou o instrutor, interrompendo-me o assombro. - Transmitir mensagens de uma esfera para outra, no serviço de edificação humana - continuou -, demanda esforço, boa vontade, cooperação e propósito consistente. É natural que o treinamento e a colaboração espontânea do médium facilitem o trabalho; entretanto, de qualquer modo, o serviço não é automático...
Requer muita compreensão, oportunidade e consciência.
Estava admirado.
- Acredita que o intermediário - perguntou - possa improvisar o estado receptivo? De nenhum modo. A sua preparação espiritual deve ser incessante.
Qualquer incidente pode perturbar-lhe o aparelhamento sensível, como a pedrada que interrompe o trabalho da válvula receptora. Além disso, a nossa cooperação magnética é fundamental para a execução da tarefa. Examine atentamente.
Estamos notando as singularidades do corpo perispiritual. Pode reconhecer, agora, que todo centro glandular é uma potência elétrica. No exercício mediúnico de qualquer modalidade, a epífise desempenha o papel mais importante.
Através de suas forças equilibradas, a mente humana intensifica o poder de emissão e recepção de raios peculiares à nossa esfera. É nela, na epífise que reside o sentido novo dos homens; entretanto, na grande maioria deles, a potência divina dorme embrionária.
Reconheci que, de fato, a glândula pineal do intermediário expedia luminosidade cada vez mais intensa.
Deslocando, porém, a sua atenção do cérebro para a máquina corpórea em geral, o orientador prosseguiu:
- A operação da mensagem não é nada simples, embora os trabalhadores encarnados não tenham consciência de seu mecanismo intrínseco, assim como as crianças, em se fartando no ambiente doméstico, não conhecem o custo da vida ao sacrifício dos pais.
Muito antes da reunião que se efetua, o servidor já foi objeto de nossa atenção especial, para que os pensamentos grosseiros não lhe pesem no campo íntimo.  
Foi convenientemente ambientado e, ao sentar-se aqui, foi assistido por vários operadores de nosso plano.
Antes de tudo, as células nervosas receberam novo coeficiente magnético, para que não haja perdas lamentáveis do tigróide (corpúsculos de Nissel), necessário aos processos da inteligência.
O sistema nervoso simpático, mormente o campo autônomo do coração, recebeu auxílios enérgicos e o sistema nervoso central foi convenientemente atendido, para que não se comprometa a saúde do trabalhador de boa vontade. O vago foi defendido por nossa influenciação contra qualquer choque das vísceras. As glândulas supra-renais receberam acréscimo de energia, para que se verifique acelerada produção de adrenalina, de que precisamos para atender ao dispêndio eventual das reservas nervosas.
Nesse instante, vi que o médium parecia quase desencarnado.
Suas expressões grosseiras, de carne, haviam desaparecido ao meu olhar, tamanha a intensidade da luz que o cercava, oriunda de seus centros perispirituais.
Após longo intervalo, Alexandre continuou:
- Sob nossa apreciação, não temos o arcabouço de cal, revestido de carboidratos e proteínas, mas outra expressão mais significativa do homem imortal, filho do Deus Eterno. Repare, nesta anatomia nova, a glória de cada unidade minúscula do corpo.
Cada célula é um motor elétrico que necessita de combustível para funcionar, viver e servir. Despreocupado de meu assombro, o instrutor mudou de atitude e considerou:
- Interrompamos as observações. É necessário agir.
Acenou para um dos seis comunicantes. O mensageiro aproximou-se contente.
- Calixto - falou Alexandre, em tom grave -; temos seis amigos para o intercâmbio; todavia, as possibilidades são reduzidas.
Escreverá apenas você. Tome seu lugar. Recorde sua missão consoladora e nada de particularismos pessoais.
A oportunidade é limitadíssima e devemos considerar o interesse de todos.
Depois de cumprimentar-nos ligeiramente, Calixto postou-se ao lado do médium, que o recebeu com evidente sinal de alegria.
Enlaçou-o com o braço esquerdo e, alçando a mão até ao cérebro do rapaz, tocava-lhe o centro da memória com a ponta dos dedos, como a recolher o material de lembranças do companheiro.
Pouco a pouco, vi que a luz mental do comunicante se misturava às irradiações do trabalhador encarnado. A zona motora do médium adquiriu outra cor e outra luminosidade.
Alexandre aproximou-se da dupla em serviço e colocou a destra sobre o lobo frontal do colaborador humano, como a controlar as fibras inibidoras, evitando, quanto possível, as interferências do aparelho mediúnico.
Calixto mostrava enorme alegria no semblante feliz de servo que se regozija com as bênçãos do trabalho, e, dando sinais de profunda gratidão ao Senhor, começou a escrever, apossando-se do braço do companheiro e iniciando o serviço com as belas palavras:
- A paz de Jesus seja convosco!



[1] Fonte: Missionário da Luz, Ditado pelo Espírito André Luiz, psicografia de Francisco Cândido Xavier, Editora FEB, Capitulo 1