PREPARAÇÃO DE EXPERIÊNCIAS[1]
Dispúnhamos-nos,
Alexandre e eu, a regressar à nossa sede espiritual de trabalho, quando o
orientador foi procurado por um companheiro de elevada expressão hierárquica,
que me saudou igualmente, demonstrando grande apreço e carinho.
- Serei
breve - disse ele ao meu instrutor, que o atendia, solícito -, o tempo não me
permite longas conversações.
E,
modificando a expressão fisionômica, acentuou:
-
Lembra-se de Segismundo, nosso velho amigo?
- Como
não? - Redarguiu o interpelado ambos lhe devemos significativos favores de
outro tempo.
- Pois
bem - tornou o visitante -. Segismundo
necessita colaboração urgente. Reconheço que você não é especialista em
trabalhos referentes à reencarnação. No entanto, sinto-me compelido a recorrer
ao concurso dos amigos.
O novo
companheiro fez pequeno intervalo e continuou:
- Não se
esqueceu você de que o nosso amigo, não obstante os rasgos de generosidade,
assumiu compromissos muito sérios no passado?
- Sim,
sim - respondeu o orientador -, o drama dele vive ainda em nossa memória.
-
Segismundo, presentemente - prosseguiu o outro -, voltará ao rio da vida
física. A situação assim o exige e não devemos perder a oportunidade de encaminhá-lo
ao necessário resgate.
Segundo
está informado, Raquel, a pobre criatura que ele desviou, em nossa época de
laços afetivos mais fortes, e Adelino, o infeliz marido que o nosso irmão
assassinou em lamentável competição armada; já se encontram na Crosta desde
muito e, há quatro anos, religaram-se nos elos do matrimônio. Tudo está
preparado a fim de que Segismundo regresse à companhia da vítima e do inimigo do
pretérito, no sentido de santificar o coração. Será ele, de conformidade com a
permissão de nossos Maiores, o segundo filhinho do casal. Todavia, estamos
lutando com grandes dificuldades para localizá-lo. Infelizmente, Adelino, que
lhe será o futuro pai transitório, repele-o com calor, tão logo surgem as horas
de sono físico, trabalhando contra os nossos melhores propósitos de
harmonização.
Em vista
disso, o trabalho preparatório da nova experiência tem sido muito moroso e
desagradável.
- E
Segismundo? - indagou o mentor, preocupado - qual a sua atitude dominante?
Herculano, o mensageiro que nos visitava, informou com fraternal interesse:
- A
princípio, animava-se da melhor esperança. Agora, porém, que o rival antigo lhe
oferece pensamentos de ódio e ciúme, olvidando compromissos assumidos em nossa
esfera de ação, sente-se novamente desventurado e sem forças para reparar o
mal.
De outras
vezes, enche-se-lhe a tristeza de profunda revolta e, nesse estado negativo,
subtrai-se à nossa cooperação eficiente.
O
visitante fez ligeira pausa e acrescentou, com inflexão de rogativa:
- Não
poderá você ajudar-nos nesse difícil processo de reencarnação?
Lembro-me
de que sua amizade dividia-se entre ambos.
Quem sabe
se a sua intervenção afetuosa conseguiria convencer Adelino?
- Conte
comigo - redarguiu o orientador, atenciosamente -, farei quanto estiver em
minhas possibilidades para que não se perca o ensejo em vista.
Ante o
sorriso de satisfação do outro, Alexandre concluiu:
- Na
próxima semana, estarei a seu lado para conversar espiritualmente com Adelino e
solucionar o problema da reaproximação.
Estejamos
confiantes no auxílio divino.
Herculano
agradeceu e despediu-se comovidamente.
A sós com
o mentor devotado e amigo, comecei a meditar na possibilidade de contribuir
igualmente no caso que se me deparava.
Nunca
tivera oportunidade de acompanhar, de perto, um processo de reencarnação,
estudando os ascendentes espirituais nas questões da embriologia. Não seria
interessante, para mim, utilizar a experiência? Nesse propósito, dirigi-me ao
instrutor, sem falar, porém, da minha pretensão em sentido direto:
- Notável
para mim a solicitação de hoje - exclamei. – Longe estava de pensar, no mundo,
na multiplicidade de tarefas atribuídas aos benfeitores e missionários
desencarnados. A extensão do serviço em nosso campo de ação assombraria a qualquer
mortal.
- Sem
dúvida - respondeu o mentor, atencioso -, os trabalhos se desdobram em todas as
direções. O pedido de Herculano vem focalizar um dos mais importantes problemas
da felicidade humana:
o da
aproximação fraternal, do perdão recíproco, da semeadura do amor, através da
lei reencarnacionistas.
Alexandre
meditou alguns momentos e continuou:
- O caso
é típico. O drama de Segismundo é demasiadamente complexo para ser comentado em
poucas palavras. Basta, todavia, recordar que ele, Adelino e Raquel são os
protagonistas culminantes de dolorosa tragédia, ocorrida ao tempo de minha
última peregrinação pela Crosta. Em seguida a uma paixão desvairada, Adelino foi
vítima de homicídio; Segismundo, do crime; e Raquel, do prostíbulo. Desencarnaram
cada um por sua vez, sob intensa vibração de ódio e desesperação, padecendo
vários anos, em zonas inferiores. Mais tarde, por intercessão de amigos
redimidos, os antigos cônjuges obtiveram a volta ao corpo físico, a fim de santificarem
os laços sentimentais e se reaproximarem dos antigos adversários. Mas, como
acontece quase sempre; os heróis na promessa fraquejam na realização, porque se
apegam muito mais aos próprios desejos que à compreensão da Vontade Divina. De posse
dos bens da vida física, nega-se Adelino a perdoar, recapitulando erradamente
as lições do passado. Antes mesmo da reencarnação do antigo transviado, já se
manifesta contrário a qualquer auxílio. Sempre o velho círculo vicioso - quando
fora da oportunidade bendita de trabalho terrestre e vendo a extensão das
próprias necessidades, desvela-se o companheiro em prometer fidelidade e
realização, mas, logo que se apossa do tesouro do corpo físico, volta ao
endurecimento espiritual e ao menosprezo das leis de Deus.
Calou-se
o mentor, por alguns instantes, acentuando em seguida:
-
Buscarei, porém, chamá-los à recordação dos compromissos.
Neste
ínterim, entendendo que a oportunidade era preciosa, solicitei:
-
Ser-me-ia possível acompanhá-lo? Creio que aproveitaria muito. Poderia talvez
adquirir valores significativos para o serviço do próximo e para meu benefício
pessoal. Ignoro até quando me será permitido estudar em sua companhia e
estimarei o aproveitamento integral de semelhante oportunidade.
Alexandre
sorriu compassivo, e falou:
- Não
tenho objeções. Entretanto, não creio deva seguir os trabalhos sem algum
conhecimento prévio do assunto. Em toda edificação verdadeiramente útil, não
podemos prescindir da base.
Temos
bons amigos no Planejamento de Reencarnações, serviço muito importante em nossa
colônia espiritual, diretamente relacionado com as atividades do
Esclarecimento. Nessa instituição durante alguns dias, você terá uma ideia aproximada de nossa tarefa, porta adentra de semelhantes trabalhos. Grande
percentagem de reencarnações na Crosta se processa em moldes padronizados para
todos, no campo de manifestações puramente evolutivas.
Mas outra
percentagem não obedece ao mesmo programa.
Elevando-se
a alma em cultura e conhecimentos, e, conseqüentemente, em responsabilidade, o
processo reencarnacionistas individual é mais complexo, fugindo à expressão
geral, como é lógico.
Em vista
disso, as colônias espirituais mais elevadas mantêm serviços especiais para a
reencarnação de trabalhadores e missionários.
As
explicações eram sedutoras e relevantes e, compreendendo a importância dos
esclarecimentos para meu pobre espírito, Alexandre continuou:
- Quando
me refiro a trabalhadores, falo dos companheiros não completamente bons e
redimidos, mas daqueles que apresentam maior soma de qualidades superiores, a
caminho da vitória plena sobre as condições e manifestações grosseiras da vida.
Em geral, como acontece a nós outros, são entidades em débito, mas com valores
de boa Vontade, perseverança e sinceridade, que lhes outorgam o direito de
influir sobre os fatores de sua reencarnação, escapando, de certo modo, ao
padrão geral. Claro que nem sempre tais alterações se verificam em condições
agradáveis para a experiência futura. Os serviços de retificação representam
tarefas enormes.
E
desejando imprimir fortemente em meu espírito a noção da responsabilidade, o
instrutor prosseguiu, tornando mais grave à inflexão da voz: - O problema da
queda é também uma questão de aprendizado e o mal indica posição de
desequilíbrio, exigindo restauração e corrigenda. A evolução confere-nos poder,
mas gastamos muito tempo, aprendendo a utilizar esse poder harmonicamente.
A
racionalidade oferece campo seguro aos nossos conhecimentos; entretanto, André,
quase todos nós, trabalhadores da Terra, nos demoramos séculos no serviço de
iluminação íntima, porque não basta adquirir idéias e possibilidades, é preciso
ser responsável, e nem é justo tenhamos tão-somente a informação do raciocínio,
mas também a luz do amor.
- Daí as
lutas sucessivas em continuadas reencarnações da alma! - exclamei vivamente
impressionado.
- Sim -
continuou meu amável interlocutor -, temos necessidade da luta que corrige,
renova, restaura e aperfeiçoa. A reencarnação é o meio, a educação divina é o
fim. Por isso mesmo, a par de milhões de semelhantes nossos que evolvem, existem
milhões que se reeducam em determinados setores do sentimento, porquanto, se já
possuem certos valores da vida, faltam-lhes outros não menos importantes.
Identificando-me
a dificuldade para compreender-lhe o ensinamento de maneira integral, meu orientador
voltou a dizer:
- Embora
na condição de médico do mundo, acredito que você não tenha sido completamente
estranho aos estudos evangélicos.
- Sim,
sim - retruquei -, tenho as minhas recordações nesse sentido.
- Pois
bem, o próprio Jesus nos deixou material de pensamento para o assunto em exame,
quando nos asseverou que se a nossa mão ou os nossos olhos fossem motivos de
escândalo deveriam ser cortados ao penetrarmos no templo da vida. Compete-nos transferir
a imagem literal para a interpretação simples do espírito.
Se já
falimos muitas vezes em experiências da autoridade, da riqueza, da beleza
física, da inteligência, não seria lógico receber idêntica oportunidade nos
trabalhos retificadores.
Compreendera
claramente onde Alexandre pretendia chegar com os seus esclarecimentos amigos.
- É para a regulamentação de semelhantes serviços que funciona em nossa colônia
espiritual, por exemplo, o Planejamento de Reencarnações; onde você terá ocasião
de recolher ensinamentos preciosos.
E,
atendendo-me às necessidades como pai afetuoso, apresentou-me o instrutor, no
dia imediato, à imponente instituição.
Constituía-se
o movimentado centro de serviço de vários prédios e numerosas instalações.
Árvores acolhedoras enfileiravam-se através de extensos jardins, imprimindo
encantador aspecto à paisagem. Reconheci logo que o instituto se caracterizava
por grande movimento. Entidades insuladas ou em pequenos grupos iam e vinham,
estampando atencioso interesse na expressão fisionômica.
Pareciam
sumamente despreocupadas de nossa presença ali, porque, quando não passavam
sozinhas, ao nosso lado, engolfadas em profundos pensamentos, iam em grupos
afetuosos, alimentando discretas conversações, multo graves e absorventes, ao que
me parecia. Muitos desses irmãos, que passavam junto de nós, empunhavam
reduzidos rolos de substância semelhante ao pergaminho terrestre, relativamente
aos quais não possuía eu, até então, a mais leve notícia.
Alexandre,
porém, como sempre, veio em socorro de minha estranheza, explicando,
bondosamente:
- As
entidades sob nossos olhos são trabalhadores de nossa esfera, interessados em
reencarnações próximas. Nem todos estão diretamente ligados ao semelhante
propósito, porque grande parte está em trabalho de intercessão, obtendo favores
dessa natureza para amigos íntimos. Os rolos brancos que conduzem são pequenos mapas
de formas orgânicas, elaborados por orientadores de nosso plano, especializados
em conhecimentos biológicos da existência terrena. Conforme o grau de
adiantamento do futuro reencarnante e de acordo com o serviço que lhe é
designado no corpo carnal, é necessário estabelecer planos adequados aos fins essenciais.
- E a lei
da hereditariedade fisiológica? perguntei.
-
Funciona com inalienável domínio sobre todos os seres em evolução, mas sofre, naturalmente,
a influência de todos aqueles que alcançam qualidades superiores ao ambiente
geral. Além do mais, quando o interessado em experiências novas no plano da Crosta
é merecedor de serviços “intercessórios”, as forças mais elevadas podem
imprimir certas modificações à matéria, desde as atividades embriológicas,
determinando alterações favoráveis ao trabalho de redenção.
A essa
altura da palestra esclarecedora, Alexandre convidou-me a transpor o limiar.
Achamo-nos,
em breve, num dos gabinetes extensos do edifício principal, aonde um dos
numerosos amigos do orientador veio atender-nos atenciosamente.
Apresentou-me
Alexandre ao Assistente Josino, que me recebeu com extrema gentileza e
fidalguia de trato. Esclareceu o instrutor o objetivo de nossa visita. Desejava
me fosse conferida a possibilidade de visitar a instituição de planejamento, quantas
vezes me fossem possível durante a semana em curso, em vista da minha
necessidade de adquirir noções seguras, referentes ao trabalho de auxílio
nas atividades reencarnacionistas. O Assistente prometeu a melhor boa vontade.
Conduzir-me-ia a colegas dele, para que me não faltassem minúcias de
conhecimento, exporia suas próprias experiências à minha observação, para que
eu retirasse delas o máximo proveito e, por fim, quanto estivesse ao seu alcance,
guiaria meus impulsos no aprendizado.
Felicitavam-me
o íntimo as melhores e mais confortadoras impressões, não só pela recepção
carinhosa, senão também pelo ambiente educativo. Não longe de nós, em luminosos
pedestais, descansavam duas maravilhas da estatuária, a figuração delicada de
um corpo masculino e outro modelo feminino, singularmente belo pela perfeição
anatômica, não somente da forma em si, mas também de todos os órgãos e as mais
diversas glândulas. Através de disposições elétricas, ambas as Figurações
palpitavam de vida e calor, exibindo eflúvios luminosos, quais os homens e
mulheres mais evolvidos na esfera carnal.
Identificando-me
a admiração, Alexandre sorriu e disse ao Assistente Josino, com o propósito de
fazer-se ouvido por mim:
- Talvez
André não conheça bastante o nosso respeito e gratidão ao aparelho físico
terrestre.
- Em
verdade - ajuntei - ignorava, até agora, que o corpo carnal fosse, entre nós,
objeto de tamanhos cuidados. Não sabia que a nossa colônia contasse com
instituição desses teor.
- Como
não, meu amigo? - interferiu o Assistente, com inflexão de carinho - o corpo
físico na Crosta Planetária representa uma bênção de Nosso Eterno Pai.
Constitui primorosa obra da Sabedoria Divina, em cujo aperfeiçoamento
incessante temos nós a felicidade de colaborar. Quanto deveu à máquina humana pelos
seus milênios de serviço a favor de nossa elevação na vida eterna? Nunca
relacionaremos a extensão de semelhante débito.
E,
fixando os modelos que me provocavam assombro, acentuou:
- Todo o
nosso zelo, no serviço de reencarnação, permanece muito aquém do quanto
deveríamos realizar em benefício do aprimoramento da máquina orgânica.
Embora
hesitante, ousei perguntar:
- Todos
os núcleos de espiritualidade superior mantêm círculos de trabalho dessa
natureza?
Foi
Alexandre quem respondeu, com a delicadeza habitual:
- Em
todas as colônias de expressão elevada, essas tarefas são desempenhadas com
infinito carinho. O auxílio à reencarnação de companheiros nossos traduz o
nosso reconhecimento ao aparelho físico que nos tem proporcionado tantos
benefícios; através do tempo.
Recordei,
porém, que o meu pai terrestre, um dia, voltara à experiência carnal,
procedendo das zonas francamente inferiores, e indaguei:
- E
aqueles que regressam à Crosta, partindo das regiões mais baixas, terão o mesmo
generoso auxílio?
Desejando
imprimir à pergunta a mais viva sinceridade, acrescentei:
- Meu
genitor, na derradeira romagem terrestre, voltou, faz algum tempo, à esfera
carnal em condições bem amargas...
Alexandre
interrompeu-me o curso da frase, ponderando:
-
Compreendemos. Se for ele criatura de razão esclarecida, embora não iluminada,
permanecia após a morte em estado de queda e não deve ter voltado à bendita
oportunidade da escola física sem o trabalho “intercessório” e forte ajuda de
corações bem-amados de nosso plano. Nesse caso, terá recebido a cooperação de
benfeitores, situados em posições mais altas, que lhe terão endossado as
promessas no serviço regenerador. Se ele foi, porém, criatura em esforço
puramente evolutivo, circunstância essa na qual não teria regressado em
condições amargurosas, contou ele naturalmente com o abençoado concurso dos
trabalhadores espirituais que velam, na Crosta, pela execução dos trabalhos reencarnacionistas,
em processos naturais. Em face dos esclarecimentos do instrutor, entendi as
diferenças e tranquilizei o coração.
Fosse
porque a palestra escalpelara melindroso assunto de família humana, fosse pelo
propósito de me deixarem a sós com as minhas profundas reflexões naquele
extenso gabinete de serviço, o orientador e o assistente entraram em silêncio, compelindo-me
a rebuscar novos motivos de conversação para o meu aprendizado.
Passei
então a observar detidamente os modelos masculinos e femininos, não longe de
meus olhos. Muito gentil Josino pousou a destra, de leve, nos meus ombros, e
falou-me:
-
Aproxime-se das criações educativas. Você lucrará muito, observando de perto.
Não
contive um gesto de agradecimento e afastei-me dos dois respeitáveis amigos,
acercando-me das figurações ali expostas.
Detive-me
na contemplação do molde masculino, que apresentava absoluta harmonia de
linhas, qual arte helênica de sabor antigo.
O modelo,
estruturado em substância luminosa, constituía, a meu parecer, a mais primorosa
obra anatômica até então sob minha análise. Semelhava-se aquela figura humana,
imóvel, a qualquer coisa divinal.
Fixei-lhe
as minuciosidades com espanto. Nunca vira semelhante perfeição de minudências
fisiológicas. Toda a musculatura estava, ali, formada em fibras radiosas. Desde
o frontal ao ligamento anular do tarso, viam-se fios de luz simbolizando as
regiões diversas da musculatura em geral. Determinadas fibras, todavia, como as
que se localizavam na zona orbicular das pálpebras, no triangular dos lábios,
no grande peitoral, no pectíneo, nas eminências tênar e hipotênar até o
extensor dos dedos, eram mais brilhantes. Do exame de superfície, passei a
observações mais profundas, identificando as disposições maravilhosas das
figuras representativas da circulação linfática e sanguínea. Oh! Os órgãos estavam
todos ali, vibrando em obediência a dispositivos elétricos para demonstrações
educativas. Os vasos para o sangue venoso apresentavam-se em luz acinzentada,
ao passo que as regiões do sangue arterial; figuravam-se de cor encarnada.
Surpreendido,
rendi silencioso preito de admiração à Sabedoria Divina, que nos concede o
sublime aparelho físico terrestre para as nossas aquisições eternas.
Impressionava-me
a composição perfeita dos vasos distribuídos em torno do tronco celíaco, à
maneira de pequenos rios de luz, destacando-se em expressão a luminosidade das
cavas superior e inferior, das jugulares externa e interna, das artérias e
veias axilares, da veia porta, das artérias esplênicas e mesentéricas superior,
da aorta descendente, dos vasos ilíacos e dos gânglios da virilha.
Cobrindo
as maravilhas orgânicas, estava o sistema nervoso, semelhando-se a capa
radiante estruturada em fios tenuíssimos de luz feérica. A região do cérebro
parecia uma lâmpada em azul suavíssimo, cuja luminosidade se ligava em sentido
direto ao cerebelo, descendo em seguida pela medula espinhal até o plexo sagrado,
onde o foco brilhante adquiria expressão mais intensa, para atenuar-se, depois,
no grande ciático.
Transferi
minhas observações para a forma feminina, igualmente radiosa, concentrando meu
potencial analítico sobre o sistema endocrínico, disposto à maneira de
constelação, entre as peças orgânicas. Desde a epífise, situada entre os
hemisférios cerebrais, até os núcleos procriadores, as glândulas pareciam formar
belo sistema luminoso, semelhante a pequenos astros de vida, congregados em
sentido vertical, qual antena rútila atraindo a luz procedente de Mais Alto.
Cada qual apresentava sua forma específica, suas expressões vibratórias, suas
características particulares, diversificando-se, igualmente, a cor de cada uma,
embora recebessem todas, a seu modo, a coloração da epífise, semelhante a
pequenino sol azulado, mantendo em seu campo de atração magnética todas as demais,
desde a hipófise à região dos ovários, como o nosso astro de vida, garantindo a
coesão e o movimento da sua grande família de planetas e asteroides.
Minha
estupefação não tinha limites.
É forçoso
confessar, porém, que minha surpresa se distendia muito mais, ao fixar os
eflúvios brilhantes que emanavam dos centros genitais, semelhando-se, em
conjunto, a minúsculo santuário cheio de luz.
Como eu
dirigisse ao meu instrutor um olhar de indagação, seus esclarecimentos não se
fizeram esperar.
- “Na
Crosta - disse-me Alexandre, sorrindo, após reaproximar-se de mim -, em sentido
geral ainda existe muita ignorância acerca da missão divina do sexo. Para nós,
porém, que desejamos valorizar as experiências, a paternidade e a maternidade
terrestres são sagradas. A faculdade criadora é também divindade do homem.
O útero
maternal significa, para nós outros, a porta bendita para a redenção; para
grande número de pessoas na Esfera do Globo, a visão celestial é símbolo de
repouso e alegria sem fim, enquanto, para muitos de nós, a visão terrestre
significa trabalho edificante e salutar. Não alcançaremos, porém, a terra
prometida do serviço redentor, sem o concurso das forças criadoras associadas, do
homem e da mulher. Compreendi, com novo espírito, o caráter sublime das energias
sexuais e recordei-me, compadecidamente, de todos os encarnados que ainda não
conseguiram edificar o respeito e o entendimento, relativos aos sagrados órgãos
procriadores. Meu orientador, entretanto, como antena receptora de todas as
minhas emissões mentais, advertiu-me, bondoso:
- Relegue
ao esquecimento qualquer expressão das reminiscências menos construtivas. Os
“que ultrajam o sexo, escrevendo, agindo ou falando, já são grandes infelizes
por si mesmos.”
Guardei a
lição e abençoei a nova experiência que começava.
Despediu-se
Alexandre, deixando-me na grande instituição de planejamento, onde o Assistente
Josino, ocupado nos encargos de seu ministério, me confiou aos cuidados de Manasses,
um irmão dos serviços informativos da casa, que me acolheu prazerosamente, cercando-me
de gentileza e carinho. Senti imediatamente que o meu aprendizado ali se
iniciava com imenso proveito. Manasses era um livro volante. Seus pareceres e
informes traduziam valiosos ensinamentos.
Aproximando-nos
dos pavilhões de desenho, onde numerosos cooperadores traçavam planos para
reencarnações incomuns, foi o meu novo companheiro procurado por uma entidade
simpática que lhe pedia informações. Manasses apresentou-ma, otimista.
Tratava-se
dum colega que, depois de quinze anos de trabalho nas atividades de auxílio,
regressaria à esfera carnal para a liquidação de determinadas contas. O
recém-chegado parecia hesitante. Via-se-lhe o receio, a indecisão.
- Não se
deixe dominar pelas impressões negativas – dirigia-se Manasses a ele, infundindo-lhe
bom ânimo. - O problema do renascimento não é assim tão intrincado.
Naturalmente, exigem coragem, boas disposições.
-
Entretanto - exclamava o interlocutor, algo triste -, temo contrair novos
débitos ao invés de pagar os velhos compromissos.
É tão
penoso vencer na experiência carnal, em vista do esquecimento que sobrevém à
encarnação...
- Mas
seria muito mais difícil triunfar guardando a lembrança - redarguiu Manasses,
incontinenti.
Prosseguindo,
sorridente, acrescentou:
- Se
tivéssemos grandes virtudes e belas realizações, não precisaríamos recapitular
as lições já vividas na carne. E se apenas possuímos chagas e desvios para
rememorar, abençoemos o olvido que o Senhor nos concede em caráter temporário.
Esforçou-se o outro para esboçar um sorriso e objetou:
-
Conheço-lhe o otimismo; quisera ser igualmente assim. Voltarei confiante no
concurso fraterno de vocês.
E
modificando o tom de voz, indagou:
- Pode
informar se o meu modelo está pronto? - Creio que poderá procurá-lo amanhã -
tornou Manasses, bem disposto -; já fui observar o gráfico inicial e dou-lhe
parabéns por haver aceitado a sugestão amorosa dos amigos bem orientados, sobre
o defeito da perna. Certamente, lutará você com grandes dificuldades nos princípios
da nova luta, mas a resolução lhe fará grande bem.
- Sim -
disse o outro, algo confortado -, preciso defender-me contra certas tentações
de minha natureza inferior e a perna doente me auxiliará, ministrando-me boas
preocupações. Ser-me-á um antídoto à vaidade, uma sentinela contra a devastação
do amor próprio excessivo.
- Muito
bem! - respondeu Manasses, francamente otimista.
- E pode
informar-me ainda a média de tempo conferida à minha forma física futura?
- Setenta
anos, no mínimo - redarguiu meu novo companheiro, contente.
O outro
fixou uma expressão de reconhecimento, enquanto Manasses continuava:
- Pondere
a graça recebida, Silvério, e, depois de tomar-lhe a posse no plano físico, não
volte aqui antes dos setenta. Trate de aproveitar a oportunidade. Todos os seus
amigos esperam que você volte, mais tarde, à nossa colônia, na gloriosa
condição de um “completista”.
O
interpelado mostrou um raio de esperança nos olhos, agradeceu e despediu-se.
As
últimas observações de Manasses acenderam-me curiosidade mais forte. Não
contive a indagação que me vagueava no pensamento e perguntei sem rebuços:
- Meu
amigo, que significa a palavra “completista”?
Ele sorriu
complacente, e retrucou bem-humorado:
- É o
título que designa os raros irmãos que aproveitaram todas as possibilidades
construtivas que o corpo terrestre lhes oferecia.
Em geral,
quase todos nós, em regressando à esfera carnal, perdemos oportunidades muito
importantes no desperdício das forças fisiológicas. Perambulamos por lá,
fazendo alguma coisa de útil para nós e para outrem, mas, por vezes,
desprezamos cinqüenta, sessenta, setenta per cento e, freqüentemente, até mais,
de nossas possibilidades. Em muitas ocasiões, prevalece ainda, contra nós, a
agravante de termos movimentado as energias sagradas da vida em atividades
inferiores que degradam a inteligência e embrutecem o coração. Aqueles, porém,
que mobilizam a máquina física, à maneira do operário fidelíssimo, conquista
direitos muito expressivos em nossos planos. O “completista”, na qualidade de
trabalhador leal e produtivo, pode escolher, à vontade, o corpo futuro, quando
lhe apraz o regresso à Crosta em missões de amor e iluminação, ou recebe
veículo enobrecido para o prosseguimento de suas tarefas, a caminho de círculos
mais elevados de trabalho.
Semelhante
notícia representava para mim valiosa revelação.
Nada mais
legítimo que dotar o servidor fiel de recursos completos.
E
lembrei-me dos desregramentos de toda a sorte a que se entregam as criaturas
humanas, em todos os países, doutrinas e situações, complicando os caminhos
evolutivos, criando laços escravizantes, enraizando-se no apego aos quadros
transitórios da existência material, alimentando enganos e fantasias,
destruindo o corpo e envenenando a alma. Num transporte de justificada
admiração, redarguiu:
-
Recordando o cativeiro dos Espíritos encarnados no plano da sensação,
consola-nos saber que há um prêmio aos raríssimos homens que vivem na sublime
arte do equilíbrio espiritual, mesmo na carne.
- Sim -
disse Manasses, aprovando-me com o olhar -, por mais estranho que possa parecer,
semelhantes exceções existem no mundo. Passam, freqüentemente, para cá, entre
os anônimos da Crosta, sem fichas de propaganda terrestre, mas com imenso lastro
de espiritualidade superior.
E
dando-me a impressão de que desejava esclarecer-me, relativamente a ele mesmo,
acrescentou:
- Há
muitos anos me esforço para conseguir a condição dos “completistas”; no
entanto, até agora continuo em fase de preparação...
Compreendi
que Manasses, tanto quanto eu, trazia regular bagagem de recordações menos felizes,
com respeito ao uso que fizera do corpo terreno nas experiências passadas e
procurei modificar a orientação da palestra:
- Sabe de
algum “completista” que tenha regressado à Crosta?
-
interroguei.
- Sim.
-
Naturalmente - continuei curioso - terá escolhido um organismo irrepreensível.
Meu novo
companheiro mostrou significativa expressão fisionômica e acentuou:
- Nenhum
dos que tenho visto partir, embora os méritos de que se encontravam revestidos,
escolheram formas irrepreensíveis, quanto às linhas exteriores. Solicitaram
providências em favor da existência sadia, preocupando-se com a resistência, equilíbrio,
durabilidade e fortaleza do instrumento que os deveria servir, mas pediram
medidas tendentes a lhes atenuarem o magnetismo pessoal, em caráter provisório,
evitando-se-lhes apresentação física muito primorosa, ocultando, assim, a
beleza de suas almas para a eficiente garantia de suas tarefas. Assim procedem,
porquanto, vivendo a maioria das criaturas no jogo das aparências, quando na
Crosta Planetária, incumbir-se-iam elas próprias de esmagar os missionários do
Bem, se lhes conhecesse a verdadeira condição, através das vibrações
destruidoras da inveja, do despeito, da antipatia gratuita e das disputas
injustificáveis. Em vista disso, os trabalhadores conscientes, na maioria das
vezes, organizam seus trabalhos em moldes exteriores menos graciosos, fugindo,
por antecipação, ao influxo das paixões devastadoras das almas em
desequilíbrio.
Entendi a
extensão do esclarecimento e meditava na grandeza dos princípios espirituais
que regem a experiência humana, quando Manasses acrescentou, após longa pausa:
- As
mentes juvenis, quais crianças do mundo, brincam com o fogo das emoções;
todavia, os espíritos amadurecidos, mormente quando chegam à situação de “completistas”,
abandonam toda experiência que os possa distrair no caminho de realização da Vontade
Divina.
Em
seguida, convidado pelo meu novo amigo penetrou numa das dependências
consagradas aos serviços de desenho. Pequenas telas, demonstrando peças do organismo
humano, estavam ordenadamente em todos os recantos. Tinha a impressão fiel de
que me encontrava num grande centro de anatomistas, cercados de auxiliares
competentes e operosos. Espalhavam-se desenhos de membros, tecidos, glândulas,
fibras, órgãos de todos os feitios e para todos os gostos.
- Como
sabe - observou Manasses, cuidadoso -, no serviço de recapitulação ou de
tarefas especializadas na superfície do Globo, a reencarnação nunca pode ser
vulgar. Para isso, trabalham aqui centenas de técnicos em questões de
Embriologia e Biologia em geral, no sentido de orientar as experiências
individuais do futuro de quantos irmãos se ligam a nós no esforço coletivo.
Sentindo
espontânea veneração, contemplei os servidores que se inclinavam atenciosos, arquitetando
o porvir de muitos companheiros. Como era complexa a oportunidade de renascer!
Que atividades intensas exigiam dos benfeitores espirituais! Ao meu gesto de
estranheza, respondeu Manasses numa síntese expressiva:
- Você
não ignora que os homens ainda selvagens ou semi-selvagens, embora utilizando
os recursos sempre sagrados da Natureza, edificam suas habitações em moldes
mais simples e rudimentares; todavia, o homem que já atingiu certo padrão de ideal,
desenvolvendo faculdades superiores, Constrói o lar, organizando plantas
prévias.
Indicando
o quadro interior, extremamente movimentado, acrescentou sorridente:
- Não
estamos aqui senão cogitando, igualmente, de projetos para futuras habitações
carnais. O corpo humano não deixa de ser a mais importante moradia para nós
outros, quando compelidos à permanência na Crosta. Não podemos esquecer que o
próprio Divino Mestre classificava-o como templo do Senhor, Impressionado,
seguia atenciosamente os trabalhos em curso.
Dispúnhamos-nos
a seguir adiante, quando uma irmã, de porte muito respeitável, se aproximou
saudando Manasses afetuosamente.
Ele
respondeu com gentileza e apresentou-ma.
- É nossa
irmã Anacleta.
Cumprimentei-a,
sentindo-lhe a simpatia pessoal.
-
Trata-se; de uma das nossas trabalhadoras mais corajosas - acentuou o
funcionário do trabalho de informações.
A senhora
sorriu, algo contrafeita por se ver focalizada na opinião franca do
companheiro. Todavia, Manasses, com o otimismo que lhe era característico,
prosseguiu:
- Imagine
que voltará à Esfera do Globo, em breves dias, em tarefa de profunda abnegação
por quatro entidades que, há mais de quarenta anos, se debatem em regiões
abismais das zonas inferiores.
- Não
vejo nisso abnegação alguma - atalhou à senhora, sorrindo -, cumprirei tão
somente um dever.
E
fixando-me, desassombrada e serena, asseverou:
- As mães
que não completaram a obra de amor que o Pai lhes confia junto dos filhos
amados, devem ser bastante fortes para recomeçarem os serviços imperfeitos.
Esse o meu caso. Não se deve mencionar sacrifício onde existe apenas obrigação.
Interessava-me
a história daquela irmã despretensiosa e simpática e, por isso mesmo, animei-me
a perguntar-lhe:
-
Regressará, então, dentro em breve? De qualquer maneira, sua resolução traduz
devotamento e bondade. Não posso esquecer que também minha mãe voltou ao
círculo da carne, tangida por sublime dedicação,
Notei que
os olhos dela se encheram de lágrimas discretas, que não chegaram a cair,
emocionada talvez com a minha observação sincera. Estendeu-me a destra,
gentilmente, e, dando a idéia de que não desejava continuar em conversação
relativa ao assunto, disse-me, comovida:
- Muito
grata pelo conforto de suas palavras. Mais tarde, ao se lembrar de mim,
ajude-me com o seu pensamento amigo.
Nesse
ponto da ligeira palestra, Manasses indagou:
- Já
recebeu todos os projetos?
- Sim -
respondeu ela -, não somente os que se referem aos meus pobres filhos, mas
também a planta relativa à minha própria forma futura.
- Está
satisfeita?
-
Muitíssimo! - redarguiu a dama. - Na lei do Pai, a justiça está cheia de
misericórdia e continuo na condição de grande devedora.
Em
seguida, despediu-se, calma e afável. Manasses compreendeu-me a curiosidade e
explicou:
-
Anacleta é um exemplo vivo de ternura e devotamento, mas voltará às lutas do
corpo a fim de operar determinadas retificações no coração materno. Por
imprevidência dela, noutro tempo, os quatro filhos, que o Senhor lhe confiara,
caíram desastradamente.
A
pobrezinha albergava certas noções de carinho que não se compadecem com a
realidade. Seu esposo era homem probo e trabalhador e, apesar de abastado,
nunca se esqueceu dos deveres que lhe prendiam as atividades de homem de bem ao
campo da sociedade em geral. Caracterizava-se por uma energia sempre construtiva,
mas a esposa, embora decotadíssima, contrariava-lhe a influência do lar,
viciando o afeto de mãe com excessos de meiguice desarrazoada. E, como
conseqüência indireta, quatro almas não encontraram recursos para a jornada de
redenção. Três rapazes e uma jovem, cuja preparação intelectual exigira os mais
árduos sacrifícios, caíram muito cedo em desregramentos de natureza física e
moral, a pretexto de atenderem a obrigações sociais. E tão degradantes foram
esses desregramentos que perderam muito cedo o templo do corpo, entrando em
regiões baixas, em tristes condições. Anacleta, contudo, voltando ao campo
espiritual, compreendeu o problema e dispôs-se a trabalhar afanosamente para
conseguir, não só a reencarnação de si própria, senão também a dos filhos que
deverão segui-la nas provas purificadoras da Crosta.
- Quantos
anos gastaram para obter semelhante concessão? - perguntei, impressionado.
- Mais de
trinta.
-
Imagino-lhe os sacrifícios futuros! - exclamei.
- Sim -
esclareceu Manasses -, a experiência ser-lhe-á bem dura, porque dois dos
rapazes deverão regressar na condição de paralíticos, um na qualidade de débil
mental e, para auxiliá-la na viuvez precoce, terá tão-somente a filha, que, por
si mesma, será também portadora de prementes necessidades de retificação.
Ia dizer
de minha profunda surpresa, diante do mecanismo de introdução ao serviço reencarnacionistas,
quando outra irmã se acercou de nós, procurando por Manasses.
Depois
das saudações afetivas, explicou-se ela, gentil, dirigindo-se ao meu novo
amigo:
- Desejo sua
obsequiosa interferência na retificação do meu plano.
E abrindo
pequeno mapa, onde se via desenhado com extrema perfeição um organismo de
mulher, acentuou:
- Veja
bem o meu projeto para o sistema endocrínico. Sei que os amigos me favoreceram,
planejando-o com muita harmonia nas menores disposições; entretanto, desejaria
modificações...
- Em que
sentido? - indagou o interpelado, surpreso.
A
recém-chegada indicou os pontos do projeto onde se localizava o colo e falou:
- Fui
advertida por benfeitores daqui, no sentido de não me apresentar na Crosta,
dentro de linhas impecáveis para a forma física e, em razão disso, para que eu
tenha mais probabilidades de êxito em meu favor, na tarefa que me proponho
desempenhar, estimaria que a tireoide e as paratireoides não estivessem tão perfeitamente
delineadas. Como sabe Manasses, minha tarefa não será fácil. Devo reaver um
patrimônio espiritual de grandes proporções.
Preciso
fugir de qualquer possibilidade de queda e a perfeita harmonia física me
perturbaria as atividades.
O novo
companheiro endereçou-me expressivo olhar e disse-lhe:
- Tem
razão. A sedução carnal é imenso perigo, não só para aqueles que emitem a sua
influenciação, como também para quantos a recebem.
- Prefiro
a fealdade corpórea - tornou ela. - Não estou interessada num corpo de Vênus e,
sim, na redenção de meu espírito para a Eternidade. Manasses prometeu interpor
os seus bons ofícios, e, tão logo se despediu da nova interlocutora, passou a mostrar-me
as mais interessantes figurações de órgãos do corpo humano.
Admirava,
tomado de profunda impressão; aqueles gráficos numerosos que se alinhavam, com
absoluta ordem, demonstrando o cuidado espiritual que precede o serviço de
reencarnações, quando o meu amigo ponderou:
- A
medicina humana será muito diferente no futuro, quando a Ciência puder
compreender a extensão e complexidade dos fatores mentais no campo das
moléstias do corpo físico. Muito raramente não se encontram as afecções
diretamente relacionadas com o psiquismo. Todos os órgãos são subordinados à
ascendência moral. As preocupações excessivas com os sintomas patológicos aumentam
as enfermidades; as grandes emoções podem curar o corpo ou aniquilá-lo. Se isso
pode acontecer na esfera de atividades vulgares das lutas físicas, imagine o
campo enorme de observações que nos oferece o plano espiritual, para onde se transferem
todos os dias, milhares de almas desencarnadas, em lamentáveis condições de
desequilíbrio da mente. O médico do porvir conhecerá semelhantes verdades e não
circunscreverá sua ação profissional ao simples fornecimento de indicações
técnicas, dirigindo-se, muito mais, nos trabalhos curativos, às providências espirituais,
onde o amor cristão represente o maior papel. Desejando, porém, prosseguir nos
esclarecimentos, quanto ao serviço reencarnacionistas, Manasses tomou pequeno
gráfico e, apresentando-me as linhas gerais, acentuou:
- Aqui
temos o projeto de futura reencarnação dum amigo meu. Não observa certos pontos
escuros, desde o cólon descendente à alça sigmoide? Isso indica que ele sofrerá
uma úlcera de importância, nessa região, logo que chegue à maioridade física.
Trata-se,
porém, de escolha dele.
E porque
extrema curiosidade me vagueasse nos olhos, Manasses explicou:
- Esse
amigo, faz mais de cem anos, cometeu revoltante crime, assassinando um pobre
homem: a facadas; logo que se entregou ao homicídio, como acontece muitas
vezes, a vítima desencarnada ligou-se fortemente a ele, e da semente do crime,
que o infeliz assassino plantou num momento, colheu resultados terríveis por
muitos anos. Como não ignora, o ódio recíproco opera igualmente vigorosa
imantação e a entidade, fora da carne, passou a vingar-se dele, todos os dias,
matando-o devagarzinho, através de ataques sistemáticos pelo pensamento
mortífero. Em suma, quando o homicida desencarnou, por sua vez, trazia o
organismo perispiritual em dolorosas condições, além do remorso natural que a
situação lhe impusera. Arrependeu-se do crime, sofreu muito nas regiões
purgatoriais e, depois de largos padecimentos purificadores, aproximou-se da
vítima, beneficiando-a em louváveis serviços de resgate e penitência. Cresceu
moralmente, tornou-se amigo de muitos benfeitores, conquistou a simpatia de
vários agrupamentos de nosso plano e obteve preciosas intercessões.
Entretanto...
A dívida permanece. O amor, contudo, transformou o caráter do trabalho de
pagamento. O nosso amigo, ao voltar à Crosta, não precisará desencarnar em
espetáculo sangrento, mas onde estiver, durante os tempos de cura completa, na
carne que ele outrora menosprezou, carregará a própria ferida, conquistando, dia
a dia, a necessária renovação. Experimentará desgostos, em virtude do
sofrimento físico pertinaz, lutará incessantemente, desde a eclosão da úlcera
até o dia do resgate final no aparelho fisiológico; entretanto, se souber
manter-se fiel aos compromissos novos, terá atingido, mais tarde, a plena
libertação. Enquanto fixava no projeto minha melhor atenção, Manasses
continuava:
- Segundo
observamos, a justiça se cumpre sempre, mas, logo que se disponha o Espírito a
precisa transformação no Senhor, atenua-se o rigorismo do processo redentor. O
próprio Pedro nos lembrou, há muitos séculos, que “o amor cobre a multidão dos pecados”.
Examinei,
impressionado, a planta educativa e porque não encontrasse palavras bastante
claras para pintar minha admiração, silenciei comovidamente.
Compreendendo-me
o estado d’alma, o companheiro continuou:
- São
inúmeros os projetos de corpos futuros em nossos setores de serviço. Depreendem-se,
da maioria deles, que todos os enfermos na carne são almas em trabalho da
ingente conquista de si próprias. Ninguém trai a Vontade de Deus, nos processos
evolutivos, sem graves tarefas de reparação, e todos os que tentam enganar a
Natureza, quadro legítimo das leis divinas, acabam por enganar a si mesmos. A vida
é uma sinfonia perfeita. Quando procuramos desafiná-la, no círculo das notas
que devemos emitir para a sua máxima glorificação, somos compelidos a
estacionar em pesado serviço de recomposição da harmonia quebrada. E, durante
alguns dias, ali permaneci na instituição benemérita, compreendendo que a
existência humana não é um ato acidental e que, no plano da ordem divina, a
justiça exerce o seu ministério, todos os dias, obedecendo ao alto desígnio que
manda ministrar os dons da vida “a cada um por suas obras”.
[1] Fonte: Missionário da Luz, Ditado pelo Espírito André Luiz, psicografia
de Francisco Cândido Xavier, Editora FEB, Capitulo 12
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