A RECEITA OPORTUNA
Anacleto, o alegre orientador de uma reunião
evangélica, recebeu a visita da Dona Clotilde Serra, que se banhava nas
irradiações da fé, plenamente rejuvenescida em seus ideais novos e, ouvindo-lhe
a palavra amiga, quanto à provável admissão dela nos serviços do bem, aconselhou
bondoso:
- Irmã
Clotilde, comece a tarefa nas obras simples da oração. Encontrará precioso
acesso à luz espiritual. Abrindo nossas almas às correntes sublimes que dimanam
da prece, surgem para nós oportunidades mil de alegria e paz, sob a inspiração
do Cristo.
A
companheira reconhecida agradeceu e partiu entusiasta; mas, depois de um mês,
informava a amigo invisível:
- Infelizmente,
não pude atender à sugestão. Iniciando o trabalho, fui ferida pelo sarcasmo de
muitos. Fui severamente criticada e muita gente considerou-me hipócrita...
-o-
-Minha
amiga – obtemperou o benfeitor paciente – por que não ensaia a visitação dos
enfermos? Há grande vantagem na sementeira de amizade e simpatia.
A
consulente ausentou-se conformada, entretanto, alegava, depois de alguns dias:
-
Irmão Anacleto, não consegui obedecer-lhe a orientação. Junto aos doentes,
recolhi chagas sem número. Não faltou quem me interpretasse por bajuladora na
pista de legados e remunerações...
- Não
esmoreça! – observou o instrutor – o trabalho útil é o nosso caminho para a
luz. Auxilie as crianças! Há tanta promessa desamparada no reino infantil!...
Jesus lhe abençoará o devotamento.
Dona
Clotilde saiu encorajada, contudo, quando correram dois meses sobre a nova
experiência, regressou clamando desalentada:
- Irmão,
não me foi possível seguir adiante... Tentando socorrer os meninos abandonados,
não faltou quem me designasse por sanguessuga da caridade e alguns vizinhos
chegaram a caluniar-me, afirmando, de público, que meu apego Às criancinhas
significava a reparação de crimes que não cometi...
Anotando
as grossas lágrimas que lhe rolavam das faces, Anacleto afagou-a e ponderou
calmo:
- Não se
entristeça! Volte-se para as nossas irmãs desventuradas. Ampare, sem alarde, as
mulheres infelizes que a necessidade arrastou aos despenhadeiros de ilusão!...
Quem sabe? Talvez encontre uma lavoura preciosa de amor.
A
sensível senhora ausentou-se, consolada, mas quando duas semanas se escoaram
sobre o novo trabalho, tornou à reunião, choramingando:
-
Anacleto, não posso! Não posso!... a maldade, desta vez, foi excessivamente
rude comigo... Imagine que, em me derramando no socorro fraternal, fui nomeada
por mulher indigna do nome que me gabo de sustentar!...
- Doem-me
fundamente semelhantes insultos!...
-o-
Registrando-lhe
os soluços convulsivos, o prestimoso orientador sugeriu compadecidamente:
-
Clotilde, tente a mediunidade no auxílio ao próximo. A enfermidade e a
ignorância campeiam em quase todos os setores da luta humana. Faça alguma
cousa. A grande questão é começar. Não dê entrada ao desânimo! Sigamos na
vanguarda luminosa do bem! Mais vale uma candeia brilhante palidamente sobre o
óleo da boa vontade que um milhão de comovedores discursos contra domínio
das trevas!...
-o-
Retirou-se
a irmã tranquilizada e confiante, mas, após o transcurso de algumas semanas,
voltou a grupo e reclamou:
-
Ah! Que tarefa ingrata nos impõe o ministério mediúnico! O médium é um joguete
desventurado entre a curiosidade e a suspeição! Por mais se esforce não
encontra a segurança do apoio e da fé naqueles que o rodeiam, e acaba sempre
qual me sinto, sucumbindo de dor entre a desconfiança e a malícia de quase
todos os companheiros... Anacleto, Anacleto! Que será de mim?
-o-
Desta
vez, porém, o mentor recolheu-se ao silêncio com visível tristeza e porque
tardasse a resposta à servidora complicada inquiriu ansiosa:
- Que
fazer, meu amigo? Como proceder? Auxilia-me com uma receita oportuna!...
Anacleto,
contudo, razoavelmente desencantado, mas, ainda otimista, respondeu sereno:
-
Irmã Clotilde, compreendo agora o seu caso com mais clareza! O seu problema,
por enquanto, é de medicina. Procure um especialista em moléstias de pele, com
a presteza possível, e provavelmente, muito em breve poderá recomeçar...
Livro
Histórias e anotações - Psicografia Francisco C. Xavier, ditado pelo Espírito X, Ed FEB
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