- Precisa voltar mais
cedo aos serviços? - Indagou Alexandre, assim que tomávamos à via pública.
- Posso
dispor de mais tempo - respondi. Meu interesse era enorme na continuidade das
instruções. Alexandre possuía vastíssimas experiências médicas. Minhas
aquisições nesse terreno, em comparação com as dele, representavam
conhecimentos pálidos.
- Tenho ainda hoje uma assembléia de
esclarecimentos a irmãos encarnados - continuou o orientador - e se
você puder comparecer, teremos satisfação.
- Como
não? Estou aprendendo e não devo perder a oportunidade.
Saímos.
As
entidades perturbadas mantinham-se à porta, dando a ideia de alguém à espera de
brecha para entrar.
Porque
Alexandre prosseguia na palestra edificante, seguíamos, quase passo a passo,
como quando na Crosta.
Estávamos
nos primeiros minutos da madrugada. Os transeuntes desencarnados eram
numerosíssimos. A maioria, de natureza inferior, trajava roupa escura, mas, de
espaço a espaço, éramos defrontados por grupos luminosos que passavam céleres,
em serviços cuja importância se adivinhava.
- Há
sempre quefazeres urgentes, no auxílio oportuno aos nossos irmãos da Crosta -
comentou o instrutor, com afabilidade e doçura - e, na maior parte das vezes, é mais eficiente o nosso concurso
à noite, quando os raios solares diretos não desintegram certos recursos de
nossa cooperação...
Não havia
terminado, quando se acercou de nós, inesperadamente, uma velhinha simpática.
-
Justina, minha irmã, que o Senhor a abençoe! - saudou-a o orientador, gentil.
A
entidade amiga, que demonstrava muita inquietude no olhar, respondeu com
afetuoso respeito e explicou-se:
-
Alexandre; tenho necessidade de seu auxílio urgente e vim ao seu encontro.
Desculpe-me.
E, antes
que o instrutor pudesse sondar-lhe verbalmente a aflição, a interlocutora
prosseguiu:
- Meu
filho Antônio encontra-se em estado gravíssimo...
Agora era
Alexandre que a interrompia:
-
Adivinho o que se passa. Quando o visitei, no mês findo, notei-lhe as perturbações circulatórias.
- Sim,
sim - continuou a mãe aflita. - Antônio vive no círculo de pensamentos muito desregrados, apesar do bom coração.
E hoje trouxe para o leito de repouso tantas preocupações descabidas, tanta
angústia desnecessária, que as suas criações mentais se transformaram em
verdadeiras torturas. Embalde, auxiliei-o com os meus humildes recursos;
infelizmente, é tão grande o seu desequilíbrio interior, que toda a minha
colaboração resultou inútil, permanecendo-lhe o cérebro sob a ameaça dum
derramamento mortífero.
E
sentindo a gravidade do minuto, acrescentou triste:
- Ó
Alexandre, bem sei que devemos subordinar nossos desejos aos desígnios de Deus.
Entretanto, meu filho necessita de mais alguns dias na Terra. Creio que, em
dois meses, conseguirei dele, indiretamente, a solução de todos os problemas
que lhe afetam a paz da família. Sua autoridade pode auxiliar-nos! Seu coração edificado
em Cristo permanece em condições de fazer-nos semelhante bem!...
Reconhecendo
a urgência do assunto, exclamou o orientador:
- A
caminho! Não temos um segundo a perder!
Daí a
poucos instantes, penetramos na residência confortável.
A
velhinha, aflita, conduziu-nos a uma alcova espaçosa, onde o filho, chefe da
casa, repousava metido em alvos lençóis, dando-me a impressão característica
dum moribundo.
Antônio
parecia próximo dos setenta anos e
exibia todos os sinais do arterioesclerótico
adiantado.
O quadro
era agora profundamente educativo para mim, que entrara num círculo valioso de
observações novas.
Identificava
perfeitamente o estado pré-agônico, em todas as suas expressões
físico-espirituais. A alma confusa, inconsciente, movimentava-se com
dificuldade, quase que totalmente exteriorizada, junto do corpo imóvel, a
respirar dificilmente.
Enquanto
Alexandre se inclinava paternalmente sobre ele, observei que estávamos diante de uma trombose
perigosíssima, por localizar-se numa das artérias que irrigam o córtex motor do
cérebro. A apoplexia
não se fizera esperar. Mais alguns instantes; e a vítima estaria desencarnada.
Alexandre,
que centralizara todas as atenções no enfermo, tocou-lhe o cérebro
perispiritual e falou com autoridade serena:
-
Antônio, mantenha-se vigilante! Nosso
auxílio pede a sua cooperação!
O
moribundo, desligado parcialmente do corpo, abriu os olhos fora do invólucro de
carne, dando a entender vagas noções de consciência, e o instrutor prosseguiu:
- Você foi acidentado pelos próprios
pensamentos em conflito injustificável. Suas preocupações excessivas
criaram-lhe elementos de desorganização cerebral.
Intensifique
o desejo de retomar as células físicas, enquanto nos preparamos a fim de
ajudá-lo.
Este
momento é decisivo para as suas necessidades.
O
interpelado não respondeu, mas observei que Antônio compreendera a advertência,
no imo das forças da consciência, colocando-se em boa posição para colaborar em
favor de si mesmo.
Em
seguida, o orientador iniciou complicadas operações magnéticas, no corpo
inanimado, ministrando energias novas à espinha dorsal. Decorridos alguns
instantes, colocou a destra ao longo do fígado e, mais tarde, demorando-a no
cérebro físico, bem à altura da zona motora, chamou-me e disse:
- André mantenha-se em prece,
cooperando conosco. Convocarei alguns irmãos em serviço, nesta noite, para
auxiliar-nos.
E
acentuou, após meditar por alguns segundos: - o grupo do Irmão Francisco não
pode estar longe.
Dito
isto, Alexandre assumiu atitude de profunda concentração de pensamento.
Não
passou mais dum minuto e pequena expedição de oito entidades, quatro companheiros e quatro irmãs, penetrou
o recinto doméstico, em religioso silêncio.
Saudamo-nos
todos, ligeiramente, e o instrutor dirigiu-se, atencioso, à entidade que
guardava atribuições de chefia.
- Francisco; precisamos aqui das emanações
de algum dos nossos amigos encarnados, cujo veículo material esteja agora em repouso
equilibrado.
E ao passo que o novo irmão observava cuidadoso, o agonizante, Alexandre
acrescentava:
-
Conforme observa; estamos diante dum caso gravíssimo. É preciso muito
critério na escolha do doador de fluidos.
O
dirigente dos socorristas pensou um momento e obtemperou:
- Temos
um companheiro que nos atenderá razoavelmente. Trata-se de Afonso. Enquanto vou
buscá-lo, nosso grupo auxiliará sua ação curativa, emitindo forças de colaboração magnética, através da prece.
Francisco
ausentou-se imediatamente.
Nesse
instante, a velhinha aproximou-se do instrutor e falou respeitosa:
- Se há
necessidade de fluidos de irmãos encarnados, quem sabe poderíamos empregar o
concurso de minhas netas que repousam nos aposentos próximos?
-
Não - respondeu Alexandre, delicadamente -, não atenderiam as exigências em
curso. Precisamos de alguém suficientemente equilibrado no campo mental.
A mãe
inquieta afastou-se, enxugando os olhos. Atendendo a sinal afetuoso do
orientador, aproximei-me, observando o doente de mais perto, mantendo-me embora
na íntima atitude de oração.
- Antônio
é viúvo faz vinte anos - explicou Alexandre - e está nas vésperas de vir ter
conosco, no plano espiritual. Nosso amigo, porém, necessita de mais alguns dias
na esfera da Crosta para deixar alguns problemas sérios devidamente solucionados.
O Senhor nos concederá a satisfação de colaborar no reerguimento provisório de
suas forças. E fosse porque me detinha a observar o grupo de entidades que oravam
silenciosas, ou em razão de pretender beneficiar-me com novos ensinamentos, o
instrutor esclareceu:
- Temos
aqui o grupo do Irmão Francisco. Trata-se de uma das inumeráveis turmas de
serviço que nos prestam cooperação.
Muitos
companheiros consagram-se aos trabalhos dessa natureza, mormente à noite,
quando as nossas atividades de auxílio podem ser mais intensas.
Verdadeiro
mundo de interrogações assomava-me ao cérebro, a fim de solucionar as questões
do momento; contudo, compreendendo a gravidade dos minutos, em face da tarefa
para a qual fôramos chamados, resolvi silenciar.
Não
decorreu muito tempo e Francisco voltava seguido de alguém.
Tratava-se
do companheiro encarnado a que Alexandre se referira.
Não houve
oportunidade para saudações. O orientador, tomando-lhe a destra, conduziu-o
imediatamente à cabeceira do moribundo, dizendo-lhe com autoridade afetuosa:
- Afonso;
não temos um segundo a perder. Coloque ambas as mãos na fronte do
enfermo e conserve-se em oração.
O
interpelado não pestanejou. Dando-me a impressão dum veterano em semelhantes
serviços de assistência, parecia sumamente despreocupado de todos nós,
fixando-se tão somente na obrigação a cumprir.
Foi então que vi Alexandre funcionar como
verdadeiro magnetizador.
Recordando
meus antigos trabalhos médicos nos casos extremos de transfusão de sangue, via-lhe perfeitamente o esforço de transferir vigorosos fluidos de Afonso
para o organismo de Antônio, já moribundo.
Na
qualidade de discípulo, acentuando minhas faculdades de análise, junto de
preciosa lição, observei que o semblante do enfermo transformava-se
gradualmente. À medida que o instrutor movimentava as mãos sobre
o cérebro de Antônio, este revelava sinais crescentes de melhoras. Verificava,
sob forte assombro, que a sua forma perispiritual reunia-se devagarzinho à
forma física, integrando-se, harmoniosamente, uma com a outra, como se
estivessem, de novo, em processo de reajustamento, célula por célula.
Depois de
um quarto de hora, segundo meu cálculo de tempo, estava finda a laboriosa
intervenção magnética e Alexandre, chamando a velhinha, acentuou:
-
Justina, o coágulo acaba de ser reabsorvido e conseguimos socorrer a artéria
com os nossos recursos, mas Antônio terá, no máximo, cinco meses a mais, de
permanência na Terra. Se você pleiteou o auxílio de agora para ajudá-lo a
resolver negócios urgentes, não perca as oportunidades, porque os reparos deste
instante não perdurarão por mais de cento e cinqüenta dias. E não se esqueça de
preveni-lo, pelos processos intuitivos ao nosso alcance, quanto ao cuidado que deverá manter
consigo mesmo no terreno das preocupações excessivas, mormente à noite, quando ocorrem
os fenômenos desastrosos mais sérios de circulação, em vista da invigilância de
muitas pessoas que se valem das horas sagradas do repouso físico para a criação
de fantasmas cruéis, no campo vivo do pensamento. Se o nosso amigo
despreocupar-se da auto corrigenda, talvez desencarne antes dos cinco meses.
Toda a cautela é indispensável.
A
genitora agradeceu, comovida, em lágrimas de contentamento.
Alexandre
recomendou ao “socorrista” encarnado que retirasse as mãos de sobre a fronte do
enfermo e vi, então, o inesperado.
O doente
grave, reintegrado nas funções orgânicas, com a harmonia possível, abriu os
olhos físicos, como se estivesse profundamente embriagado, e começou a gritar
estentoricamente:
-
Socorro! Socorro!... Acudam-me por amor de Deus! Eu morro, eu morro!...
Algumas
jovens acorreram, espantadas e trêmulas, em roupas brancas, percebendo-se que
as filhas carinhosas e sensíveis vinham atender ao pai ansioso.
- Papai!
Papai! - exclamavam lacrimosas-que foi isto?
- Estou
morrendo! - clamava o enfermo, em voz pungente - chamem o médico... Depressa!
- Mas que
sente papai? - perguntou uma delas, em pranto convulso.
- Sinto-me morrer, tenho a cabeça tonta,
incapaz de raciocinar...
Grande
era a azáfama dos encarnados que passavam por nós em bulha indescritível,
atropelando-se uns aos outros, sem o mais leve traço de consciência a respeito
da nossa presença ali.
Alexandre
solicitou ao Irmão Francisco fornecesse instruções a Afonso para que este
regressasse ao lar e, depois da providência, dispôs-se a retirar e disse-me
sorrindo, diante da estranheza que a atitude alarmante das moças me causava:
-
Geralmente, quando os nossos amigos encarnados gritam, chorosos, por socorro,
nosso serviço de assistência já se encontra completo. Partamos
O doente,
semilúcido, prosseguia inquieto, enquanto o telefone tilintava, cooperando para
a imediata visita do médico.
A
velhinha despediu-se de nós, comovedoramente, permanecendo junto do enfermo,
velando, devotada e humilde.
Na via
pública, pedi ao instrutor me pusesse em contacto mais íntimo com o Irmão
Francisco, que nos acompanhava, solícito.
Alexandre,
afável como sempre, atendeu-me aos desejos.
- Nossa
pequena expedição - esclareceu o chefe do agrupamento, depois de trocar comigo
palavras muito cordiais - é uma das inumeráveis turmas de socorro que colaboram
nos círculos da Crosta. Somos milhares de servidores, nessas condições, ligados
a diversas regiões espirituais mais elevadas.
- Seu
núcleo - perguntei - procede de nossa colônia?
- Sim. E
temos nossas atividades entrelaçadas com as tarefas de vários instrutores de
Nosso Lar.
- E há
tarefas especializadas para cada grupo dessa natureza?
-
Perfeitamente. O nosso, por exemplo - acentuou Francisco, gentil -, destina-se
ao reconforto de doentes graves e agonizantes.
De modo geral, as condições de luta
para os enfermos são mais difíceis à noite. Os raios solares, nas horas
diurnas, destroem grande parte das criações mentais inferiores dos doentes em
estado melindroso, não acontecendo o mesmo à noite; quando o magnetismo lunar
favorece as criações de qual quer espécie, boas ou más.
Em vista
disso, o nosso esforço há de ser vigilante. Quase ninguém no círculo de nossos
irmãos encarnados conhece a extensão de nossas tarefas de socorro. Permanecem
eles num campo de vibrações muito diferentes das nossas e não podem apreender
ou discriminar nosso auxílio. Isto, porém, não importa. Outros benfeitores, muito
mais elevados que aqueles dos quais podemos guardar conhecimento direto, velam
por nós e inspiram-nos, devotadamente, no campo das obrigações comuns, sem que
vejamos a sua forma de expressão nos trabalhos referentes aos divinos desígnios.
E talvez porque eu sorrisse, admirando-lhe o: ideal de renúncia serena e
santificante, o interlocutor também sorriu e acrescentou:
-
Sim, meu amigo, reclamar compreensão e resultado de criaturas e situações,
ainda incapacitadas para no-los dar, constitui exigência mais cruel que a
solicitação de recompensas imediatas.
Era bem a
verdade convincente. Mantinha-se o Irmão Francisco dentro da lógica mais
elevada.
Os que
auxiliam alguém, interessados no reconhecimento ou na compensação, quase sempre
permanecem de olhos cerrados para o concurso divino e invisível que de Mais
Alto recebem.
Exigem
que outros lhes identifiquem a posição de benfeitores, mas nunca se recordam de
que amigos sábios e desvelados lhes oferecem a melhor cooperação de planos
superiores, sem deles reclamarem a mínima nota de gratidão pessoal.
- São
muitos os irmãos afins - continuou o meu interlocutor, interrompendo-me as
reflexões íntimas - que se reúnem, depois da morte do corpo, em tarefas de
amparo fraternal, quando já alcançaram os primeiros degraus da escada de
purificação. Do que me é possível ajuizar, semelhantes trabalhos são dos mais
eficientes e dignos em favor dos homens. Raramente os companheiros
encarnados, quando em excelentes condições de saúde física, podem compreender
as aflições dos enfermos em posição desesperadora ou dos moribundos prestes a
partir. Nós outros, porém, no quadro de realidades mais fortes, sabemos
que, muitas vezes, é possível efetuar realizações deveras sublimes, de natureza
espiritual, em poucos dias, nessas circunstâncias, depois de largos anos de
atividades inúteis.
No leito da morte, as criaturas são
mais humanas e mais dóceis. Dir-se-ia que a moléstia intransigente enfraquece os instintos
mais baixos, atenua; as labaredas mais vivas das paixões inferiores,
desanimaliza a alma, abrindo-lhe, em torno, interstícios abençoados por onde
penetra infinita luz. E a dor vai derrubando as pesadas muralhas da
indiferença, do egoísmo cristalizado e do amor-próprio excessivo. Então, é
possível o grande entendimento.
Lições
admiráveis felicitam a criatura que, palidamente embora, percebe a grandeza da
herança divina. Acentua-se-lhe o heroísmo e gravam-se-lhe no coração, para
sempre, mensagens vivas de amor e sabedoria. Na noite espessa da agonia começa
a brilhar a aurora da vida eterna. E aos seus clarões indistintos, nossos
princípios são facilmente aceitos, a sensibilidade demonstra características sublimes
e a luz imortal lança fontes de infinito poder nos recessos do espírito.
O
interlocutor fez longa pausa e rematou:
- Desse
modo, conseguimos efetuar um serviço de assistência eficaz, carreando novos
valores no campo da fraternidade e do bem legítimo. Nunca
observou a paciência inesperada de doentes graves, a calma de certos enfermos
incuráveis e a suprema conformação da maioria dos moribundos?
Muitas
vezes, semelhantes edificações, incompreensíveis para os encarnados que os
cercam, constituem o fruto do esforço de nossos grupos itinerantes de socorro.
Francisco
enunciara sublimes verdades. De fato, a serenidade dos enfermos em condição
desesperadora e a resignação inexplicável dos agonizantes, absolutamente
distanciados da fé religiosa, não poderiam guardar outra origem.
A bondade divina é infinita e, em todos os
lugares, há sempre generosas manifestações da Providência Paternal de Deus,
confortando os tristes, acalmando os desesperados, socorrendo os ignorantes e
abençoando os infelizes.