Declarar de modo geral que o divórcio é sempre errado é tão incorreto
quanto assegurar que está sempre certo.
Sofremos de solidão toda vez que desprezamos as inerentes vocações
e naturais tendências de nossa alma.
Assim que nos distanciamos do que
realmente somos, criamos um autodesprezo, passando, a partir daí, a desenvolver
um sentimento de soledade; mesmo rodeados das pessoas mais importantes e
queridas de nossa vida.
Na auto rejeição, esquecemos-nos de perceber a presença de Deus
vibrando em nossa alma; logo, anulamos nossa força interior. É como se
esquecêssemos da consciência de nós mesmos.
Para que nossa essência emerja, é preciso abandonar nossa compulsão de fazer-nos seres
idealizados, nossa expectativa fantasiosa de perfeição e nosso
modelo social de felicidade. Somente assim, exterminamos o clima de pressão, de
abandono, de tensão e de solidão que sentimos interiormente, para
transportarmo-nos para uma existência de satisfação íntima e para uma
indescritível sensação de vitalidade.
A renúncia de nosso eu
idealizado nos dará uma sensação de
renascimento e uma atmosfera de liberdade como nunca antes havíamos sentido.
O ser idealizado é uma fantasia mental. É uma imitação
inflexível, construída artificialmente sobre uma combinação de dois básicos
comportamentos neuróticos, a saber: adotar padrões existenciais super-rígidos,
impossíveis de serem atingidos, e alimentar o orgulho de acreditar-se
onipotente, superior e invulnerável.
A coexistência desses dois modos de pensar ocasiona frequentes estados
de solidão, tristeza habitual e sentimentos mútuos de vazio e aborrecimento na
vida afetiva de um casal.
O amor e o respeito a nós mesmos cria uma atmosfera propícia para identificarmos nossa verdadeira
natureza, isto é, nossa identidade de alma, facilitando nosso crescimento
espiritual e, por conseguinte, proporcionando-nos alegria de viver.
Quase todos nós crescemos ansiosamente querendo ser adequados e certos
para o mundo, porque acreditamos que não somos suficientemente bons para ser
amados pelo que somos. Por isso, procuramos, desesperadamente,
igualar-nos a uma imagem que criamos de como deveríamos ser. O esforço metódico
para sustentar essa versão idealizada é responsável por grande parte dos nossos
problemas de relacionamento conosco e com os outros.
Entre todos os problemas de convivência, o de casais, talvez, seja um
dos mais comuns entre as pessoas.
Todavia, todos nós
queremos companhia e afeto, mas para desfrutarmos uma união amorosa,
madura e equilibrada é preciso, acima de qualquer coisa, respeitar o direito
que cada criatura tem de ser ela mesma, sem mudar suas predileções, ideias e
ideais.
Os traços de personalidade não são futilidades, teimosia ou manias. Cada
parceiro tem seus “direitos individuais” de manter sua parcela de privacidade e
preferências.
Para tanto, o diálogo compreensivo, a renúncia aos
próprios caprichos, o compromisso de lealdade são fatores imprescindíveis na
vida a dois, que não pode permitir a confusão de “direitos individuais” com
direitos individualistas, com vulgaridade, com cobrança e com leviandade.
Eis a razão de viver bem
consigo mesmo: tudo passa, pois todos somos
viajores do Universo, porém só nós viveremos eternamente com nós mesmos.
A complexidade maior das dificuldades nos matrimônios talvez seja a não
valorização dos verdadeiros sentimentos, que força um dos parceiros, ou mesmo
ambos, a
contrariar sua natureza para satisfazer as opressões, intolerâncias e
imposições do outro. Ninguém pode ser feliz assim, subordinando-se
ao que o cônjuge quer ou decide.
“... a indissolubilidade absoluta do casamento”
(...) “É uma lei humana muito contrária à da Natureza. Mas os homens podem modificar
suas leis, só as da Natureza são imutáveis.” (25)
Declarar de modo geral que o divórcio é sempre errado é tão incorreto
quanto assegurar que está sempre certo. Em algumas circunstâncias, a separação
é um subterfúgio para uma saída fácil ou um pretexto com que alguém procura
esquivar-se das responsabilidades, unicamente.
Há uniões em que o divórcio é compreensível e razoável,
porque a decisão de casar foi tomada sem maturidade, porque são diversos os
equívocos e desencontros humanos.
Em outros casos, há anos de atitudes de desrespeito e maus-tratos,
há os que impedem o desenvolvimento do outro. São variadas as necessidades da
alma humana e, muitas vezes, é melhor que os parceiros se decidam pela
separação a permanecerem juntos, fazendo da união conjugal uma hipocrisia. Em
todas as atitudes e acontecimentos da vida, somente a própria consciência do
indivíduo pode fazer o auto julgamento e decidir sobre suas carências e
dificuldades da vida a dois.
Todos os livros sacros da humanidade têm como máxima ou mandamento o
amor. A base de todo compromisso é o amor. O amor
enriquece mutuamente as pessoas e é responsável pela riqueza do seu mundo
interior.
A estrutura do verdadeiro ensino religioso nos deve unir amorosamente
uns aos outros e não nos manter unidos pela intimidação, pelo medo do futuro ou
pelas convenções sociais.
O ensino espírita, propagado pelo “O Livro dos Espíritos”, nos faz redescobrir o sentimento de religiosidade inato em cada
criatura de Deus. Religiosidade é o que possuía Allan Kardec em abundância,
pois enxergava os fatos da vida com os olhos da alma, quer dizer, ia além dos
recursos físicos, usando os sentidos da transcendência a fim de encontrar a
verdade escondida atrás dos aspectos exteriores.
O eminente professor Rivail entendia que o verdadeiro sentido da religião deve consistir na busca da
liberdade, no culto da verdade e na clara distinção entre o temporal/passageiro
e o real/permanente.
Estar com alguém por temor religioso é diferente de estar com alguém por
amor. Somente o amor tem significado perante a Divina Providência.
Lembremo-nos de que a solidão aparece, quando negamos nossos sentimentos e ignoramos nossas
experiências interiores. Essa forma comportamental tende a fazer-nos ver as
coisas do jeito como queremos ver, ou seja, como nos é conveniente, em vez de
vê-las como realmente são. Assim é que distorcemos nossa realidade.
Não rejeitemos o que de fato sentimos. Isso não quer dizer viver com liberdade
indiscriminada e sem controle, mas sim reconhecer o devido lugar que corresponda
aos nossos sentimentos, sem ignorá-los, nem tampouco deixá-los serem donos de
nossa vida.
Devemos permanecer ou não ao lado de alguém, é decisão que se deve tomar
com espontaneidade, harmonia e liberdade, sem mesclas de medo ou imposições.
X.X.X
Ouçamos com os
ouvidos internos, pois ninguém pode assimilar
bem uma experiência que não provenha de sua própria orientação interior.
Segundo Pascal, o grande pensador científico-filosófico do século XVII,
“a verdadeira natureza do
homem, seu verdadeiro bem, sua verdadeira virtude e a verdadeira religião são
coisas cujo conhecimento é inseparável.”
Nem sempre a solidão pode ser encarada como dor ou insânia. É; em muitas ocasiões, períodos
de preparação, tempos de crescimento, convites da vida ao amadurecimento.
De acordo com o pensamento de Pascal, o âmago do ser está intimamente
ligado ao bem, à virtude e à religião.
É justamente nas “épocas de solidão” que conseguimos a motivação
necessária para estabelecer a verdade sobre esse fato.
Na solidão, é que encontramos
sanidade para nosso mundo interior, respostas seguras para nossos caminhos incertos
e nutrição vitalizante para os labores que enfrentamos em nossa viagem terrena.
Nestes nossos apontamentos
sobre a solidão, não estamos nos referindo à “tristeza de estar só”, mas sim, necessariamente, à “quietude
íntima”, tão importante e saudável para que façamos um trabalho de
autoconsciência, valorizando as nuances de nossa vida interior.
Muitos indivíduos vivem dentro de um ciclo diário
estafante. Realizam suas atividades num ambiente de competitividade, agitação,
pressa e rivalidade, vivendo em constante tensão psicológica e, por
consequência, alterando suas funções fisiológicas. Por viverem num estado de
cansaço e desgaste contínuos, não conseguem fazer uma real interação entre o
meio ambiente e seu mundo interno, o que ocasiona sérios problemas de
convivência e inúmeros conflitos pessoais.
Nem sempre é possível abandonarmos a vida alvoroçada, os ruídos e as
músicas estridentes, talvez seja até mesmo inviável; mas é perfeitamente
realizável dedicarmos algum tempo à solidão, retirando-nos para momentos de
reflexão.
Nos instantes de silêncio, exercitamos o aprendizado que nos levará a
abrir um canal receptivo à Consciência Divina. É nesse momento que ficamos
cientes de que realmente não estamos sozinhos e que podemos entrar em contato
com a voz da consciência. A voz de Deus, por assim dizer, começará a “falar em
nós”.
Inúmeras criaturas criam uma
mente agitada por temerem que
estejam vazias, pensam não haver nada dentro delas que lhes dê proteção, apoio
e segurança. Acreditam que é uma casca que precisa exclusivamente de
sustentação exterior; por isso, continuam ocupando a casa mental ansiosamente,
obstruindo seu acesso à luz espiritual.
A mente pode ser uma
ajuda efetiva, ou mesmo um obstáculo ferrenho na escolha da melhor direção para
atingimos o amadurecimento íntimo. A crença em nossa limitação é que faz com
que restrinjamos nossa mente. Isso se agrava quando envolvemo-la no burburinho
de vozes, no tumulto e na agitação do cotidiano, passando assim a não
avaliarmos corretamente seu verdadeiro potencial.
São muitos os caminhos de Deus, e a solidão pode ser um deles. “E
saindo, foi, como costumava, para o Monte das Oliveiras; e também os seus
discípulos o seguiram.” (26)
Jesus Cristo, constantemente, se retirava para a intimidade que o
silêncio proporciona, pois entendia que a elevação de alma somente é
possível na “privacidade da solidão”.
O Cristo Amoroso sabia que, quando houvesse silêncio
no coração e no intelecto, se estabeleceriam as bases seguras da relação entre
a criatura e o Criador, proporcionando a percepção de que somos unos com a Vida
e unos com todos os seres.
“... buscam no retiro a tranquilidade que
certos trabalhos reclamam. (...) Isso não é retraimento absoluto do egoísta.
Esses não se insulam da sociedade, porquanto para ela trabalham.” (27)
A Espiritualidade Maior entende que, nos retiros de tranquilidade,
criamos uma sustentação interior, que nos permite sintonizar com as leis
divinas e com os valores reais da consciência cristã.
Ouçamos com os ouvidos
internos, pois ninguém pode assimilar
bem uma experiência que não provenha de sua própria orientação interior.
Ninguém é capaz de seguir sua verdadeira estrada existencial, se não
refletir sobre sua essência. Não encontraremos o caminho de que verdadeiramente
necessitamos, se nós mesmos não o buscarmos, usando nossos inerentes recursos
da alma para perceber as inarticuladas orientações divinas em nós.
Somente cada um pode interpretar as razões da Vida em si mesmo.
Adotemos
o aprendizado com o Senhor Jesus, exemplificado no Horto das Oliveiras: retiremo-nos para um lugar à
parte e cultivemos os interesses de nossa alma.
Se não encontrarmos um recanto externo que facilite a meditação, nem
alguma paisagem mais afastada junto à Natureza, onde possamos repousar da
inquietação da multidão, mesmo assim poderemos penetrar o nosso santuário
íntimo.
Sigamos o Mestre,
recolhendo-nos na solidão e no silêncio do templo da alma, onde exclusivamente
encontraremos as reais concepções do amor e da justiça, da felicidade e da paz,
de que todos temos direito por Paternidade Divina.
Referencias:
25 LE - 697 – Está na lei da Natureza, ou somente na lei humana, a indissolubilidade
absoluta do casamento?
“É uma lei humana muito contrária à da Natureza. Mas os homens podem
modificar suas leis; só as da Natureza são imutáveis.”
26 Lucas 22:39
27 LE - 771 – Que pensar dos que fogem
do mundo para se votarem ao mister de socorrer os desgraçados?