Após
separar-se da genitora e da irmã, dispôs-se o rapaz a tomar o caminho da
residência que lhe era própria.
Seguimo-lo
de perto. Doía-me identificar-lhe a posição de vítima, cercado pelas duas
formas escuras.
As
observações referentes à microbiologia psíquica impressionavam-me
fortemente.
Conhecia,
de perto, as alterações circulatórias, determinando a embolia, o infarto, à
gangrena. Tratara, noutro tempo, inúmeros casos de infecção, através de
artrites e miosites, úlceras gástricas e abscessos miliares. Examinara,
atenciosamente, no campo médico, as manifestações do câncer, dos tumores
malignos, em complicados processos patológicos. Vira múltiplas expressões
microbianas, no tratamento da lepra, da sífilis, da tuberculose. Muitas vezes,
na qualidade de defensor da vida, permaneceram longos dias em duelo com a
morte, sentindo a inutilidade de minha técnica profissional no ataque aos vírus
estranhos que apressavam a destruição orgânica, zombando-me dos esforços. Na
qualidade de médico, entretanto, na maioria dos casos, quando podia contar ainda
com a prodigiosa intervenção da Natureza, mantinha a presunção de conhecer
variadas normas de combate, em diversas direções. No diagnóstico da difteria,
não vacilava na aplicação do soro de Roux e conhecia o valor da operação de
traqueotomia no crupe declarado.
Nas
congestões, não me esqueceria de intensificar a circulação.
Nos
eczemas, lembraria, sem dúvida, os banhos de amido, as pomadas à base de
bismuto e a medicação arsenical e sulfurosa.
Positivando
o edema, recordaria a veratrina, o calomelano, a cafeína e a teobromina, depois
de analisar, detalhadamente, os sintomas. No câncer, praticaria a intervenção
cirúrgica, se os raios X não demonstrassem a eficiência precisa. Para todos os
sintomas, saberia utilizar regimes e dietas, aplicações diversas, isolamentos e
intervenções, mas... E ali?
À nossa
frente, caminhava um enfermo diverso. Sua diagnose era diferente. Escapava ao
meu conhecimento dos sintomas e aos meus antigos métodos de curar. No entanto,
era paciente em condições muito graves. Viam-se-lhe os parasitos escuros.
Observava-se-lhe a desesperação intima, em face do assédio incessante.
Não
haveria remédio para ele? Estaria abandonado e era mais infeliz que os doentes
do mundo? Que fazer para aliviar-lhe as dores terríveis, a se manifestarem à
maneira de angustiosas e permanentes inquietações? Já havia atendido a
entidades perturbadas e sofredoras, balsamizando-lhes padecimentos atrozes. Não
ignorava os esforços constantes de nossa colônia espiritual, a fim de atenuar
sofrimentos dos desencarnados de ordem inferior, mas, ali, em virtude da
contribuição magnética de Alexandre, o grande e generoso instrutor que me
seguia, observava um companheiro encarnado, presa de singulares viciações.
Por que
fatores ministrar o socorro indispensável?
E,
naturalmente, novas reflexões ocorriam-me céleres.
Semelhantes
expressões microbianas acompanhariam os desencarnados?
Atacariam
a alma, fora da carne? Quando me debatia em amarguras inexprimíveis, nas zonas
inferiores, certo havia sido vítima das mesmas influenciações cruéis.
Todavia,
onde o remédio salutar?
Onde o
alívio para tamanhas angústias?
Revelando
paternal interesse, Alexandre veio em meu socorro, esclarecendo:
- Estas
interrogações íntimas, André, são portadoras de grande bem para o seu coração.
Começa a observar as manifestações do vampirismo, as quais não se circunscrevem
ao ambiente dos encarnados. Quase que a totalidade de sofrimentos nas zonas inferiores,
deve a ela sua dolorosa origem. Criaturas desviadas da verdade e do bem, nos
longos caminhos evolutivos, reúnem-se umas às outras, para a continuidade das
permutas magnéticas de baixa classe. Os criminosos de vários matizes, os fracos
da vontade, os aleijados do caráter, os doentes voluntários, os teimosos e recalcitrantes
de todas as situações e de todos os tempos integram comunidades de sofredores e
penitentes do mesmo padrão, arrastando-se, pesadamente, nas regiões invisíveis
ao olhar humano.
Todos
eles segregam forças detestáveis e criam formas horripilantes, porque toda
matéria mental está revestida de força plasmadora e exteriorizante.
- Mas -
objetei - sinto que o campo médico é muito maior, depois da morte do corpo.
- Sem
dúvida - redargüiu meu interlocutor, sereno -, quando compreendermos a extensão
dos ascendentes morais em todos os acontecimentos da vida.
-
Entretanto - considerei - horrorizam-me as novas descobertas na região
microbiana. Que fazer contra o vampirismo?
Como lutar
com as forças mentais degradantes?
No mundo,
temos a clínica especializada, a técnica cirúrgica, os antídotos de vários sistemas
curativos. Mas aqui?
Alexandre
sorriu pensativo, e falou, depois de pausa mais longa:
-
Conforme verificamos, André, o tratamento remoto nos templos, a ascendência da
fé nos processos de Medicina, nos séculos passados, e a concepção de que as
entidades diabólicas provocam as mais estranhas enfermidades no homem, não são integralmente
destituídas de razão. Indubitavelmente, entre os Espíritos encarnados, as
expressões mentais dependem do equilíbrio do corpo, assim como a boa e perfeita
música depende do instrumento fiel. Mas a ciência médica atingirá culminâncias sublimes
quando verificar no corpo transitório a sombra da alma eterna. Cada célula física é instrumento de determinada vibração mental.
Todos somos herdeiros do Pai que cria, conserva, aperfeiçoa, transforma ou
destrói e, diariamente, como nosso potencial gerador de energias latentes,
estamos criando, renovando, aprimorando ou destruindo alguma coisa. Justifico a
surpresa de seus raciocínios ante a paisagem nova que se desdobra à sua vista. A luta do
aperfeiçoamento é vastíssima. Quanto ao combate sistemático ao vampirismo,
nas múltiplas moléstias da alma, aqui também, no plano de nossas atividades,
não faltam processos saneadores e curativos de natureza exterior; no entanto,
examinando o assunto na essência, somos
compelidos a reconhecer que cada filho de Deus deve ser o médico de si mesmo e,
até à plena aceitação desta verdade com as aplicações de seus princípios, a
criatura estará sujeita a incessantes desequilíbrios.
Entendendo-me
a estranheza, Alexandre indicou o rapaz que se dispunha a penetrar o reduto
doméstico, depois de pequeno percurso a pé, e falou:
- Há
diversos processos de medicação espiritual contra o vampirismo, os quais
poderemos desenvolver em direções diversas; mas, para fornecer a você uma
demonstração prática, visitemos o lar de nosso amigo. Conhecerá o mais poderoso
antídoto.
Curioso,
observei que as entidades infelizes mostravam-se, agora, terrivelmente
contrafeitas. Alguma coisa impedia-lhes acompanhar a vítima ao interior.
-
Naturalmente - acentuou meu generoso companheiro – você já sabe que a prece traça fronteiras vibratórias.
Sim, já
observara experiências dessa ordem.
- Aqui -
prosseguiu ele - reside uma irmã que tem a felicidade de cultivar a oração
fervorosa e reta.
Entramos.
E, enquanto o amigo encarnado se preparava a recolher, Alexandre explicava-me o
motivo da sublime paz reinante entre as paredes humildes.
- O lar - disse - não é somente a
moradia' dos corpos, mas, acima de tudo, a residência das almas.
O santuário doméstico que encontre criaturas amantes da oração e dos
sentimentos elevados converte-se em campo sublime das mais belas florações e
colheitas espirituais. Nosso amigo não se equilibrou ainda nas bases legítimas
da vida, depois de extremas vacilações e levianas experiências da primeira
mocidade; no entanto, sua companheira, mulher jovem e cristã, garante-Lhe a
casa tranqüila, com a sua presença, pela abundante e permanente emissão de
forças purificadoras e luminosas, de que o seu Espírito se nutre.
Achava-me
eminentemente surpreendido. De fato, a tranqüilidade interior era grande e
confortadora. Em cada ângulo das paredes e em cada objeto isolado havia
vibrações de paz inalterável.
O rapaz,
agora, penetrava o aposento modesto, naturalmente disposto ao descanso noturno.
Alexandre
tomou-me a destra, paternalmente, encaminhou-se até a porta, que se fechara sem
estrépito, e bateu, de leve, como se estivéssemos ante um santuário que não
devíamos penetrar sem religioso respeito.
Uma
senhora muito jovem, em quem percebi imediatamente a esposa de nosso
companheiro, desligada do corpo físico, em momentos de sono, veio atender e
saudou o instrutor afetuosamente.
Após
cumprimentar-me, graças à apresentação de Alexandre, exclamou jovial:
-
Agradeço a Deus a possibilidade de orarmos juntos. Entrem.
Desejo
transformar nossa casa no templo vivo de Nosso Senhor.
Ingressamos
no aposento íntimo e, de minha parte, mal continha a surpresa da situação.
Nesse mesmo instante, punha-se o rapaz entre os lençóis, com evidente cuidado
para não despertar a esposa adormecida. Contemplei o quadro formoso e
santificante.
Rodeava-se
o leito de intensa luminosidade. Observei os fios tenuíssimos de energia
magnética, ligando a alma de nossa nobre amiga à sua forma física, placidamente
recostada.
-
Desculpem-me - disse bondosa, fixando o olhar no instrutor -, preciso atender
agora aos meus deveres imediatos.
- Esteja
à vontade, Cecília! - falou o orientador com a ternura dum pai que abençoa -
passamos aqui tão-só para visitá-la.
Cecília
beijou-lhe as mãos e rogou:
- Não se
esqueça de deixar-nos os seus benefícios.
Alexandre
sorriu em silêncio e, por alguns minutos, manteve-se em meditação mais
profunda.
E
enquanto ele se mantinha insulado em si mesmo, eu observava a delicada cena: A
esposa, desligada do corpo, sentou-se à cabeceira e, no mesmo instante, o rapaz
como se estivesse ajeitando os travesseiros descansou a cabeça em seu regaço
espiritual.
Cecília,
acariciando-lhe a cabeleira com as mãos, elevava os olhos ao Alto, revelando-se
em fervorosa prece. Luzes sublimes cercavam-na toda; e eu podia sintonizar com
as suas expressões mais íntimas, ouvindo-lhe a rogativa pela iluminação do
companheiro a quem parecia amar infinitamente. Comovido com a beleza de suas súplicas,
reparei com assombro que o coração se lhe transformava num foco ardente de luz,
do qual saíam inúmeras partículas resplandecentes, projetando-se sobre o corpo
e sobre a alma do esposo com a celeridade de minúsculos raios. Os corpúsculos radiosos penetravam-Lhe
o organismo em todas as direções e, muito particularmente, na zona do sexo,
onde identificara tão grandes anomalias psíquicas, concentravam-se em massa,
destruindo as pequenas formas escuras e horripilantes do vampirismo devorador.
Os
elementos mortíferos, no entanto, não permaneciam inativos.
Lutavam
desesperados, com os agentes da luz. O rapaz, como se houvera atingido um
oásis, perdera a expressão de angustioso cansaço. Demonstrava-se calmo e,
gradativamente, cada vez mais forte e feliz, no momento em curso. Restaurado em
suas energias essenciais, enlaçou devagarzinho a esposa amorosa que se
conservava maternalmente ao seu lado e adormeceu jubiloso.
A cena
íntima era maravilhosamente bela aos meus olhos.
Dispunha-me
a pedir explicações, quando o instrutor me chamou delicadamente, encaminhando-me
ao exterior. Fora do quarto, falou-me paternalmente:
- Já
observou quanto devia. Agora, poderá extrair as próprias ilações.
- Sim -
retruquei -; estou assombrado com o que vi; no entanto, estimaria ouvi-lo em
considerações esclarecedoras.
- Não
tenha dúvida - prosseguiu o orientador -, a oração é o mais eficiente antídoto do vampirismo.
A prece não é movimento mecânico de lábios, nem disco de fácil repetição no
aparelho da mente. É vibração, energia, poder. A criatura que ora, mobilizando as
próprias forças, realiza trabalhos de inexprimível significação.
Semelhante
estado psíquico descortina forças ignoradas, revela a nossa origem divina e
coloca-nos em contacto com as fontes superiores. Dentro dessa realização, o
Espírito, em qual quer forma, pode emitir raios de espantoso poder.
Após
breve intervalo, Alexandre considerou, imprimindo mais força ao ensinamento:
- E você
não pode ignorar que as próprias formas inferiores da Terra se alimentam quase
que integralmente de raios.
Descem
sobre a fronte humana, em cada minuto, bilhões de raios cósmicos, oriundos de
estrelas e planetas amplamente distanciados da Terra, sem nos referirmos aos
raios solares, caloríficos e luminosos, que a ciência terrestre mal começa a
conhecer.
Os raios gama, provenientes do
elemento rádio que se desintegra incessantemente no solo, e os de várias
expressões emitidos pela água e pelos metais, alcançam os habitantes da Terra
pelos pés, determinando consideráveis influenciações.
E, em
sentido horizontal, experimenta o homem a atuação dos raios magnéticos
exteriorizados pelos vegetais, pelos irracionais e pelos próprios semelhantes.
A
admiração impusera-me silêncio, mas o orientador prosseguiu, após ligeiro
intervalo:
- E as
emanações de natureza psíquica que envolve a Humanidade, provenientes das
colônias de seres desencarnados que rodeiam a Terra?
Em cada
segundo, André, cada um de nós recebe trilhões de raios de vária ordem e
emitimos forças que nos são peculiares e que vão atuar no plano da vida, por
vezes em regiões muitíssimo afastadas de nós. Nesse círculo de permuta
incessante, os raios divinos, expedidos pela oração santificadora, convertem-se
em fatores adiantados de cooperação eficiente e definitiva na cura do corpo, na
renovação da alma e iluminação da consciência.
Toda prece elevada é manancial de
magnetismo criador e vivificante e toda criatura que cultiva a oração, como devido
equilíbrio do sentimento, transforma-se, gradativamente, em foco irradiante de
energias da Divindade.
As
elucidações do instrutor calaram-me profundamente no ser. Desejando, contudo,
certificar-me quanto a outro pormenor da sublime experiência, interroguei:
-
Bastará, porém, o recurso da esposa para que o nosso doente restaure o
equilíbrio psíquico?
Alexandre
sorriu e respondeu:
- O
socorro de Cecília é valioso para o companheiro, mas o potencial de emissão divina pertence a
ela, como fruto incorruptível dos seus esforços individuais.
Significa para ele o “acréscimo de misericórdia” que deverá anexar, em
definitivo, ao patrimônio de sua personalidade, através
do trabalho próprio.
Receber o auxílio do bem não
quer dizer que o beneficiado seja bom.
Nosso amigo
precisa devotar-se, com fervor, ao aproveitamento das bênçãos que recebe,
porque, inegavelmente, toda cooperação exterior pode ser interrompida e cada
filho de Deus é herdeiro de possibilidades sublimes e deve funcionar como
médico vigilante de si mesmo.