SEGUNDO A CARNE[1]
“Porque, se viverdes segundo a carne,
morrereis.”
Paulo
Romanos, 8:13
Para quem vive segundo a carne, isto
é, de
conformidade com os impulsos inferiores, a estação de luta terrestre
não é mais que uma série de acontecimentos vazios.
Em todos os momentos, a limitação ser-lhe-á fantasma incessante.
Cérebro esmagado pelas noções negativas encontrar-se-á com a morte, a cada passo.
Para a consciência que teve a infelicidade de esposar concepções tão escuras
não passará a existência humana de comédia infeliz.
No sofrimento, identifica uma casa adequada ao desespero.
No trabalho destinado à purificação espiritual, sente o
clima da revolta.
Não pode contar com a bênção do amor, porquanto, em face da apreciação
que lhe é própria, os laços afetivos são meros acidentes no mecanismo dos
desejos eventuais.
A dor, benfeitora e conservadora do mundo, é-lhe
intolerável, a disciplina; constituí-lhe angustioso cárcere e o serviço aos
semelhantes representa pesada humilhação.
Nunca perdoa, não sabe renunciar, dói-lhe ceder em favor de alguém e, quando
ajuda, exige do beneficiado a subserviência do escravo.
Desditoso o homem que vive, respira e age, segundo a
carne! Os conflitos da posse atormentam-lhe o coração, por tempo indeterminado,
com o mesmo calor da vida selvagem.
Ai dele, todavia, porque a hora renovadora soará sempre!
E, se fugiu à atmosfera da imortalidade, se asfixiou as melhores
aspirações da própria alma, se escapou ao exercício salutar do sofrimento, se
fez questão de aumentar apetites e prazeres pela absoluta integração com o “lado
inferior da vida”, que poderá esperar do fim do corpo, senão sepulcro, sombra e
impossibilidade, dentro da noite cruel?