POR QUE A
CRIANÇA SOFRE?
"Que dizer, enfim, dessas crianças
que morrem em tenra idade e da vida só conheceram sofrimentos? Problemas são
esses que ainda nenhuma filosofia pode resolver anomalias que nenhuma religião
pôde justificar e que seria a negação da bondade, da justiça e da providência
de Deus, se verificasse a hipótese de ser criada a alma ao mesmo tempo em que o
corpo e de estar a sua sorte irrevogavelmente determinada após a permanência de
alguns instantes na Terra,"
Allan Kardec "O Evangelho Segundo o
Espiritismo" - Capítulo V, item 6.
Diante dos sofrimentos infantis, é comum
que as pessoas comentem "que as crianças não deveriam sofrer," alegam
que são inocentes, indefesas, etc. Ao se defrontarem, nos hospitais, com
crianças enfermas, portadoras de doenças incuráveis, passando por dores e
dificuldades, ou vivendo na própria família a situação de um filho enfermo, não
são poucos aqueles que se revolta contra Deus, culpando-O e tentando, de alguma
maneira, entender as causas dessas provações.
Realmente, o coração se confrange frente
a recém-nascidos enfermos, às vezes portadores de graves deficiências, ou de
crianças com mais idade cuja vida é um verdadeiro calvário de dor.
Por outro lado, encontramos crianças que
desde o berço sofrem maus-tratos dos pais ou responsáveis.
Crianças torturadas por adultos;
crianças vítimas de agressões físicas e psicológicas; crianças relegadas ao
abandono, obrigadas a mendigar pelo pão de cada dia; crianças levadas aos
vícios por adultos pervertidos; crianças obrigadas a trabalho escravo - enfim,
triste é o quadro de tais sofrimentos infantis.
Para arrematar este panorama, crianças
que morrem cedo e, conforme a opinião de muitos, prematuramente. Morrem como
avezinhas frágeis que as misérias físicas, morais, sociais e espirituais
atingem de maneira fatal.
Indagações surgem:
Fatalidade?
Azar?
Castigo de Deus?
Injustiça e crueldade divinas?
A maioria dessas perguntas segue sem
resposta pela vida afora, visto que as religiões não têm como explicar, de
forma profunda e lógica, o que realmente ocorre e por que ocorre. Como também
os psicólogos, psiquiatras, sociólogos, etc. em que pese ao respeito que nos
merecem e reconhecendo quanto têm ajudado a minorar os conflitos humanos,
esbarram em pontos enigmáticos, difíceis de serem compreendidos e explicados.
Não admitindo a existência de Deus, do
espírito, da reencarnação, da Lei de Causa e Efeito, do livre-arbítrio, faltam
a todas essas pessoas e credos religiosos os recursos para um entendimento
maior acerca do sentido da vida.
Como já foi dito, a
criança é um espírito reencarnado; este
conhecimento modifica toda a visão da vida terrena, aclarando as causas das
lutas, dos sofrimentos, dos relacionamentos, o motivo dos desencontros entre as
pessoas, as desigualdades intelectuais, morais, sociais, o porquê dos poucos
instantes de felicidade que os seres humanos desfrutam, enfim, uma visão
inteiramente nova acerca do mundo e do próprio Universo. Tudo isto remete a
criatura a algo verdadeiramente notável e fundamental para seu crescimento, a
descoberta de Deus, como Pai misericordioso, onipotente, mas, acima de tudo, a
perfeita justiça e bondade.
No livro Entre a Terra e o Céu,
ditado pelo Espírito André Luiz apresenta-nos o caso Júlio, que esclarece
bastante quanto à questão do sofrimento e à necessidade da reencarnação.
Vejamos, em síntese, alguns pontos desse
interessante relato.
Júlio era o filho caçula do ferroviário
Amaro e sua esposa, Odila. Esta desencarnou, deixando-o com a filha
adolescente, Evelina, e o pequeno Júlio. Ao fim de algum tempo, Amaro casa-se
com Zulmira. Esta tem dificuldade de se relacionar com os filhos do primeiro
casamento de Amaro, especialmente com o menino, muito ligado ao pai, que lhe
dedicava muito carinho e atenção. Vendo-os juntos, a madrasta passa a ter
ciúmes do enteado, imaginando que, se ele morresse, teria o marido para si, não
tendo que dividi-lo com mais ninguém, já que Evelina era muito retraída e não
lhe dava trabalhos.
Num passeio à praia, Zulmira
descuida-se, propositadamente, do garoto, então com oito anos, e este acaba
morrendo afogado. No último instante, ela se arrepende, mas já era tarde. Presa
de remorsos, ela adoece, pois o marido, por sua vez, distancia-se dela,
julgando-a relaxada e cruel com os filhos.
Entretanto, Júlio trazia consigo a morte
prematura no quadro de provações. Era um suicida reencarnado...
São esclarecimentos de Clarêncio,
instrutor espiritual de André Luiz, na obra citada.
Júlio, espírito, é imediatamente
amparado e levado; para uma instituição, no plano espiritual, o "Lar da
Bênção", importante colônia educativa, misto de escola de mães e domicílio
de pequeninos que regressam da esfera carnal.
O menino apresentava um quadro de sofrimento
e, por isso, necessitava de atendimento especial, tendo sido entregue aos cuidados
de Blandina, espírito detentor de expressivos méritos, que o acolheu em seu próprio
lar.
Júlio tinha poucos momentos de tranquilidade:
chorava, inquieto, sentia dores na garganta, onde se localizava uma extensa
ferida.
Clarêncio, visitando-o para inteirar-se
de seu estado, aplica-lhe passes anestesiantes que proporcionam grande alívio
ao pequeno enfermo.
Por outro lado, Odila, tomada de ciúmes
da nova esposa de Amaro e julgando-a culpada pela morte do filho, passa a
obsidiá-la, de forma muito intensa, o que agrava o estado físico e psíquico de
Zulmira. No seu desvario, a primeira esposa do ferroviário não se dava conta de
que, nesse processo de vingança contra aquela que julgava sua rival e assassina,
se distanciava do filho. Após várias providências dos Benfeitores Espirituais, visando
à reaproximação e envolvendo o pequeno grupo de encarnados e desencarnados
ligados aos acima mencionados, Odila desperta para a realidade e modifica
inteiramente o seu modo de pensar e agir, sendo então levada até o lar de Blandina,
ocorrendo assim o seu reencontro com o filho querido. Embora a presença da mãe,
este não apresentava melhoras significativas, não se livrara de seu sofrimento na
região da glote. É esclarecido que Júlio, em anterior existência, vivida em
Assunção após uma desilusão amorosa, ingeriu grande dose de corrosivo, tendo
sobrevivido por alguns dias; porém, não suportando as dores que o atormentavam,
embededou-se e jogou-se no rio Paraguai, terminando assim a vida física.
Renascera, posteriormente, como filho daqueles
aos quais estava vinculado espiritualmente, Amaro e Odila, mas, em razão dos
seus graves comprometimentos, teria um período curto no plano físico,
desencarnando, portanto, por afogamento no mar.
Sabemos que o suicídio acarreta
dolorosas consequências. De volta à esfera espiritual, Júlio ressente-se ainda
das feridas na garganta e no esôfago, por ter ingerido o corrosivo, lesões
estas que sulcaram o seu perispírito, gerando profunda distonia vibratória. Os
instrutores espirituais, diante de seu sofrimento, elucidaram que a única maneira
de curá-lo seria o retorno ao plano terreno em um novo corpo. Seria novamente filho
de Amaro, mas sua mãe seria Zulmira, visto estarem os três enredados e comprometidos
naquela anterior existência.
Júlio retorna ao cenário terrestre. Seu
novo corpo expressa as lesões resultantes do suicídio, mas é o abençoado dreno
de suas energias ainda em desequilíbrio, agindo como escoadouro dos débitos do
passado. A sua vida física é curta e ele desencarna em decorrência das sequelas
pretéritas. Mas, na espiritualidade, Júlio se vê finalmente livre das injunções
cármicas que contraíra. A partir daí, está em condições de retomar a sua caminhada
evolutiva. Novamente reencarna, no mesmo lar e com os mesmos pais anteriores,
entretanto recomeça muito melhor, com novas esperanças e perspectivas de mais próxima
felicidade. Os envolvidos na trama do pretérito estão agora rearmonizados.
Pode-se observar no caso Júlio dois
pontos básicos: as vinculações criadas a partir dos desatinos cometidos na
última encarnação desse pequeno grupo de espíritos e, também, que somente
através do retorno ao plano físico conseguiriam alcançar a necessária reparação
perante as leis divinas e a reconstrução das próprias vidas.
As leis de Deus são perfeitas e
equânimes para todos os seres e coisas que povoam e preenchem o Universo. Os
sofrimentos são inerentes ao nosso estágio evolutivo; o que vale dizer que
ninguém é inocente ou isento de falhas, deficiências e culpas.
A criança sofre porque, na realidade, é
um espírito multimilenar reencarnado, com nova roupagem física, mas que traz do
passado a sua história pessoal, a refletir-se no hoje.
Allan Kardec ensina:
"O homem, pois, nem sempre é punido,
ou punido completamente, na sua existência atual, mas não escapa nunca às consequências
de suas faltas. ( ... ) Rendamos graças a Deus, que, em sua bondade, faculta ao
homem reparar seus erros e não o condena irrevogavelmente por uma primeira
falta".
(Allan Kardec, O Evangelho Segundo o
Espiritismo - cap. V, itens 6 e 8).