E
haverá no mundo uma religião única, bela e digna de Deus, dirigida pela ‘A Verdade’. Os seus fundamentos
já foram lavrados.[2]
MUITOS
MESTRES, MUITAS VERDADES, E MUITOS DISCÍPULOS CONFUSOS.
Ao longo da história, tomamos conhecimento de
inúmeros missionários, disseminadores de revelações espirituais específicas,
fundadores de novas escolas espiritualistas das mais diferentes interpretações.
Nos dias de hoje enxameiam sacerdotes, pastores, médiuns, gurus, mestres,
magos, sensitivos, hierofantes, mediadores entre homens e forças superiores.
Todos são portadores de novas revelações. Alguns são bem intencionados e
sinceros, outros excêntricos e egocêntricos. Mas, a maioria destes novos
missionários, atribuem para si mesmos a posse do verdadeiro conhecimento, ou,
no mínimo, se auto proclamam os verdadeiros propagadores da verdade.
Assim, podemos constatar: há muitos
“mestres”, muitas “verdades”, mas também, muitos discípulos confusos.
A
DESMISTIFICAÇÃO DO CONHECIMENTO SECRETO
Allan Kardec, embora tido pelos espíritas
como um missionário, jamais se proclamou como tal. Sua doutrina não é produto
de uma tese pessoal, de cunho personalista, elaborada por revelação em algum
“lugar santo”, isolado, após alguma superexperiência mística e solitária,
totalmente subjetiva.
Sua mensagem não tem caráter dúbio, secreto,
iniciático, simbólico, ainda que em sua essência estejam elementos do
conhecimento perdido das antigas escolas de mistério, outrora revelado por
luminares guardiões desse conhecimento espiritual, cuja disseminação
perpetuava-se de boca a ouvido, à meia luz dos grandes templos de mistérios de
todas as grandes civilizações do passado.
Seu corpo doutrinário é exposto de forma
exotérica (exposto ao público e não esotérica = fechada dentro de um grupo) e
didática, desmistificando a aura de mistério, de sobrenatural e maravilhoso que
tanto impressiona os incautos, mas que também fascina os orgulhosos e
manipuladores do bom-senso.
TRÊS
TIPOS DE PESSOAS QUE HOSTILIZAM ALLAN KARDEC E SUA MENSAGEM
Este insigne missionário ainda é praticamente
desconhecido em nossos dias, assim como sua mensagem, que se constitui uma
exaltação à lógica e à moral para o homem contemporâneo, mais emancipado de
atavismos.
Allan Kardec é hostilizado por três classes
de pessoas:
1.
Pessoas de mentalidade materialista, espiritualmente incultas,
incapacitadas para compreender algo que transcenda o limitado alcance dos cinco
sentidos.
2.
Pessoas bem intencionadas, porém, presas a dogmas de fé, ainda
inaptas a apreender a essência abrangente de sua mensagem. São sinceros em suas
convicções, embora estas sejam frágeis, embasadas na fé cega e no comportamento
imediatista, hiperatrofiado pelo excessivo enfoque ao culto exterior.
3.
Pessoas que reconhecem, mas temem o alcance e a profundidade de
sua revelação, em função de interesses escusos e mundanos. Às vezes também, por
estarem atados, consciente ou inconscientemente, a convicções próprias e,
assim, preferem combatê-lo e repudiá-lo. Normalmente, são de mentalidade
preconceituosa e fundamentalista, vivendo acomodados aos mais aprisionadores
atavismos.
A
MENSAGEM QUE SATISFAZ MENTE E CORAÇÃO
Allan Kardec traz uma mensagem libertadora. Uma
revelação interessantíssima, com impacto direto sobre o coração, pelas vias do
raciocínio, a todo ser humano não preconceituoso, com ouvidos para ouvi-la e
disposição para estudá-la, discerni-la, senti-la, praticá-la, para só assim,
então, começar a compreendê-la.
Este incomparável missionário da religião
interior, cujo exemplo, senso moral e aspiração elevada dão testemunho da
grandeza intocável de seu espírito superior, pode ser conhecido em plenitude
através do legado incomparável de sua obra que, na verdade, nada mais é senão a
compilação de um sopro provindo de horizontes mais longínquos, tingidos pelas
cores de um novo e desconhecido alvorecer — faixas vibracionais onde atua a
existência supra dimensional do homem.
O MENINO
DE OLHOS CLAROS, DE PERSONALIDADE ENÉRGICA E PERSEVERANTE.
Aquele que hoje conhecemos pelo nome de Allan
Kardec chamava-se Hippolyte Léon Denizard Rivail. Nascido em Lyon, França, às
19h do dia 3 de outubro de 1804, era filho de antiga família lionesa, católica,
nobre e de tradição. Foram seus pais Jean-Baptiste Antoine Rivail, respeitável
advogado e juiz do tribunal de Lyon, e Jeanne Louise Duhamel.
Hippolyte desde cedo mostrou inclinação para
os estudos filosóficos e científicos.
Privilegiado pela atmosfera de um lar
harmonioso teve seu desenvolvimento espiritual e cultivo de sua notável
inteligência favorecidos pela sabedoria e bondade de seus pais.
Era um menino simpático e robusto, de testa
ampla, olhos cinzentos, bem claros, quase azuis e de grande vivacidade.
Tranquilo e moderado, seu temperamento equilibrado denotava personalidade
enérgica e perseverante.
ÉPOCA DE
GUERRAS E DESCRENÇA
O pequeno Rivail nasceu em uma época de
graves agitações políticas, conflitos sociais e religiosos, não apenas na
França, mas em todo o mundo. Era a época de Napoleão I. Os franceses sofriam o
peso de intermináveis chacinas e toda a Europa se transformara em sangrento
campo de batalha.
O materialismo, a descrença, a intolerância
religiosa predominavam. Os membros proeminentes do clero, com raras exceções,
compartilhavam avidamente da roda dos interesses mundanos, tragicamente
esquecidos do exemplo do Sublime Nazareno, de quem se auto intitulavam
legítimos representantes na Terra.
Em razão dos abusos desses sacerdotes, que
jamais esconderam sua predileção por César, além de suas superficiais
interpretações teológicas que unicamente fomentavam o culto exterior, os homens
do povo se revoltavam e os mais cultos passavam a duvidar das realidades
espirituais.
O ALVORECER DA RELIGIÃO INTERIOR
Surgiam, então, novos filósofos, escritores,
cientistas e artistas que negavam a existência de Deus e a imortalidade da
alma.
O materialismo erguia o seu cetro sobre o
império do ceticismo e da indigência existencial.
Todas as exterioridades da Igreja, as
semeaduras de descrença da filosofia, da ciência e da arte, geravam enorme
inquietação espiritual nas almas, fomentavam um amargo vazio interior.
Mas justamente quando o Positivismo de
Auguste Comte preconizava o absurdo da negação e o Catolicismo
extravagantemente proclamava, com Pio IX, a infalibilidade papal (o papa não
erra), o céu deixava cair a revelação abençoada dos túmulos, que começaria a
germinar, gradativamente, nos canteiros da razão e do sentimento do homem
contemporâneo, promovendo a essencial revolução íntima e silenciosa, que
culmina no alvorecer da religião interior.
LYON, A
“CIDADE DOS MÁRTIRES”
O menino Hippolyte tinha o hábito de meditar
sobre as águas contrastantes de dois rios de sua cidade natal: o Sona, sereno e
inspirador, quase imóvel, e o Ródano, impetuoso e lendário. Virgílio, o famoso
poeta romano, cantou o Sona em seus versos. Já o Ródano, fora o rio dos
navegadores gauleses, dos fenícios, dos gregos e dos romanos. Sobre suas águas
Potino trouxera para Lyon o Evangelho de Jesus Cristo.
Rivail amava sua querida Lyon. Sentia prazer
em visitar as velhas ruínas e os lugares tradicionais da cidade que fora,
outrora, a capital da Gália Romana.
Absorto em meditações, o pequeno missionário
visitava os teatros romanos em ruínas, as antigas construções cristãs, os
bairros operários e os museus. Aprendera que Lyon fora a “cidade dos mártires”
e que, nos primórdios do Cristianismo, abrigara o sangue de inúmeros mártires,
sacrificados pela intolerância dos romanos, tais como Potino, quase centenário,
arrastado e espancado por cruéis verdugos… a jovem escrava Blandina, submetida
a torturas e à morte no anfiteatro… o menino Pôntico, de apenas quinze anos…
Átalo, Alexandre e muitos outros…
Assim, seus olhos mergulhavam num tempo
perdido e insondável, naquela presente e, ao mesmo tempo, distante terra dos
gauleses, tida pelos antigos autores, Lucano, Horácio e Florus como
“depositária dos mistérios do nascimento e da morte…”
O
PROFESSOR QUE ERA CHAMADO DE “PAI”
Aos 12 anos, Rivail concluiria seus estudos
em sua amada Lyon. Seus pais, desejosos em lhe oferecer boa educação, vivendo o
clima das lutas religiosas reinantes na França de então, entenderam por bem
confiar o único filho ao famoso educador Johann Heinrich Pestalozzi, o mais
sábio, respeitado e célebre professor daquele tempo, precursor da moderna
educação, da chamada “escola ativa”; e fundador da primeira escola profissional
do mundo, na Suíça.
Doutor em direito e professor de história na
Universidade de Zurique, Pestalozzi consagrou sua inteligência, seu tempo, seu
coração e sua vida à causa dos órfãos e da infância desamparada, vitimada pelas
guerras. Foi inspirador dos famosos “jardins de infância” de Froebel e
disseminador de abrigos educativos em várias cidades de sua pátria. Seus
evoluídos conceitos sobre educação espalharam-se pela Europa e pela América,
reformando o antigo sistema das escolas.
Benfeitor da humanidade manuseava a bíblia
todos os dias. Educador de órfãos e de príncipes, era justo e bom, sustentador
de ideias liberais.
Desfrutaria o menino Rivail a companhia desse
mestre em excelência, verdadeiro formador de caráter. Tão amado era que seus
alunos o chamavam de “pai” Pestalozzi.
NO CASTELO ÀS MARGENS DE UM ANTIGO LAGO GAULÊS
O famoso Instituto Pestalozzi ocupava um
antigo castelo em Yverdon — a mesma cidade gaulesa antiquíssima de Elbrodunum.
O edifício, ladeado por quatro grandes torres, erguia-se às margens do Lago de
Neuchatel.
Foi na atmosfera inspiradora e pacífica deste
velho castelo que Rivail conviveu com seu educador durante oito anos,
preparando-se para o magistério. Dele absorveu a bondade e a sabedoria
proveniente de seu espírito superior, cujo coração grandioso abrigava com
carinho e afeto as crianças ricas, mas também as pobres, fazendo de seu famoso
instituto um oásis de harmonia e estudo num mundo, lá fora, de guerras e
ignorância.
O
DISCÍPULO SUBSTITUI O MESTRE
Após dois anos de sua chegada à Suíça, com 14
anos, o adolescente Rivail já lecionava para alguns de seus colegas, em classes
a ele confiadas por Pestalozzi.
Dedicado ao estudo das diversas disciplinas
do curso normal do Instituto, estudou ainda teologia, filosofia e diversas
línguas. Adquiriu consistentes conhecimentos em medicina, apresentando
brilhante tese por ocasião de sua formatura.
Ainda em Yverdon, aos 19 anos,
interessaram-se pelos estudos do magnetismo, na época, catalisador do interesse
dos sábios e médicos da França e outros países europeus.
Já moço, Rivail recebeu toda a confiança de
seu mestre, tornando-se o discípulo predileto. Todas as vezes que Pestalozzi se
ausentava do Instituto, o jovem lionês assumia sua direção, coordenando e
lecionando os mais variados cursos.
MENTALIDADE
TOLERANTE E LIBERAL
Nessa atmosfera pacífica e de fertilidade
cultural-espiritual, o jovem, católico até então, conheceu dissabores e
desgostos por parte de alguns protestantes de Yverdon. Mas ele nunca se abateu.
Ao contrário, fortaleceu e aprimorou seu sentimento de tolerância e respeito às
crenças alheias. Talvez, até, sob as sombras do castelo do Instituto, tenha
cogitado uma reforma espiritual que fizesse desaparecer ódios religiosos e
reunificasse o Cristianismo, de acordo com o Espírito de Amor de Jesus.
Em 1824, Pestalozzi, já velho e esgotado,
providenciava o fechamento do famoso instituto, em decorrência dos incontáveis
sofrimentos morais por que passava. Rivail, completara vinte anos. Mestre e
discípulo se abraçam e se despedem. O jovem professor parte para Paris, França,
levando na intimidade de sua alma, as lições inesquecíveis do grande educador,
cuja influência moral jamais deixaria de inspirá-lo, durante todos os grandes
momentos de sua vida missionária.
O JOVEM
PROFESSOR RIVAIL; SEU INSTITUTO E SUAS OBRAS.
Com larga experiência de magistério, pois
iniciara aos 14 anos, na Suíça, o jovem professor Rivail, como passa a ser
conhecido, inicia sua carreira, bacharelado em ciências e letras.
Em 1824, publica, na capital francesa, suas
primeiras obras: “Aritmética do 1.º Grau” e um “Curso Teórico e Prático de
Aritmética”, segundo o método de Pestalozzi (em dois volumes).
Um ano depois, com vinte e um anos, publica
nova obra: “Escola de Primeiro Grau” e funda um colégio nos moldes do Instituto
de Yverdon, denominado “Instituto Educacional Técnico”. Disposto ao trabalho,
mas não dispondo de recursos financeiros, torna-se então sócio de um tio, irmão
de sua mãe, que lhe provê o capital necessário para as instalações da escola.
Publica vários outros livros com ampla
aceitação em todo o país: obras sobre matemática, sobre a língua francesa,
sobre física, fisiologia e astronomia. Muitas de suas obras foram adotadas pela
Universidade da França, o que atesta o alto valor dos livros do jovem
professor.
NOTORIEDADE
E VIGOR CULTURAL
Rivail continua seus estudos lingüísticos na
França. Além de sua língua pátria, conhecia profundamente o inglês, o alemão e
o holandês. Falava, também, o italiano e o espanhol e possuía sólidos
conhecimentos do latim, do grego e do gaulês.
Essa grande capacitação do jovem professor
deu-lhe notoriedade ao mundo da cultura francesa, principalmente, com a publicação
de uma obra importantíssima, editada em 1831, aos 27 anos: “Gramática Francesa
Clássica”. Ainda no mesmo ano, o já famoso professor apresenta à Academia Real
de Arrás um importante trabalho: “Qual o Sistema de Estudos mais em Harmonia
com as Necessidades da Época?”. Nesta obra, ele abrange o tema da reforma dos
estudos clássicos. Essa tese alcançou o primeiro prêmio da Academia, que lhe
conferiu medalha de ouro e reconhecimento no meio cultural.
Tornou-se conhecido na Alemanha por traduzir
para o alemão várias obras de educação e de moral, principalmente de Fénelon
que, posteriormente, se apresentaria, em espírito, a Allan Kardec como um dos
integrantes da equipe de espíritos encarregados em transmitir a Terceira
Revelação.
AMÉLIE
BOUDET, COMPANHEIRA INSEPARÁVEL DE TODOS OS MOMENTOS.
Hippolyte Rivail prossegue pela vida
revelando-se um trabalhador de fôlego, sempre acordando muito cedo, lecionando,
escrevendo, traduzindo. Depois de algum tempo, com os frutos de seu trabalho
honesto, conquista uma relativa estabilidade econômica.
Aos 27 anos, casa-se com distinta professora,
a senhorita Amelie Boudet, uma jovem culta, poetisa e pintora que conhecera no
“Instituto Educacional Técnico”. Lecionava letras e belas-artes.
Foram muito felizes, verdadeiramente unidos
na alegria e na dor dos grandes testemunhos. O amor de ambos transcendeu os
estreitos limites de um casamento comum, estendendo-se à humanidade, no esforço
pela divulgação de uma imprescindível revelação do Alto concedida à Terra.
“TRABALHO,
SOLIDARIEDADE E TOLERÂNCIA”
Rivail notabilizou-se através de inúmeras
sociedades culturais da França. Torna-se sócio honorário da “Sociedade de
Estudos Gramáticos de Paris”; sócio catedrático do “Instituto Histórico da
França”, membro da “Sociedade de Ciências Naturais da França” e de muitas
outras instituições parisienses e outras cidades.
Em razão da inconsequência de seu tio e
sócio, jogador inveterado, Rivail atravessa seríssimas dificuldades em 1835,
sendo forçado a fechar seu Instituto para não acarretar prejuízos a terceiros.
Liquidado o Instituto, recebe determinada
quantia a ele correspondente, confiando-a a um amigo comerciante. Dias depois,
esse comerciante abre falência, nada deixando aos credores.
Esses dois reveses não abatem o ânimo do
casal. Rivail e Gaby, como era conhecida Amélie na intimidade, dispõem-se a
todos os sacrifícios. Sob o lema de Rosseau “Trabalho, Solidariedade e
Tolerância”, recebido de Pestalozzi, na Suíça, ambos trabalham, irmanam-se no
espírito de solidariedade conjugal, perdoando sempre e tolerando com resignação
as duras provas da vida.
LECIONANDO
GRATUITAMENTE A JOVENS FRANCESES DESFAVORECIDOS
Uma das inquestionáveis provas da elevada
condição moral de Rivail está no fato de receber alunos pobres em sua própria
casa, justamente na fase financeira mais difícil de sua vida. Leciona-lhes,
gratuitamente, durante cinco anos, cursos de química, física, astronomia e
anatomia comparada. Esses cursos beneficiam inúmeros jovens e adolescentes
franceses, encerrando exemplo vivo de amor e caridade, recebido de seu mestre
Pestalozzi, remanescente em seu coração generoso. O dedicado professor não é
indiferente às grandes dificuldades desses muitos estudantes desfavorecidos.
Nessa sua difícil fase, durante o dia
encarrega-se da contabilidade de três estabelecimentos comerciais. À noite,
continua trabalhando, escrevendo novas obras didáticas, traduzindo livros
ingleses e alemães para editoras francesas e dando aulas particulares nos
cursos de Levy-Alvarés. Leciona, ainda, diversas disciplinas no “Liceu
Polimático”, onde assume o cargo de diretor.
O
FENÔMENO DAS “MESAS GIRANTES”
Em 1854 Rivail, com 50 anos, é um mestre
respeitado, escritor reconhecido com obras didáticas adotadas pela Universidade
da França. Equilibrado, sua mente está amadurecida e o coração sereno e
compassivo, pronto para dar início ao cumprimento da missão que haveria de
desempenhar.
A França, assim toda a Europa estava com a
atenção voltada para os fenômenos das chamadas “mesas girantes”. Pessoas de
todos os níveis culturais e sociais, indiferentemente de suas convicções
religiosas, estavam às voltas com sessões em que se realizavam fenômenos de
efeitos físicos.
Nessas sessões, as mesas eram movimentadas
por entidades espirituais, respondendo, por códigos, às perguntas feitas pelos
participantes.
Muitas pessoas sérias, orientadas por
espíritos bondosos e sábios, obtinham comunicações elevadas e interessantes.
Mas em geral, esses fenômenos se davam para o divertimento dos salões
parisienses, alheios para compreender a extensão do novo fenômeno.
DO
CETICISMO À INVESTIGAÇÃO CRITERIOSA
Foi o magnetizador Fortier quem falou ao
professor Rivail sobre esses espantosos fatos mediúnicos. Outro amigo,
companheiro de juventude, um corso de nome Carloti, também lhe chamou a atenção
sobre tais acontecimentos inexplicáveis.
Em razão de sua mentalidade crítica e
científica, o respeitado professor manteve-se reservado e distante. Até que um
dia, no lar dos amigos sr. Pârtier e senhora Plainemaison, pela primeira vez,
assiste a diversos fenômenos mediúnicos, onde as mesas saltavam e corriam,
sozinhas.
O que o professor via em casa de seus amigos,
repetia-se por todas as partes do mundo. Mas os assistentes, com raras
exceções, pareciam não compreender o alcance de tudo aquilo, fazendo dessas
reuniões um passatempo ocioso e fútil.
Mais tarde, diria Allan Kardec: “Entrevi
naquelas aparentes futilidades, no passatempo que faziam daqueles fenômenos,
qualquer coisa de sério, como que a revelação de uma nova lei, que tomei a mim
mesmo investigar a fundo”.
Assim, Rivail mudaria o rumo dos
experimentos, dirigindo perguntas filosóficas, recolhendo informações,
comparando-as, categorizando-as. Em sessões especiais, utilizaria a mediunidade
de duas meninas, filhas de seu amigo Boudin, Caroline e Julie, quando recebe a
maior parte dos ensinamentos contidos em O Livro dos Espíritos.
O ANTIGO
DRUIDA REAPARECE
Através de um espírito guia da família
Boudin, Rivail tomou conhecimento de que se chamara Allan Kardec, numa
existência anterior, ao tempo de Júlio César, na Gália, na verdade, antigo nome
do território francês. De acordo ainda com esse espírito amigo, que se
apresentava com o nome de Zéfiro, declarou ainda ser o professor Rivail um
antigo sacerdote gaulês — um druida. O próprio Zéfiro teria sido seu discípulo e
companheiro de tarefas religiosas entre os gauleses. Allan Kardec era, na
hierarquia sacerdotal da época, seu superior.
Zéfiro ainda fez outra revelação: Rivail
estaria novamente nas lutas terrenas para cumprir importante missão espiritual.
Mais tarde, outros benfeitores espirituais confirmariam essa revelação. Todos
lhe prometiam auxílio, encorajavam-no e aconselhavam-no a ter perseverança e
discrição,
Os druidas foram detentores de grandes
conhecimentos secretos, tradicionalmente transmitidos de boca a ouvido. Entre
esses conhecimentos estavam a reencarnação, a concepção dos diferentes domínios
espirituais, as diferentes categorias de espíritos, a evolução contínua do
espírito, a lei de causa e efeito, entre outros.
Por ocasião do lançamento de O Livro
dos Espíritos, em 1857, o professor Rivail resolveu apresentá-lo a público
com o seu antigo nome gaulês — Allan Kardec.
Assim, reaparece o antigo druida, adequando
conhecimentos já vivenciados e melhor apreendidos, apto a novamente
transmiti-los, tornando-se verdadeiro porta-voz de uma legião de outros tantos
seres espirituais, mais emancipados da ignorância espiritual que, por enquanto,
ainda ensombrece a Terra.
A
DOUTRINA ESPÍRITA REVELADA PELA MEDIUNIDADE DE QUATRO MENINAS
É interessante observar que a excelência
doutrinária inegável do Espiritismo, codificado por Allan Kardec deve-se, em
sua quase totalidade, à mediunidade de quatro meninas. Através da inocência e
da potencialidade mediúnica dessas quatro inocentes crianças, foram trazidas à
Terra explicações notáveis, questões complexas das mais variadas áreas da
filosofia, ciência e religião, mantendo-se irrefutáveis até os dias de hoje
—sobretudo o aspecto moral. Os opositores gratuitos do Espiritismo jamais tocam
neste assunto, pois se trata de um fato difícil para se depreciar e muito menos
para se refutar.
As meninas foram: Caroline e Julie Boudin (16
e 14 anos, respectivamente), Ruth Japhet e Aline Carlotti— verdadeiros anjos
reveladores da nova mensagem do Céu para os dias futuros. As reuniões, a princípio,
realizavam-se na intimidade da casa da família Boudin e as respostas dos
espíritos eram transmitidas por meio da cesta de bico, a que se adaptava um
lápis. As meninas punham as mãos sobre a cesta que se movia, escrevendo
mensagens, com absoluta impossibilidade sincrônica de ação dos médiuns na
escrita. Esses escritos, que deram origem a O Livro dos Espíritos,
seriam, posteriormente, comparados aos de outros médiuns, todos rigorosamente
escolhidos pelo codificador.
O antigo druida ressurgido teria ainda
recebido comunicações da parte dos bons espíritos, através de outra menina
médium: Ermance Dufaux. Essas mensagens tiveram por objetivo encorajá-lo na
realização de uma nova empreitada: A “Revista Espírita”. Ermance, aos 14 anos,
psicografara um admirável livro histórico “A Vida de Joana d’Arc, Ditada por
Ela Mesma”, além de outras obras.
O LIVRO
DOS ESPÍRITOS: CÓDIGO PARA UMA NOVA FASE DA EVOLUÇÃO HUMANA
O Livro dos Espíritos causou
grande repercussão na França. Homens de ciências e artes como o astrônomo
Camille Flammarion, o grande poeta Victor Hugo, os escritores Balzac e Teophile
Gautier, o pensador Léon Denis, além de inúmeros outros filósofos e literatos
sentiram-se atraídos pela luz da nova revelação.
O próprio imperador da França, Napoleão III,
sobrinho de Napoleão Bonaparte, solicita a presença de Kardec no Palácio das
Tulherias e mantém longas conversações com o codificador sobre O Livro
dos Espíritos.
Esta obra é o marco inicial, a pedra
fundamental do Espiritismo. Mais do que isso, é também o código de uma nova
fase da evolução humana.
Sobre O Livro dos Espíritos,
explica J. Herculano Pires: “O livro começa pela metafísica, passando em
seguida à cosmologia, à psicologia, aos problemas propriamente espíritas da
origem e natureza do espírito e suas ligações com o corpo, bem como aos da vida
após a morte,. para chegar, com as leis morais, à sociologia e à ética e
concluir, no Livro IV, com as considerações de ordem teológica sobre as penas e
gozos futuros e a intervenção de Deus na vida humana.”
A REVISTA
ESPÍRITA E A SOCIEDADE PARISIENSE DE ESTUDOS ESPÍRITAS
No dia 1.º de janeiro de 1858 surge a Revista
Espírita, dirigida pessoalmente por Allan Kardec, até sua desencarnação, em
1869.
Três meses depois, é fundada a Sociedade
Parisiense de Estudos Espíritas, tendo como seu presidente espiritual o
espírito de São Luis, ou Luis IX, rei da França.
Ainda neste mesmo ano, Kardec publica um
pequeno livro de esclarecimentos doutrinários denominados Instruções
Prática sobre as Manifestações Espíritas.
No ano seguinte, em 1859, mais uma obra do
codificador é trazida à lume: O que é o Espiritismo, uma introdução
aos estudos da doutrina.
VIAGENS
ESPÍRITAS E A PUBLICAÇÃO DE O LIVRO DOS MÉDIUNS
Em 1860, o antigo druida ressurgido visita
diversas cidades da França. O objetivo é esclarecer, confortar e incentivar os
primeiros núcleos espíritas recém-formados.
Na noite de 19 de setembro, Kardec é recebido
no Centro Espírita de Broteaux, único existente em Lyon, uma das cidades
visitadas. À porta esperam-no Dijou, operário, chefe de oficinas, e sua esposa.
É o primeiro encontro de dirigentes espíritas da História. A mão do grande
pensador aperta vigorosamente os dedos calosos e ásperos do companheiro, a quem
chama “irmão”.
Nos primeiros dias do ano seguinte, em 1861,
o infatigável missionário publica outra obra: O Livro dos Médiuns.
Considera-o como sendo “a continuação de O Livro dos Espíritos“, pois
também neste, os ensinamentos pertencem aos espíritos.
Mesmo escrito há mais de 100 anos esta obra
continua atualíssima e nenhuma outra, sobre a fenomenologia mediúnica,
conseguiu superá-la.
Explica o codificador, na introdução: “A
prática espírita é difícil, apresenta dificuldades que somente um estudo sério
e completo pode prevenir”.
Ainda em setembro deste mesmo ano, Kardec
viaja novamente a Sens, Macon e Lyon, constatando o desenvolvimento da
doutrina, não apenas entre os instruídos e cultos, mas, também, entre os
humildes e os simples de coração. Em outubro visita Bordéus.
A REAÇÃO
DO CLERO ANTE O ESPIRITISMO
O ano de 1861 ainda traz um fato desagradável
na história da doutrina. Allan Kardec envia obras espíritas à Espanha, a pedido
do amigo Lachatre, livreiro de Barcelona. A finalidade era difundir as novas
ideias naquele país.
Mesmo estando pagas as taxas da alfândega
espanhola, o bispo de Barcelona apreende ilicitamente trezentos volumes e os
faz queimar em praça pública, como nos antigos tempos da Inquisição.
Essa atitude do clero gerou grande revolta e
muitos assistentes gritaram: “Abaixo a Inquisição!”.
Contudo, essa atitude intransigente
contribuiu enormemente para a propaganda da doutrina.
A perseguição prosseguiu, dissimulada, mas
acirradamente, por muito tempo. O clero nunca escondeu seu desagrado com
relação à mensagem espírita.
Atualmente, a Igreja Católica, através dos
esforços ecumênicos do Papa João Paulo II e também em função de comissões
enviadas pelo Vaticano, para observação de fenômenos paranormais e de
Transcomunicação Instrumental, reconhece, em seu Novo Catecismo, a
possibilidade de comunicação com as almas dos “mortos” e até permite, em alguns
casos e com reservas, essas comunicações.
“O
ESPIRITISMO EM SUA EXPRESSÃO MAIS SIMPLES”
A 15 de janeiro de 1862 aparece um pequeno
livro intitulado O Espiritismo em Sua Expressão Mais Simples,
também de autoria do antigo druida. Trata-se de uma síntese da Doutrina,
escrita com simplicidade, “ao alcance de qualquer inteligência”,
esclarece o missionário.
Este livro alcança uma repercussão intensa,
cumprindo anterior previsão de um de seus guias espirituais, que afirmara:
“Este pequeno livro produzirá um efeito que não esperas… Será difundido com
grande amplitude e penetrará toda parte”.
De fato, a Doutrina se espalha pela Europa,
pela América, pelo norte da África, pelos países da Ásia. As obras de Allan Kardec
são traduzidas para vários idiomas. Em pouco tempo, apenas O
Espiritismo em Sua Expressão Mais Simples ganha versão para nove
idiomas: alemão, inglês, português, polonês, grego moderno, italiano, espanhol,
russo e croata…
“VIAGEM
ESPÍRITA DE 1862”
Os espíritas de Lyon e de Bordéus, nesse
mesmo ano de 1862, recebem mais uma vez a presença do codificador. Durante os
meses de setembro e outubro, sob rigoroso inverno, o missionário realiza longa
excursão de divulgação dos princípios da Doutrina. Visita vinte cidades da
França, discursando cinquenta vezes, unificando o pensamento e a conduta dos
espíritas.
Essa viagem originou duas publicações: Viagem
Espírita de 1862, e Refutações às Críticas contra o Espiritismo.
Em um de seus discursos, nessa sua peregrinação
espírita, o antigo druida afirma: “Homens da mais alta posição
honram-me com sua visita, porém nunca, por causa deles, um proletário ficou na
antecâmara. Muitas vezes, em meu salão, o príncipe se assenta ao lado do
operário. Se se sentir humilhado, dir-lhe-ei simplesmente que não é digno de
ser espírita. Mas, sinto-me feliz em dizer, eu os vi, muitas vezes,
apertarem-se as mãos, fraternalmente, e então, um pensamento me ocorria:
‘Espiritismo, eis um dos teus milagres; este é o prenúncio de muitos outros prodígios!
’”
“O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO”
TRATADO MORAL DOS ENSINAMENTOS DE JESUS
Kardec publica, em 1864, uma pequena
brochura: Resumo da Lei dos Fenômenos Espíritas e também a
obra que se consiste em verdadeiro tratado moral dos ensinamentos de
Jesus: O Evangelho Segundo o Espiritismo.
Inspirada e inteligentemente, o antigo druida
esclarece o objetivo dessa obra notável: Podemos dividir as matérias
contidas nos Evangelhos em cinco partes:
1)
Os atos comuns da vida do Cristo;
2)
Os milagres;
3)
As profecias;
4)
As palavras que serviram para o
estabelecimento dos dogmas da igreja;
5)
O ensino moral.
Se as quatro primeiras partes têm
sido objeto de discussões, a última permanece inatacável.
Diante desse código divino, a
própria incredulidade se curva. É o terreno em que todos os cultos podem
encontrar-se, a bandeira sob a qual todos podem abrigar-se, por mais diferentes
que sejam as suas crenças. Porque nunca foi objeto de disputas religiosas,
sempre e por toda parte provocadas pelos dogmas. Se os discutissem, as seitas
teriam, aliás, encontrado nele a sua própria condenação, porque a maioria delas
se apegaram mais à parte mística do que à parte moral, que exige a reforma de
cada um. Para os homens, em particular, é uma regra de conduta, que abrange todas
as circunstâncias da vida privada e pública, o princípio de todas as relações
sociais fundadas na mais rigorosa justiça. É, por fim, e acima de tudo, o
caminho infalível da felicidade a conquistar, uma ponta do véu erguida sobre a
vida futura. “É essa parte que constitui o objeto exclusivo desta obra”.
NO
CATÁLOGO DOS LIVROS PROIBIDOS
Prossegue o ano de 1864. O Espiritismo ganha
vulto com extraordinária rapidez. Dando mostras de sua intolerância, explícita
no auto-de-fé de Barcelona, a Igreja Católica Romana inclui em seu Índex, ou
seja, no seu Catálogo dos Livros Proibidos, as seguintes obras de Allan
Kardec: O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns e O Evangelho
Segundo o Espiritismo.
O codificador não se abate. Continua levando
a bom termo sua missão, tornando-se respeitado pelo seu bom-senso e conduta
moral irrepreensível.
Faz uma visita à Suíça, a terra de
Pestalozzi. Regressando a Paris é chamado pelos espíritas de Bruxelas e de
Antuérpia para uma visita às suas associações belgas.
“O CÉU E
O INFERNO – A JUSTIÇA DE DEUS SEGUNDO O ESPIRITISMO”
Em agosto, de 1865, é publicado pela Livraria
Espírita de Paris seu novo livro: O Céu e o Inferno – A Justiça de Deus
Segundo o Espiritismo.
Explica o codificador que o homem carrega
dentro de si a necessidade de crer, mas para que essa crença satisfaça a seus
anseios, ela deve corresponder às suas necessidades intelectuais.
Assim, a crença na sobrevivência do espírito
e a possibilidade de comprovação de sua existência supramaterial serão o
primeiro ponto de contato das diversas interpretações religiosas que igualmente
proclamam essas mesmas realidades, porém, cada uma a seu modo.
Elucida Allan Kardec: “Por instinto tem o
homem a crença no futuro, mas não possuindo até agora nenhuma base certa para
defini-lo, a sua imaginação fantasiou os sistemas que deram causa à diversidade
de crenças. A Doutrina Espírita sobre o futuro — não sendo uma obra de
imaginação mais ou menos arquitetada engenhosamente, porém o resultado da
observação de fatos materiais que se desdobram hoje à nossa vista — congraçará
como já está acontecendo, as opiniões divergentes ou hesitantes e trará
gradualmente, pela força das coisas, a unidade de crenças sobre esse ponto, não
já baseada em simples hipótese, mas na certeza. A unificação feita relativamente
à sorte futura das almas será o primeiro ponto de contato dos diversos cultos,
um passo imenso para a tolerância religiosa em primeiro lugar e, mais tarde,
para a completa fusão”.
ELEVANDO-SE,
PELO PENSAMENTO, ACIMA DA HUMANIDADE
Não resistindo ao excesso de trabalho, em
1866, Allan Kardec cai enfermo. Mesmo assim, logo que se restabelece, retorna
aos seus inúmeros deveres de missionário, cuidando da Revista Espírita,
dirigindo a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, respondendo às cartas provindas
das localidades mais distantes do mundo, socorrendo silenciosamente os
sofredores e doentes, preparando novos livros e publicações doutrinárias.
Allan Kardec passa a ser alvo de terríveis
perseguições, não apenas por parte do clero, mas também, sofre a traição dos
próprios companheiros. Mas sempre a generosidade de seu coração soube suplantar
a todas essas injúrias. Seus escritos e sua conduta falam a favor de sua
invariável delicadeza de linguagem, jamais ferindo ou ofendendo seus
adversários. Em toda e qualquer celeuma, escrita ou verbal, sua superioridade
moral prevalece sobre seus contendores.
E quando se via golpeado pela injúria ou pela
maledicência, quando vítima de inveja e ingratidão, ele mesmo dizia, que nessas
horas dolorosas da vida, procurava se elevar, através do pensamento, acima da
humanidade e se colocava, mentalmente, no mundo invisível, imaginando-se na
pátria espiritual, por antecipação, tornando-se inacessível para as maldades
humanas, que já não mais o atingiam. Conta, ainda, que se habituou de tal
maneira a esse exercício espiritual que a maldade dos homens nunca mais o
pertubaram…
“DA PARTE
DOS BONS ESPÍRITOS”
Sua forma de praticar o bem, socorrendo os
aflitos e necessitados, sempre foi oculta, conforme ensinava Jesus: “Não saiba
a vossa mão esquerda o que faz a direita”.
Conta Alexandre Delanne, pai do cientista e
escritor espírita Gabriel Delanne, que conhecera um pobre velhinho confinado a
extrema pobreza. Mesmo assim, em suas privações, vivia resignado, graças à
leitura de uma pequena brochura de Alllan Kardec, que lhe fora oferecida. Certo
dia, ao tomar conhecimento desse fato, relata Delanne, o grande missionário
chorou. E com lágrimas nos olhos, enviou uma soma em dinheiro ao pobre ancião
e, além disso, vários volumes de suas obras.
Por não ter filhos, era com amor paternal que
amava e amparava os pobres e os sofredores. Visitava as moradas do infortúnio e
adentrava, anonimamente e com passos resolutos, com sua companheira Gabi,
ambientes onde a dor lancinava o corpo e a alma. Visitava detentos e doentes,
enviava recursos monetários às famílias necessitadas, em envelopes fechados,
sem indicar a procedência. Nos envelopes escrevia apenas: “Da parte dos Bons
Espíritos”.
O
CONTINUADOR DA OBRA DE KARDEC
Em 1867, juntamente com sua inseparável
companheira, faz nova viagem a Bordéus, Orleães (a cidade que Joana D´Arc
libertou dos ingleses), e Tours, realizando conferências e ensinamentos. Em
Tours acontece o encontro de Kardec com um jovem de vinte e um anos, que seria
um de seus grandes discípulos e continuador de sua obra: Léon Denis.
Um dos mais profundos pensadores espíritas,
Denis deixou obras notáveis, entre elas, “O Problema do Ser do Destino e da
Dor”, “Depois da Morte”, “Cristianismo e Espiritismo”, “No Invisível”, entre
outras.
Seu continuador, ao estabelecer suas
pesquisas e expressar sua linha de pensamento sobre as realidades da alma,
afirmaria em “O Problema do Ser…”: “Adotamos aqui os termos, as vistas os
métodos de que se serviu Allan Kardec, como sendo os mais seguros,
reservando-nos o acrescentar ao nosso trabalho todos os desenvolvimentos que
resultaram das investigações e experiências feitas nos cinquenta anos
decorridos desde o aparecimento de suas obras”.
A GÊNESE
Em 1868, o grande missionário publica uma
obra de grande valor científico: “A Gênese — Os Milagres e as Predições Segundo
o Espiritismo”. Nesta obra o codificador deixa o campo exclusivamente
doutrinário para evidenciar as relações do Espiritismo com a ciência. Os dados
espíritas lhe servem para colocar o problema da origem planetária em termos
científicos, desmistificar a distorção do Cristo sobrenatural, criado pelo
Cristianismo distorcido de suas raízes simples e consoladoras, conspurcado pela
enfatização superatrofiada nos milagres e no sobrenatural.
Allan Kardec soube esclarecer, na Gênese, que
os fatos das manifestações espíritas nada têm de extra-humano, na verdade, é a
humanidade espiritual que vem conversar com a humanidade corporal e dizer:
“Nós existimos, logo o nada não existe. Eis o
que somos e o que sereis. O futuro vos pertence, assim como a nós. Vosso
caminho estava nas trevas, e viemos clareá-lo, e vos abrir as vistas. Não
tínheis direção, indo ao acaso, e nós vos apontamos o objetivo. A vida
terrestre era tudo para vós, porque nada era por vós percebido, do lado de lá.
Nós viemos informar-vos, mostrando-vos a vida espiritual: a vida terrestre nada
é. Vossa visão parava no túmulo, nós vos mostramos, além dele, um horizonte
esplêndido. Ignoráveis porque sofríeis sobre a terra, agora, no sofrimento
enxergais a justiça de Deus. O bem parecia não produzir frutos, e, de agora em
diante, terá um objetivo e será uma necessidade. A fraternidade não era senão
uma bela teoria, e agora se assenta sobre uma lei da Natureza. Sob o império da
crença de que tudo acaba com a morte, a imensidade é vazia; o egoísmo reina
entre vós como senhor, e vossa palavra de ordem são: ‘Cada um por si’. Com a
certeza do futuro, os espaços se povoam ao infinito, o vácuo e a solidão não
existem em parte alguma, a solidariedade liga todos os seres, de um lado e de
outro do túmulo. É o reino da caridade com a divisa: ‘Um por todos e todos por
um’. Enfim, alcançado o termo da vida, dizíeis um eterno adeus aos que vos são
caros, enquanto que agora lhes direis: ‘Até a vista!’”
O RETORNO
À VIDA MAIOR
Em princípios de 1869, o grande missionário
prepara-se para transferir-se de sua casa, da Rua de Sant’Ana, para a Vila
Ségur. A Sociedade de Estudos Espíritas, sempre bem conduzida pelo codificador,
reorganiza-se sobre novas bases. A “Revista Espírita” prossegue como o veículo
oficial catalisador e disseminador do Espiritismo em vários países.
Allan Kardec planeja muitas coisas em favor
da Doutrina. Intenciona escrever novas obras e construir uma casa-abrigo para
os trabalhadores do Espiritismo que envelhecessem sem recursos. Com as
economias provenientes de suas obras pedagógicas, comprara um terreno na
Avenida Ségur.
No dia 31 de março de 1869, entre 11 e 12
horas da manhã, ao atender a um visitante que lhe solicita um exemplar da “Revista
Espírita”, repentinamente, a velha enfermidade do coração liberta seu grandioso
espírito.
CONCLUSÃO:
A POSSIBILIDADE DE SER E TORNAR-SE CADA VEZ MAIS E MELHOR
A mensagem espírita, bem compreendida em
teoria e prática, descortina a seus adeptos um vasto horizonte
religioso-filosófico-científico, proporcionando um gradativo refinamento de
cogitações e consequente elevação de aspirações.
Uma educação espiritual consistente, não
coercitiva, racional e consoladora — este é o legado de Allan Kardec, o antigo
druida ressurgido. Sua mensagem é destinada às gerações futuras, mais
despojadas e sublimadas pela dor do milenar desengano resultante da pertinente
transgressão às leis divinas. Estas gerações compreenderão a Terceira
Revelação, pois que a viverão em profundidade. A evidência da vida ultrafísica
se imporá, irrefutavelmente, convergindo a humanidade para a religião interior,
cósmica, referida por Jesus como a que seria vivenciada “em
espírito e verdade” — unificando o rebanho disperso em torno do único Pastor.
Mesmo assim, ainda hoje, se adotarmos por
base a noção do ser pensante, como o fez Descartes, temos nos princípios
essenciais do Espiritismo os meios concisos de desenvolver essa noção,
desdobrá-la, pois poderemos afirmar com Léon Denis:
“O primeiro princípio do conhecimento é a
ideia do Ser (Inteligência e Vida). A ideia do ser impõe-se: Eu sou! Esta
afirmação é indiscutível. Não podemos duvidar de nós mesmos. Mas, esta ideia,
só, não pode bastar; deve complementar-se com a ideia de ação e vida progressiva: Eu
sou e quero ser, cada vez mais e melhor!”
Ao que a voz do próprio Mestre, pelo decorrer
das eras, continua a ressoar, exortando: “Sede perfeitos, como perfeito
é vosso Pai que está nos céus…”
REFERENCIAS
BIBLIOGRÁFICAS:
1) A Gênese – Allan Kardec / Editora Lake
2)
A Vida de Allan Kardec para as Crianças – Clóvis Tavares / Editora
Lake
3)
Allan Kardec – Vol. I, II, e III – Zêus Wantuil e Francisco
Thiesen / Federação Espírita Brasileira – FEB
4)
Allan Kardec (O Druida Reencarnado) – Eduardo Carvalho Monteiro /
Editora EME
5)
O Céu e o Inferno – Allan Kardec / Editora Lake
6)
O Evangelho Segundo o Espiritismo – Allan Kardec / Editora Lake
7)
O Livro dos Espíritos – Allan Kardec / Editora Lake
8)
O Livro dos Espíritos e sua Tradição Histórica e Lendária – Canuto
Abreu / Edições LFU
9)
O Livro dos Médiuns – Allan Kardec / Editora Lake
10)
O Problema do Ser, do Destino e da Dor – Léon Denis / Editora
Federação Espírita Brasileira – FEB
11)
Obras Póstumas – Allan Kardec / Federação Espírita Brasileira –
FEB
12)
Revista Espírita n.º 4, Abril de 1858, Allan Kardec / Instituto
de Difusão Espírita – IDE
13)
Viagem Espírita em 1862 – Allan Kardec / Casa Editora O Clarim
[2] Comunicação acima recebida pela mediunidade
da menina Ruth, uma das quatro sensitivas adolescentes que serviram de
instrumentos para o recebimento de O Livro dos Espíritos, cujas informações,
transmitidas pelos Espíritos Superiores, foram compiladas por Allan Kardec.